Alessandra Bastos
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Nascido em Alagoas, Antônio Francisco da Silva tem 46 anos e está prestes a realizar o maior trabalho de sua vida: esculpir o altar de uma igreja no município de Poço Redondo (SE), pelo qual receberá R$ 15 mil. Ele é o Mestre Tonho e vive há três anos no assentamento Emendadas no Grupo Luiz Caetano, em que conseguiu se estabelecer após longa militância no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O terreno é dividido em cinco lotes, onde cada um dos quatro filhos tem a sua terra para trabalhar [Leia também a reportagem "Ministério da Cultura expôs obras de artistas do MST na semana passada"].
Longe da enxada, hoje ele é artista e faz esculturas em madeira. Acorda às 5h, faz uma caminhada de uma hora, imposta pelos médicos após anos de fumante, e começa a trabalhar. O ofício, muitas vezes, se estende até às 2h da manhã. "Quando chego da caminhada, tomo banho, o café, me assento, pego o formão e a marreta, todos os dias", conta orgulhoso.
Mestre Tonho, como gosta de ser chamado, mal consegue acreditar no dinheiro que ganhará com o próximo trabalho. Ele, que já passou fome ao lado dos filhos, diz que o talento é um milagre de Deus. Há 16 anos, quando fez a primeira escultura, nem acreditou que ela pudesse valer algum dinheiro.
A vida toda, mestre Tonho trabalhou para fazendeiros. "Quando você completa seis anos de casa, eles lhe mandam embora para você não ter direito à terra", afirma. Assim como milhares de outros camponeses, foi para a cidade tentar um novo emprego: "No interior você tem um queijo, um leite ou frango, mas na cidade não". O reinício não foi fácil.
Trabalhando para novos fazendeiros, "ganhava dois contos por semana e, no meio dela, já não tinha o que comer". Um dia, chegou em casa após o trabalho e pediu à mulher um café. "Rapaz, que café, não tem nada, os meninos já estão dormindo, estavam chorando, com fome, e eu não tinha o que dar, ela me disse". Tonho também foi dormir com fome para, no dia seguinte, voltar ao trabalho. "Aí bate o desespero na gente e eu comecei a apelar pra Deus".
O pedido, mestre Tonho lembra ainda hoje: "Deus, que me consentiu nascer num mundo tão bonito e maravilhoso como esse, não me deixe morrer de fome com meus filhos, não faça isso comigo porque não mereço. Sou um cara analfabeto, não sei ler, me dê uma arte pra eu viver". Em sua frente, havia um tronco de árvore. "Peguei um facão e comecei a cortar, parecia que alguém manobrava minha mão".
Seu Antônio foi para casa e ficou uma semana trabalhando em sua primeira escultura. Como faltou ao trabalho, o fazendeiro mandou o genro ir até sua casa saber os motivos da falta e Tonho mostrou a ele a escultura. "Naquele tempo não tinha lixa e eu peguei os cacos de uma garrafa para dar o polimento", se recorda. O fazendeiro acabou por gostar da escultura e resolveu comprá-la. Quando perguntou o preço, "eu sei lá se presta pra vender", respondeu o camponês, que não sabia o valor da sua arte. Pagou seis contos pela peça. "Eu ia trabalhar três semanas pra ganhar aquilo, quase que desmaio na hora", fala. "Pela primeira vez fui abraçado por um fazendeiro", conta.
Em seguida, o frei da cidade encomendou a imagem de São Francisco abençoando um pobre e pagou mais caro, oito contos. Foi uma festança pra família de mestre Tonho. De lá pra cá, o trabalho como artesão só aumentou. "Hoje tenho o que comer e não posso comer porque o médico diz que gordura dá colesterol", reclama, brincando.
Hoje, já expôs em vários estados e foi convidado para fazer uma mostra na Irlanda, onde não foi por medo de avião. Em Brasília, expôs até a semana passada na mostra "História e Cultura MST" no térreo do ministério da Cultura. Um de seus admiradores é o secretário da Identidade e Diversidade Cultural, Sergio Mamberti. "Eu já comprei um montão, sou apaixonado pelo trabalho dele, é lindo. Compro pra mim, pros meus amigos e meus filhos", afirma o secretário.
Superando mais um desafio, Tonho veio à capital de avião. "Pensava que existia um papa-filho (monstro) no avião, mas é bem legal. Dá próxima vez que for convidado para ir à Irlanda, eu vou", se entusiasma.