Spensy Pimentel
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Na segunda parte de sua entrevista exclusiva à Agência Brasil, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo fala sobre as condições macroeconômicas que ainda tornam o país vulnerável a ponto de impedir uma redução segura das taxas de juros administradas pelo Banco Central.
ABr - Ao falar dessa importância da atuação no sistema de crédito, o sr. quer dizer que a influência da redução da taxa de juros não é tão determinante como se diz?
Belluzzo - A taxa de juros, a taxa policy rate, a taxa Selic no Brasil tem uma outra restrição, que pouca gente menciona, relacionada à situação externa da economia. A despeito de ela ter melhorado, ainda apresenta alguns riscos se você reduz muito a remuneração das aplicações em moeda nacional, em real. Como a dívida pública é muito líquida, você tem um volume de ativos líquidos que podem, rapidamente, sem muitos custos, ser transformados em ativos em outra moeda, você pode, se baixa muito a taxa de juros, ter uma fuga do dólar para o real.
Por isso, você precisa consolidar, firmemente, o saldo da sua balança comercial, aumentar bastante suas reservas. É outro exemplo que nós não estamos conseguindo seguir. Não é só que nós não queremos, eu acho, é que nós não estamos conseguindo seguir essa regra que, hoje em dia, a literatura mais recente, mesmo americana, já recomenda. Que os países olhem para a relação entre os seus estoques de ativos líquidos e as reservas. Para que você na verdade desvie ou evite essas tentativas de fuga. Isso é fundamental na economia atual.
O Brasil tem essa vulnerabilidade, por isso eu insisti muito mais na necessidade de adotar uma política para reduzir bastante o spread. Você não vai fazer isso através de apelos patrióticos aos banqueiros. Vai ter que fazer isso com uma ação muito clara, concreta. No caso da taxa Selic, você tem esse risco, que está posto, exatamente pela relação entre a dívida interna e a situação externa do país, que, na verdade, melhorou, mas não está resolvida.
No setor externo nós estamos avançando, mas é preciso avançar mais e ter uma estratégia
bem clara de proteger a economia nacional para você não ficar prisioneiro dessas circunstâncias. Quando você tem um choque externo, os agentes se movem no sentido de proteger, de dolarizar a sua riqueza. É preciso avançar muito nessa direção, e isso talvez seja um processo mais lento do que gostaríamos.
ABr - O aumento das reservas ainda é insuficiente?
Belluzzo - No ano passado, o Banco Central comprou reservas, mas ainda estamos com US$ 22 bilhões, com o passivo externo curto, muito maior do que isso. Quer dizer: qualquer crise se transforma em demanda de dólar, pressiona a taxa de câmbio e pode provocar um processo cumulativo de fuga da moeda nacional.
ABr - Diante disso, medidas de controle de capitais seriam cabíveis?
Belluzzo - O controle de capitais, você colocar agora... Eu sou muito favorável a que se faça isso, de maneira muito pragmática, antes de você iniciar um ciclo de endividamento. Se tivéssemos um pouco de juízo no começo, em 94 ou 95, nós teríamos tomado cuidado com a abertura financeira, como eu disse no início da entrevista. Agora, seria mais aconselhável você tentar acumular reservas, reduzir bastante sua relação dívida / reserva, dívida / exportação, dívida / PIB - dívida externa.
O Brasil está há vinte anos sem crescer, fundamentalmente, por conta da crise da dívida externa de 1992 e da crise do Real, que se instala já desde 97, 98 e vem imobilizando a economia brasileira. Essas questões do financiamento, portanto, são questões essenciais.
Quando eu falei da necessidade de se ter um sistema de financiamento eficaz é porque, hoje em dia, todos os basbaques que diziam que era bom abrir a conta de capital para atrair poupança externa, já reviram - quer dizer, os basbaques internacionais, nacionais eu não sei - seus pontos de vista. Eles disseram: olha, é melhor desenvolver um sistema nacional de crédito. Chegaram a essa conclusão que minha avó já sabia: que você não pode se endividar insensivelmente em moeda estrangeira, então você tem que administrar o seu endividamento.
No entanto, aqui, nós entramos em dois tipos de crédito, sendo que o último, do ponto de vista produtivo, não teve efeito nenhum, foi zero. A economia encolheu, a renda caiu, se destruíram cadeias produtivas, se eliminaram pontos de geração de renda e emprego na economia. Não vejo qual é a vantagem que muita gente, na comemoração do Real, dizia: que houve uma modernização da economia brasileira. Eu não consigo perceber onde está.
Mas, enfim, essa é a questão central. Sempre foi decisiva na história dos países em desenvolvimento, e hoje é uma questão central: como você administra a sua dívida externa e, portanto as suas reservas. Como você administra sua política monetária - portanto, sua capacidade de criar créditos, estimular o setor privado. E como você administra as suas finanças públicas, ou seja, a sua capacidade de gasto produtivo e que gere emprego e renda.
Leia ainda a terceira e a quarta partes da entrevista.