São Paulo, 26/5/2004 (Agência Brasil - ABr) - Durante a Conferência Estadual de Direitos Humanos de São Paulo, realizada no final da semana passada, a coordenadora da Associação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (Acat), Isabel Peres, enfatizou a urgência na adoção de uma política pública de atendimento jurídico às vítimas.
Os torturados não encontram na Justiça o auxílio de que precisam, afirmou. "As pessoas torturadas não têm acesso ao Ministério Público, ao Judiciário. Há pessoas com seqüelas que hoje estão livres, cumpriram sua pena, mas não recebem uma assistência médica ou acompanhamento psicológico", acrescentou.
"O que falta é vontade política de encaminhamento. Nós temos recorrido a organizações internacionais, como a Organização Mundial contra a Tortura, que está acompanhando dois casos nossos. É muito pouco em relação ao universo muito grande de torturados", ressaltou.
As seqüelas para as pessoas torturadas são inúmeras, marcam também a vida dos familiares e geram medo de denunciar o ocorrido. "O medo de denunciar existe porque os torturadores não são punidos e fazem retaliações", observa Isabel Peres, coordenadora da Associação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (Acat), entidade de ajuda às vítimas.
Em razão do medo, a Acat encontra dificuldades para apurar os crimes. Em seu último relatório de trabalho, o documento "Quebrar o Silêncio", são listadas 1.651 denúncias de tortura, mas 4 mil outras pessoas não quiseram se manifestar com medo de retaliações. "Nosso relatório traz quem torturou, a data em que torturou, como se deu a tortura, o estabelecimento e as providências que a ONG tomou. Mas a coluna destinada às providências das autoridades fica praticamente em branco até 2002. A partir de 2003, começa a haver um pouco de resposta", explica, ressaltando que não há decisões, mas pronunciamentos sobre inquéritos administrativos e encaminhamentos das queixas.
Experiência pessoal
Sem revelar o nome por temer represálias, P.P.F, de 42 anos, conta que tem a perna esquerda flácida, 11 centímetros mais curta que a direita, sofre dores fortes e não pode pisar com ela. São conseqüências da tortura sofrida enquanto cumpria pena, durante uma transferência de presídios, em 1998, no estado de São Paulo.
"Eu já tinha sido operado e foi colocada uma placa de platina na perna esquerda, mas andava sem o auxílio de muletas. Os policiais mandaram eu colocar o pé atrás de um ferro dentro do ônibus. Avisei que minha perna não dobrava. Um deles deu risada e chamou mais dois policiais – cada um com um cachorro da raça pit bull do lado. Ele pisou na minha perna e quebrou a platina", relatou.
P.P.F ficou sem assistência médica por dois anos, sua placa de platina nunca foi reparada e ele só se locomove com muletas. Libertado em 2003, está tentando obter do governo paulista uma cirurgia reparadora.