Luciana Vasconcelos
Repórter da Agência Brasil
Brasília – De acordo com a secretária de inspeção do trabalho do Ministério do Trabalho, Ruth Vilela, as propriedades rurais com exploração do trabalho escravo estão muitas vezes ligadas a alta tecnologia. "Essas propriedades geralmente apresentam um quadro que indica que os produtores rurais conhecem tudo o que tem de mais atual e melhor em tecnologia para aumentar seus ganhos e competitividade. E fazem um contraste imenso com o desconhecimento alegado ou que demonstram em relação aos direitos mais primários, mais básicos, sejam direitos trabalhistas, sejam do ponto de vista dos direitos humanos e de cidadania", disse.
A representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Patrícia Audi, afirmou que esses empresários utilizam a vulnerabilidade do trabalhador para lucrar com a mão-de-obra escrava. "Utilizam da humildade, e da vulnerabilidade desses trabalhadores para simplesmente angariar lucros explorando a sua mão-de-obra escrava, ameaçando esses brasileiros com armas, com ameaças morais e de vida", ressaltou.
De acordo com Audi, somente no ano passado foram resgatados 5.100 trabalhadores. "Os resgates superaram as expectativas", disse. Este ano, os trabalhos foram interrompidos por causa da greve da Polícia Federal que durou cerca de dois meses. Após o encerramento, em maio, as atividades estão sendo regularizadas. Só para se ter uma idéia, este mês, uma ação conjunta de seis órgãos federais, coordenada pelo Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho libertou cerca de 100 trabalhadores na região conhecida como Terra do Meio, entre Altamira e São Félix do Xingu, no Pará, que se encontravam em regime análogo ao de escravidão e vítimas de mais tratos.
Além disso, no dia 21, uma ação de fiscalização realizada pela Delegacia Regional do Trabalho no Espírito Santo e a Polícia Federal libertou 20 trabalhadores em colheitas de café no município de Brejetuba, próximo a Cachoeiro do Itapemirim, sul do estado. Os trabalhadores eram mantidos em regime análogo à escravidão na fazenda Três de Maio, de propriedade do prefeito do município, Orlandino Belissari, preso em flagrante.
Alguns dos escravocratas já estão pagando por seus crimes. A Justiça do Trabalho determinou no início deste mês o pagamento da maior indenização por dano moral coletivo ao pecuriarista Euclebe Roberto Vessoni, acusado de prática de trabalho escravo, na fazenda Ponta de Pedra, no sul do Pará. O processo foi movido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
De acordo com informações do MPT, um acordo homologada na 2ª Vara do Trabalho de Marabá entre o fazendo e o Ministério Público do Trabalho, Vessoni deve pagar R$ 384 mil ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O valor foi dividido em 14 de julho. Em maio do ano passado, o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho libertou 28 lavradores submetidos a trabalho degradante da fazenda. O MPT informou que além de manter empregados em condições contrárias às disposições de proteção do trabalho, o pecuarista foi autuado também por explorar a mão-de-obra de menor de idade; atrasar o pagamento de salários; deixar de anotar Carteira de Trabalho; e não fornecer água potável e proteção para os empregados que preparavam área de pasto. Na fazenda, foram localizadas 12 mil cabeças de gado.
Ruth Vilela, do Ministério do Trabalho, destacou a importância das parcerias firmadas em 2003 para combater o trabalho escravo. "Hoje, trabalhamos diferente do ano passado quando Ministério do Trabalho e Polícia Federal trabalhavam de forma isolada", explicou. Segundo ela, ano passado foram fortalecidas parcerias com procuradoria da republica e do trabalho, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Para combater o trabalho escravo, o governo lançou ainda no ano passado uma "lista suja" com o nome de 52 empresas condenadas por utilizar a mão-de-obra escrava, que não podem mais obter financiamento público. O governo deve liberar, em breve, nova lista com 49 nomes, segundo Patrícia Audi, da OIT.
O presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Sebastião Caixeta, disse que o Ministério Público do Trabalho está engajado no combate ao trabalho escravo. Caixeta defende o empenho do governo para aprovação no Congresso da proposta de emenda constitucional 438/01, mais conhecida como PEC do Trabalho Escravo. A proposta dá nova redação ao artigo 243 da Constituição. A mudança permite o confisco das terras onde for constatada a exploração de trabalho escravo e o conseqüente repasse dessas áreas para o assentamento dos colonos. "Ninguém pode se beneficiar de atividade criminosa", afirmou. "A proposta vai atingir no que é mais caro aos escravagistas, que enriquecem do trabalho da terra", disse. "Vai tirar um dos bens de maior valor e motivo de orgulho que é a própria terra", acrescentou.
Paulo Schimidt, presidente em exercício da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), também considera que a aprovação da PEC do trabalho escravo é fundamental para acabar com a prática deste crime. "É preciso mais empenho do governo para aprovação da PEC", pede. A ANAMATRA criou em seu site (www.anamatra.org.br), um espaço destinado a denúncias de prática de trabalho escravo.