General brasileiro que chefia tropas no Haiti diz ''sentir falta'' de ajuda humanitária ao país

16/08/2004 - 11h23

Aloisio Milani
Enviado especial a Porto Príncipe

Porto Príncipe (Haiti) - Depois de obter "sucesso" em seus objetivos principais, a manutenção da paz e da segurança, a missão de paz das Nações Unidas no Haiti carece do apoio de outro setor da ONU para garantir seu trabalho no país, a "ajuda humanitária". "Aqueles que vão atuar na ajuda humanitária ainda não chegaram aqui. E sentimos falta disso. Há um desgaste e uma cobrança muito forte", afirmou à Agência Brasil o comandante das tropas brasileiras no Haiti, o general Américo Salvador de Oliveira.

Desde 29 de maio, quando o Brasil iniciou o deslocamento de tropas para o Haiti, os principais conflitos armados já tinham diminuído. Os maiores combates entre partidários e opositores de Jean-Bertrand Aristide aconteceram entre janeiro e março deste ano. Após a presença de soldados dos Estados Unidos, França, Chile e Canadá, que formavam a força interina multinacional, os brasileiros chegaram com o maior contigente das tropas de paz enviadas com aval da resolução 1542 do Conselho de Segurança da ONU.

Atualmente, 1.198 soldados brasileiros estão divididos em sete diferentes áreas do Haiti - seis na capital Porto Príncipe e um na cidade de Hinche, em substituição provisória das tropas do Nepal, que ainda não chegaram ao país.

Para o general, a situação política do país é melhor. "Os grupos políticos se retraíram muito após a retirada do presidente Aristide. Eles praticamente não têm atuado. Isso nos permite afirmar que o problema maior aqui é voltado para roubos, assaltos e mais voltado para a atuação de polícia", explica. Mas, assim como o comandante Augusto Heleno, chefe das tropas da ONU (Minustah), o general Salvador reconhece que a demora na ajuda humanitária desgasta o trabalho dos "capacetes azuis".

O general Salvador diz que os haitianos são "fanáticos" pela seleção brasileira, o que gera na cidade uma grande expectativa. "Isso vai ser um espetáculo. Vai trazer momentos de alegria para a população, que está precisando, mas, por outro lado, nos preocupa exatamente por essa paixão", diz, ao reforçar que o esquema de segurança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a seleção contarão com cerca de 1.700 homens. "O jogo vai nos trazer dividendos, porque vai fortalecer nossa imagem e isso facilita o dia-a-dia da nossa missão". Leia os principais trechos da entrevista:

Agência Brasil - Quais são as áreas mais críticas da capital Porto Príncipe? Ainda existe conflitos armados devido à instabilidade política?

General Salvador - Quando se fala Porto Príncipe é preciso entender que a cidade se expandiu. Originalmente, ela correspondia à parte baixa da cidade, onde fica o porto. Hoje, ela engloba quatro cidades: a própria Porto Príncipe, Delmas, Petion-Ville e Carrefour. Em vista disso, nossa preocupação maior está na parte baixa, também Carrefour e parte de Delmas. Os bairros críticos são Cité Soleil, Bel Air e Carrefour. Nessas áreas há a maior probabilidade da atuação das gangues e de grupos armados. E nessas áreas o nosso patrulhamento é mais intensivo. Recentemente fizemos uma ação pontual e houve uma detenção de quase 50 pessoas criminosas.

Mas, ações pontuais não podem ocorrer no dia-a-dia. Não só pelo efetivo, mas também pela nossa missão, que não é de violência, mas de conter a violência. É mais preventiva. A polícia, sim, vai para prender e ter uma ação mais contundente. Temos que criar uma imagem de uma força neutra, acima de tudo. E que, ao mesmo tempo, está em condições de atuar para fazer com que os grupos se contenham. Essa é nossa estratégia. Representamos a ONU aqui e não podemos ser parciais, principalmente com aqueles que tem alguma ideologia. Temos que respeitar a atuação de todos os grupos, mas evitar o confronto entre eles.

Hoje eu diria que o maior problema no Haiti é contra o crime comum. Mas de polícia, do que propriamente de uma força de paz, porque os grupos políticos se retraíram muito após a retirada do presidente Aristide. Eles praticamente não têm atuado.

As manifestações políticas são muito tranqüilas e feitas sem violência. E isso nos permite afirmar que o problema maior aqui é voltado para roubos, assaltos e mais voltado para a atuação de polícia.

ABr - A ajuda humanitária da ONU ainda não chegou no Haiti. As tropas brasileiras estão fazendo esse papel?

Salvador - A nossa missão principal é de segurança, mas sentimos a necessidade de atuar nesse campo que é uma outra componente da ONU. Eles ainda não começaram a atuar de maneira mais consistente em ajuda humanitária, na reconstrução do país e na parte de infra-estrutura. Estamos realizando alguma coisa nessa área, embora mais para fortalecer nossa imagem diante da população.

Aqueles que vão atuar na ajuda humanitária ainda não chegaram aqui. E sentimos falta disso. Há um desgaste e uma cobrança muito forte, porque a população não distingue que cada um tem seu papel na ONU. Para eles, todos nós somos "ONU". Então, dentro do possível, nós estamos desviando da parte operacional militar para a ajuda militar. Estamos esperando por esse componente da ONU até mais que a própria população. Ele deve atuar no abastecimento de água, comida, limpeza da cidade e reconhimento de lixo.

Isso é fundamental para que o povo tenha uma condição de vida melhor, porque só segurança vai cansando a população, que começa a exigir outras ações. Temos feito sugestões até junto do próprio representante do secretário geral da ONU, que esteve aqui. Falei mais disso do que das patrulhas. E a siutação chega num ponto que começa a ficar até difícil para nós. Mas, graças a Deus, pela simpatia com o Brasil, a nossa missão tem sido realizada com muito êxito.