São Paulo, 6/6/2004 (Agência Brasil - ABr) - Fazer do comércio um instrumento do desenvolvimento é o principal desafio da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), que trará a São Paulo, de 13 a 18 deste mês, todas as grandes personalidades do comércio mundial, inclusive o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Supachai Panipchpakdi. Em sua décima-primeira edição, a conferência quadrianual da Unctad colocará o Brasil no foco das atenções internacionais. "Daqui deve sair uma nova negociação entre os países em desenvolvimento para conformar aquilo que o presidente Luís Inácio Lula da Silva vem chamando, muito bem, de a nova geografia do comércio", avalia o embaixador Rubens Ricúpero, secretário geral da Unctad desde 1995.
A expectativa é de que a reunião conte com a presença de 4 mil delegados do mundo todo. Comparado em importância à Rio-92, o evento é a maior conferência da ONU este ano e deve se converter no principal foro de debates sobre as estratégias de desenvolvimento do mundo em crise. Ricúpero acredita que as discussões aqui realizadas poderão dar impulso decisivo para a retomada das negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio.
A função da Unctad – entidade intergovernamental permanente, criada em 1964 - é exatamente preparar os países em desenvolvimento para a guerra das negociações comerciais. "A Unctad não negocia acordos comerciais como a OMC. Somos uma organização de economistas. Fazemos análises, pesquisas. Nos ocupamos da parte que antecede, acompanha e sucede as negociações", explica Ricúpero.
O embaixador considera paradoxal o comércio mundial de hoje. Segundo ele, o "mundo real do comércio", das importações e exportações, caminha muito bem devido à recuperação da economia norte-americana, à volta do crescimento do Japão e ao crescimento da Índia, da China e dos demais países asiáticos. "Vemos uma situação contraditória. O comércio mundial voltou a crescer, mas as negociações não andam, nem na OMC, nem na Alca", avalia. O entrave é basicamente a Agricultura. "A Agricultura tem sido um espinho na carne da liberalização comercial. Há mais de 50 anos que as negociações comerciais são derrotadas pela agricultura. As dificuldades são, acima de tudo, políticas", afirma Ricúpero.
Para a Unctad, não há dúvidas de que o comércio é o melhor caminho para se chegar ao desenvolvimento. O que está em discussão e voltará à cena em São Paulo são as estratégias para isto. Teremos um grande debate em torno de políticas públicas para países em desenvolvimento. "O tema principal será a coerência entre as estratégias no nível nacional e no contexto global. Nosso propósito é mostrar qual a estratégia mais coerente com o que ocorre no mundo hoje", sintetiza o secretário-geral da Unctad. Para Ricúpero, trata-se de questão crucial para o Brasil. "A nossa estratégia ainda não é coerente com o contexto global", afirma.
"O grande motor dinâmico do crescimento brasileiro deve ser o setor externo", afirmou o embaixador, em teleconferência com 40 faculdades de economia do estado de São Paulo, na última sexta-feira. Na avaliação do secretário-geral da Unctad, as exportações são o caminho para o Brasil enfrentar a volatilidade do mercado financeiro internacional e sair da crise. "Desde a crise mexicana, a comunidade internacional não quis ou não soube criar uma arquitetura financeira nova, com mecanismos que prevenissem ou evitassem a freqüência das crises. Na ausência destes mecanismos, continuamos vulneráveis à volatilidade dos mercados financeiros", explica Ricupero.
O embaixador cita um exemplo recente desta vulnerabilidade: em março, o Brasil era apontado por jornais financeiros do mundo todo como a bolda da vez para aplicações financeiras. Em maio, o país "saiu de moda" com a mesma velocidade. Isto não ocorreu por fatores internos, mas porque Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve (o Banco Central americano), sinalizou que a era dos juros baixos estava terminando. Em conseqüência, os especuladores que tomaram dinheiro a taxas negativas nos Estados Unidos e aplicaram nos mercados emergentes saíram rapidamente.
Apenas o acúmulo de reservas pode reduzir a vulnerabilidade do país a choques externos, acredita Ricúpero. "É necessário usar o comércio exterior para gerar saldos comerciais e, desta forma, acumular reservas", ensina. A estratégia é definida pelo embaixador como "subótima". Isto porque, segundo ele, o emprego de recursos em reservas não é o caminho mais racional: "O melhor seria utilizar recursos no investimento produtivo, na infra-estrutura, em gastos sociais. Mas qual é a alternativa? Não ter reservas e correr o risco de receber um choque do mercado ou imobilizar recursos em reservas e se proteger deste choque?"
