Economista diz que viagem de Lula à África pode despertar relações comerciais

23/07/2004 - 11h15

Brasília – Entre os países que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai visitar nesta segunda viagem à África, na semana que vem, o Gabão é o de maior expressão econômica em comparação a Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Isso não significa, no entanto, maior proximidade do Brasil com o continente em termos de comércio, até porque o continente africano é muito mais influenciado pela Europa. Mas o Brasil está despertando para isso.

A opinião é do economista Roberto Piscitelli, professor da Universidade de Brasília, em entrevista ao programa NBr Manhã, da TV a cabo da Radiobrás. Segundo ele, apesar desses países serem de pouca expressão econômica, essa aproximação faz parte de um programa de difusão, de fortalecimento, de valorização da imagem do Brasil, e de tentativa de aproximação com o continente africano, "que ficou muito esquecido ao longo do tempo". A seguir, a íntegra da entrevista de Piscitelli:

NBr Manhã: Na segunda viagem à África, o presidente Lula visita o Gabão, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Cada um dos países enfrenta uma realidade econômica diferente. Cabo Verde, por exemplo, depende de importações e da ajuda externa para se manter. Mas há uma ligação cultural muito forte entre Brasil e África. Essa ligação cultural pode ser uma porta que se abre para eventuais relações comerciais no futuro?

Roberto Piscitelli: Sem dúvida. Essas relações nunca são isoladas e elas começam, muitas vezes, por manifestações na área cultura, afinal temos uma ligação histórica muito forte com os países de língua portuguesa, no caso de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. São países que fazem parte dessa comunidade luso-brasileira. Quer dizer, são países evidentemente de muito pouca expressão econômica. Uma corrente de comércio ainda bastante reduzida. Mas eu acredito que isso esteja dentro de um programa de difusão, de fortalecimento, de valorização da imagem do Brasil, e de tentativa de aproximação com o continente africano, que ficou muito esquecido ao longo do tempo, é muito desconhecido para nós. O desconhecimento que nós temos em relação ao Terceiro Mundo, à África em particular, é muito grande.

NBr Manhã: Em relação a esses três países, qual deles tem maiores possibilidades de negociações, de trocas econômicas com o Brasil?

Roberto Piscitelli: Sem dúvida, o Gabão. É o país que tem maior expressão, tem inclusive uma renda per capita, para o continente africano, que é até expressiva. Pelos dados que eu colhi, de US$ 4.500, e tem riquezas minerais, tem petróleo, tem manganês, florestas tropicais e inclusive indústrias, refino de petróleo, indústria madeireira, metalurgia, alimentação. Dos três países, evidentemente se a gente fosse associar algum interesse comercial imediato ou a curto prazo, ele estaria voltado para o Gabão e muito pouco para Cabo Verde, São Tomé e Príncipe.

NBr Manhã: O sr. citou uma frase dizendo que o continente africano foi esquecido e o presidente Lula já havia dito também, concordando com essa frase, que voltaria a dar mais atenção para a África. O que o Brasil pode fazer pelo continente africano em termos políticos, econômicos e culturais?

Roberto Piscitelli: Bem, acho que alguma coisa já está sendo feita, por exemplo, na área de cooperação técnica de modo geral. No caso de Cabo Verde já existe um programa de assistência técnica, principalmente a nível governamental, de informatização e sistemas de controle orçamentário financeiro, ou seja, são formas de fincar raízes e de expandir a influência cultural. Isso é um passo. Evidentemente são países de muito pouca expressão econômica. São países pobres, a renda per capita é muito baixa, a corrente de comércio é muito pequena. No caso de Cabo Verde, por exemplo, inclusive o Brasil já perdoou parte da dívida. Pelos dados que tenho aqui, 50% da dívida externa de Cabo Verde era com o Brasil.

NBr Manhã: Qual o impacto que isso pode ter para o Brasil no cenário internacional? Como é que o resto do mundo pode enxergar essa aproximação com os países africanos? Isso pode influenciar nos números do nosso comércio com outras partes do mundo?

Roberto Piscitelli: Não. Acredito que esse processo seja lento. É um processo que está sendo construído. Nós estamos despertando para isso. Acho que é muito importante que a gente diversifique a área de influência do país, antes muito concentrada nos Estados Unidos e na Europa. Evidentemente que esse é um processo lento, até porque o continente africano é muito mais influenciado pela Europa. Então, de certa forma, estamos tentando penetrar em áreas que já, por muito tempo, vem sofrendo influências, são dominantemente influenciadas principalmente pelos países europeus, pela colonização européia. No caso do Gabão, por exemplo, a França.

NBr Manhã: Cabo Verde tem um potencial turístico muito grande, será que não abre espaço para empresas brasileiras de infra-estrutura?

Roberto Piscitelli: Sim. Na área, por exemplo de hotelaria, sem dúvida as paisagens, as fotografias que a gente vê desse arquipélago são belíssimas, deve ser um lugar paradisíaco. Deve ser um lugar muito interessante de conhecer, de visitar.

NBr Manhã: Então é possível a gente esperar aí algum crescimento, como o senhor falou, na área de hotelaria ou até nas nossas empresas de aviação?

Roberto Piscitelli: Eu acredito que sim. Deve haver uma expansão, inclusive, do tráfego aéreo para esses países.