Entrevista 2 - Correção do câmbio foi "mudança radical" na economia, afirma Delfim

18/08/2004 - 11h21

Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil

Brasília – Na segunda parte de sua entrevista exclusiva à Agência Brasil, o ex-ministro Antonio Delfim Netto sublinha o caráter "radical" das mudanças por que passou a economia do país com o início do governo Lula. O presidente é considerado por ele um "líder carismático". Apesar disso, o deputado faz críticas ao partido de Lula, o PT. Leia a seguir o segundo trecho da entrevista.

Agência Brasil – O que possibilitou a mudança verificada na economia nos últimos tempos?

Delfim - As pessoas estão brincando, imaginando que está tudo errado, que continuou tudo como era. Não, houve uma mudança radical. O erro fundamental da octaetéride fernandista foi o câmbio. E o câmbio está corrigido. Não estava corrigido até praticamente o período eleitoral. Ora, significa que, como sempre, ele foi usado por se preferirem panos quentes. E quem construiu essa dificuldade foi o governo Fernando Henrique, com uma política fiscal no primeiro quadriênio absolutamente indecente.

O Gustavo Franco (ex-presidente do Banco Central, no governo FHC) paga um preço caro porque se atribui a ele a política cambial, o que é um pouco ridículo. Imagina se o diretor de câmbio tem poder para fazer a política cambial. Mas, além de obrigá-lo nessa política cambial, a atitude do governo era contraditória. Onde é que já se viu: câmbio fixo, com déficits fiscais fantásticos, como foram cometidos no primeiro quadriênio? Minha convicção é essa: liberaram-se, na verdade, as forças econômicas que estão corrigindo as dificuldades.

Como se deixou de investir há 15 anos, as dificuldades são enormes, precisa de recursos em estradas, portos... Tudo isso hoje vai ser feito através da PPP, se funcionar, se nós formos capazes de produzir o equilíbrio adequado na lei, na regulação, coisa que também acho que tem acontecido. O PT tem um grande problema, um cacoete, que é até agora muito difícil de ser superado. Quando você prepara um projeto, uma lei, 95%, está tudo certo. Mas se ele não introduzir os 5% de porcaria petista, ele não fica satisfeito. Eles têm que aprender. Como eu tenho confiança, acho que, com o tempo, até o PT aprende.

O que hoje aprisiona o Brasil, na verdade, e não dá a ele essa expressão que eu estou esperando? É que as pessoas ainda crêem que Lula vai ter um ataque de petismo. O mercado financeiro, principalmente, não pode acreditar que ele tenha mudado tanto. Então, ficam o tempo inteiro com a idéia de que, em algum momento, esse sujeito vai voltar a ser petista. Coisa que, na minha opinião, está superada.

ABr - Por quê?

Delfim - Lula é um sujeito inteligente, um líder carismático que entendeu claramente onde está o problema para resolver as questões sociais que ele quer resolver. Para ele, a economia é um instrumento para resolver os problemas sociais. Ele, antes dos petistas, entendeu que, se a economia não vai bem, não tem solução para problema social nenhum. E ele entendeu quais são os fatores que levam a economia a ir bem. Na verdade, ele e o Palocci. Eles colocaram a economia nos trilhos, e ela vem vindo.

O crescimento começou na agricultura. Este sim já tinha começado um pouco antes, com o Moderfrota, com o Marcos Vinícius, uma certa expansão de crédito, e engrenou o agribusiness inteiro, transferiu para a exportação e, lentamente, ele está se espalhando.

O último levantamento do IBGE mostra que dos 21 setores, 17 já têm sinal positivo. É um processo ainda lento, mas está continuando. Você tem os primeiros sinais de uma volta ou de um crescimento do emprego. Eu ainda não levo muito a sério os números de junho, porque as pessoas não prestam atenção, a demanda da mão-de-obra na agricultura está no pico em junho, mas é uma demanda por mão-de-obra temporária. Em junho, tem 220, 230 mil excedentes e termina o ano com 50 mil. É muito provável que esse efeito ainda esteja sendo revelado nesses levantamentos episódicos que estão aí.

Mas é evidente que o emprego ainda não cresceu por causa de algumas dificuldades da política trabalhista. É muito melhor - ainda que seja mais custoso - fazer horas-extras do que tomar novos empregados. De novo, aqui, a culpa é do PT. É o que eu digo, vai levar algum tempo ainda, mas ele vai aprender.

ABr – Que tipo de dificuldade o sr. enxerga?

Delfim - Por exemplo, decidiu-se sacralizar o empréstimo dos bancos aos trabalhadores com desconto em folha de pagamento. Essa é uma operação antiqüíssima. Quando eu era funcionário, em 1945, isso já funcionava. E funcionava bem, porque tinha concorrência, tinha lá os usurários que competiam entre si. O bom pagador tinha taxa de juro menor, o mau pagador ia para um outro usurário.

A lei atual contém dois defeitos, ligados a esse ranço petista. Primeiro, põe o sindicato no meio. O que o sindicato tem que se meter num empréstimo entre trabalhador em banco, e morder um pedacinho? É uma indignidade, é uma vergonha, ainda tomar uma graninha... E, segundo, não se liberou o trabalhador. Devia-se permitir que o trabalhador dissesse para a empresa de qual banco ele quer tomar emprestado, para se estabelecer uma concorrência entre os bancos. A lei vendeu o trabalhador para o banqueiro.

O mais grave: a empresa faz um acordo com o banqueiro e obtém juros menores, porque ela oferece aquele patrimônio de presente para ele. Agora, se você disser isso por aí, o pessoal fica irritadíssimo. E porque precisava disso? Precisa disso para o sindicato morder o pobrezinho. É uma coisa ordinária realmente.

Leia ainda os demais trechos da entrevista.