A equação para driblar a volatilidade do mercado financeiro internacional pode parecer simples. Aumentam-se as exportações, geram-se saldos comerciais e acumulam-se reservas. Mas não é bem assim. Rubens Ricúpero alerta que o Brasil corre o risco de não acompanhar os bons ventos do comércio mundial, caso não diversifique sua pauta de exportações e amplie a capacidade instalada em produtos que começam a escassear, como aço, papel e minério.
Ricúpero lembra que, em 2003, o Brasil aumentou suas exportações em 21%, enquanto o comércio mundial apresentou alta de 4,7%. Para este ano, a Unctad e a OMC calculam um crescimento de 8,6% no volume do comércio mundial. Para 2005, a previsão de alta é de 10,2%. "É provável que as condições mundiais continuem ajudando a aumentar nossas exportações, mas acho que a oferta brasileira vai limitar a possibilidade de tirarmos proveito disso", afirma.
Para o embaixador Rubens Ricúpero, Brasil enfrenta problemas de quantidade e qualidade. "O aço já não existe para o mercado interno e externo, o papel está escasseando, minério de ferro não há para vender pois o Brasil fechou contratos com a China para os próximos três anos. Estamos batendo com a cabeça no teto", exemplifica.
Mas o maior problema, segundo o embaixador, é a qualidade da oferta brasileira uma vez que 60% dos produtos exportados entram na categoria de commodities. "Não é vergonha depender de commodities. Estados Unidos e Canadá sempre foram grtandes exportadores destes produtos e 60% do que a Austrália vende são commodities. Mas não se pode ficar só nisso pois são produtos em que o preço é mais volátil e a demanda normalmente cresce pouco", diz.
Ricúpero acha que o Brasil deveria apostar nos chamados produtos dinâmicos – aqueles em que o comércio cresce mais do que o dobro do que os outros produtos. Nesta lista entram 20 categorias, lideradas por eletroeletrônicos (máquinas, equipamentos para escritório, computadores e produtos de informática em geral), química fina e equipamentos e material hospitalar e cirúrgico. São setores que exigem tecnologia e, em geral, têm alto valor agregado. "Neste sentido, a pauta brasileira é muito pobre. O Brasil só aparece com os aviões da Embraer com equipamentos de telecomunições", lembra o embaixador.
Quando fala em diversificação da oferta, o embaixador deixa claro que não quer dizer que temos que produzir computadores. " Tem é que agregar valor ao que se produz", resume. Ele propõe que se aproveite produtos brasileiros que já têm boa dinâmica de comércio, como calçados, móveis e madeira, frutas tropicais e tecnologia. "O abacaxi é a fruta que mais cresce no comércio do mundo e não está na pauta brasileira", exemplifica.
Mas melhorar a oferta brasileira depende de investimentos. Como nossa capacidade de investimentos é limitada, Ricúpero sugere atrair investimentos estrangeiros diretos. "O Brasil precisa de capital estrangeiro", afirma. O embaixador enfatiza, no entanto, que são necessários investimentos diretos, que realmente se insiram na produção brasileira, os chamados greenfield investments, que criam capacidade adicional de exportação."Hoje atraímos investimentos para o setor de serviços, o que não chega a ter resultado na exportação, e também o especulador, que vem aproveitar a taxa de juros", diz.
Segundo Ricúpero, a atração deste tipo de investimentos deveria ser estratégia prioritária no Brasil, a fim de transformar o país em uma plataforma de exportações. Neste sentido, o secretário-geral da Unctad menciona três entraves: o custo do investimento (taxa de juros, spreads bancários, etc.), o sistema tributário brasileiro (definido por ele como "perverso") e a logística (transporte, burocracia interna, etc). " Há muita coisa a fazer neste sentido", garante o embaixador.
A redução mais acentuada das taxas de juros é defendida como medida urgente pelo embaixador e secretário-geral da Unctad. Ele acredita que a queda de juros teria três efeitos benéficos cumulativos: "Aliviaria muito a carga de déficit do governo, pois quase toda vem de pagamento de juros, geraria crescimento econômico e emprego e manteria a moeda relativamente desvalorizada, o que precisamos para exportar."
Para isto, no entanto, o Brasil precisa flexibilizar a meta da inflação "Nossa meta é ambiciosa demais, num mundo em que está havendo aumento do preço do petróleo e das commodities e uma volta da inflação nas economias industrializadas. Se houvesse uma meta um pouco mais flexível, de um dígito, poderia criar um espaço para baixar os juros", avalia Ricupero.