Dalmo Dallari defende a abertura dos arquivos da ditadura, mas pede controle e equilíbrio

26/10/2004 - 19h25

Fabiana Uchinaka
Repórter Agência Brasil

São Paulo - O jurista Dalmo de Abreu Dallari, de 72 anos, reconhecidamente um dos grandes militantes pelos direitos humanos e pela oposição ao regime militar, defende abertura dos arquivos que existem sobre o período militar (1964-1984) como forma de recuperar a memória daquele período. O jurista chama a atenção que tornar público esses documentos é fundamental para que o brasileiro entenda sua história e não cometa os mesmos erros.

Em entrevista à Agência Brasil, Dalmo Dallari ressaltou no entanto que as informações devem ser divulgadas de forma controlada para proteger os familiares das pessoas envolvidas.

Agência Brasil - Qual a importância da abertura, para consulta pública, dos arquivos da repressão no período militar?

Dalmo Dallari - Essa abertura tem um duplo benefício. De um lado, ela permite esclarecer pontos da história que são dúbios e ambíguos. É muito importante saber exatamente o que aconteceu, como aconteceu e quem foi responsável para que os brasileiros, entre outras coisas, não repitam erros cometidos anteriormente. Existe uma expressão de Cícero, político e advogado da Roma Antiga, que diz que a história é mestra da vida, ou seja, é fundamental conhecer a história para evitar a repetição de erros. Além disso, é preciso estabelecer claramente o papel de cada um na história. Hoje, vemos muita gente posando de democrata, quando, na verdade, são pessoas que deram todo o apoio à ditadura, inclusive participaram de torturas. Os brasileiros precisam saber exatamente quem foi quem naquela situação.

ABr - A anistia política está sendo usada como argumento para manter esses arquivos fechados?

Dalmo Dallari - É preciso considerar que a revelação das atitudes e das coisas que as pessoas fizeram durante a ditadura podem prejudicar seriamente a toda uma família. Os filhos ou netos dos torturadores, que não tiveram nada a ver com o quê o pai ou avó fez, podem acabar execrados, poderão sofrer restrições ou humilhações. É preciso tomar cuidado para que a abertura dos arquivos não se converta em um escândalo. A abertura dos arquivos não pode ser feita como forma de vingança ou de humilhação de pessoas.

ABr - Ao mesmo tempo em que é preciso proteger os familiares dessas pessoas, a anistia política corre o risco de ser distorcida juridicamente em favor dos algozes da ditadura. Como combinar os dois lados da história?

Dalmo Dallari - Eu acredito que a abertura deve ser feita com muito controle e de maneira muito equilibrada para evitar que se torne um fator de escândalo ou uma provocação. Isto não traria nenhuma vantagem para o Brasil. Mas também é inaceitável argumentar que houve anistia política e, por isso, vamos esquecer tudo. Realmente, torturadores e pessoas que participaram diretamente da repressão violenta vêm alegando que houve a anistia. Quem viveu aquela situação sabe que a anistia foi produto de uma pressão muito forte da opinião pública e, em grande parte, foi uma concessão controlada, ou seja, os torturadores concederam anistia a si próprios. E isto é um absurdo, não tem valor ético ou jurídico. Pode ser que, pelo próprio decurso do tempo, não haja condições para processos judiciais ou para responsabilizar criminoso, mas isso não significa ignorar o que aconteceu na história brasileira. Eu acho que as duas coisas precisam ser equilibradas.