Eduardo Mamcasz
da Rádio Nacional da Amazônia
Manaus – Planejada para ser a ligação por terra entre Brasília e Caracas (Venezuela), a Rodovia BR-174 continua com 1.500 quilômetros no papel, não construídos, nos estados do Mato Grosso e Amazonas. A parte mais nova, em Roraima, concluída há seis anos, encontra-se com o asfalto destruído em muitos pontos. Ela também permanece fechada, todas as noites da semana, na passagem pela Reserva Indígena Waimiri-Atroari. É a única ligação rodoviária entre o estado de Roraima e o restante do Brasil.
"Caminhos do Brasil " é o documentário especial apresentado, a partir desta segunda-feira, pela Agência Brasil, Radioagência e Rádio Nacional (Brasília e Amazônia). Ele é resultado de uma viagem de caminhão entre Manaus e Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, um trecho de 988 quilômetros. A Polícia Rodoviária Federal tem apenas dois postos, nas proximidades das capitais Manaus e Boa Vista, apesar do movimento de caminhões carregados acima do peso permitido (44 toneladas), uma das causas do constatado mau estado das pistas.
Todo o combustível consumido em Roraima, inclusive pela aviação, é transportado da refinaria da Petrobrás, em Manaus, em balsas, pelo Rio Branco, até Caracaraí. A partir dali, por causa das correntezas, o único caminho passa a ser a BR-174. A rodovia também é usada para o transporte das mercadorias da Zona Franca de Manaus que são exportadas para a Venezuela. Passando por Boa Vista pela BR-401 chega-se, após 210 quilômetros de estrada asfaltada, à fronteira com a Guiana.
Os caminhoneiros que transportam todo tipo de mercadorias para o consumo de Roraima, de onde trazem arroz, soja e madeira, reclamam de outros problemas além do péssimo estado de conservação da BR-174. No Posto Fiscal de Jundiá, na entrada de Roraima, a espera considerada "normal" é de quatro horas, apesar do reduzido número de caminhões e a inexistência de controle de pessoas em outros tipos de carros, ônibus e lotações. No local, a fiscalização fica por conta do recolhimento de impostos.
Pela única balança instalada em toda a extensão da BR-174, no trecho entre Manaus e fronteira com a Venezuela, passam no Posto de Jundiá cerca de 500 caminhões por mês. A pesagem é feita apenas no sentido Manaus-Boa Vista. Os fiscais lembram de o caso "estranho" de uma carreta com capacidade para 42 toneladas, mas que passava por ali com 97 toneladas de materiais de construção. Já na parte do Amazonas, desde a saída de Manaus, não há qualquer tipo de fiscalização com relação ao peso.
No final da BR-174, em Pacaraima, município cuja criação continua sendo questionada na Justiça Federal, por estar dentro da Reserva Indígena São Marcos, mesmo depois de demarcada e homologada, foram encontrados caminhões carregados que aguardavam há mais de uma semana pela liberação. A preocupação maior da fiscalização neste posto da fronteira com a Venezuela diz respeito, no momento, ao contrabando da gasolina que, na vizinha Santa Helena de Uiarén, é comprada por R$ 0,30 o litro.
Outro ponto de estrangulamento na BR-174 acontece nos 123 quilômetros divididos entre os Estados do Amazonas e Roraima, na passagem pela Reserva Indígena Waimiri-Atroari. Em nome da preservação desse povo, que sobrevive da caça, apesar da existência de escolas, postos de saúde e até internet via satélite, a rodovia fica bloqueada, todos os dias, no período das 18 horas às seis da manhã. Se houver carga perecível, a passagem é permitida até às 22 horas. Não se pode parar fora da pista nem fotografar neste trecho.
Entre outras peculiaridades no lado de Roraima estão as plantações de acácias que, além de atrair abelhas que espantam as caças nas reservas indígenas, produzem a madeira usada na confecção do nosso papel moeda. No lado do Amazonas, escondida por uma faixa estreita de floresta, está o projeto Jayoro, plantação de cana-de-açúcar que produz 15 mil toneladas de todo o produto usado para produzir o refrigerante Coca Cola consumido na Austrália. A última "invasão" está sendo provocada pelos plantadores de soja.
Com relação às centenas de crateras e buracos existentes na BR-174, principalmente na parte de Roraima, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, ex-prefeito de Manaus, prometeu que no Orçamento de 2005 serão garantidos R$ 54 milhões para a recuperação das três rodovias federais que passam pelo estado. Além da 174, tem a BR-401, com 205 quilômetros, em bom estado, entre a capital Boa Vista e Bonfim, fronteira com a Guiana, e a BR-210, conhecida por Perimetral Norte, que continua no projeto.
A história da construção da ligação por terra entre o Brasil e a Venezuela começou no século passado, mas a floresta sempre vencia a batalha. Em 1963, o Exército foi encarregado de construir a estrada. A luta para o asfaltamento da BR-174, entre Manaus e a fronteira, terminou, de fato, somente no ano de 1998.
Sob o ponto de vista turístico, a BR-174 tem potencial representado, a partir de Manaus, pela Reserva Florestal do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) que será o maior Jardim Botânico do mundo. Há o lago da hidrelétrica de Balbina e a Reserva dos Waimiri-Atroari. Em Roraima, tem o lavrado, áreas planas com as manadas de cavalos selvagens. E, na parte montanhosa da região, as reservas dos índios macuxi guardam as pedras sagradas com inscrições antigas.
A reportagem "Caminhos do Brasil" foi feita em carreta da empresa Expresso Araçatuba que transporta diariamente uma média de 20 toneladas de mercadorias de Manaus para Boa Vista, com parte dela sendo redistribuída para outras pequenas cidades do estado. O caminhoneiro Raimundo Nonato Alves da Silva conta detalhes da BR-174 que ele conhece desde os tempos em que "levava 15 dias para fazer o trecho, na época da seca". Para cada cruz ao lado da rodovia, ele sabe a história do que e com quem aconteceu.
O especial transmitido a partir desta segunda-feira (8) tem cinco episódios :
1) Corredeiras de Manaus a Presidente Figueiredo.
2) Terras de Ressuscitados Waimiri-Atroari.
3) Longa espera na fronteira Amazonas-Roraima.
4) Ziguezague por entre as crateras da rodovia.
5) As cruzes na beira da estrada calam mais alto.
A viagem foi realizada na semana passada, com paradas em Manaus, Boa Vista e Pacaraima e entrada em Santa Helena de Uiarén, Venezuela, que enfrenta problemas com brasileiros a caminho do garimpo ilegal, no interior do país, de passagem para a prostituição no exterior e com as quatro "invasões" já existentes na cidade que é ligada à brasileira Pacaraima através dos diversos "descaminhos" conhecidos por apelidos que mudam conforme a época, continuando o mesmo apenas para a "transmuambeira".
*colaborou a produtora Cleide de Oliveira