Resultados positivos da viagem à China devem vir a médio prazo, diz embaixador

22/05/2004 - 9h25

Pequim (China), 22/5/2004 (Agência Brasil - ABr) - Há quatro anos à frente da embaixada brasileira na China, o embaixador Afonso Celso Ouro Preto, prepara-se para deixar o país com a tarefa de preparar os caminhos para a comemoração dos 30 anos de relações diplomáticas entre Brasil e China. Especialista sobre o país, coube a ele o desafio de trabalhar para que o Brasil intensifique suas relações com o país considerado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva estratégico para a formação de uma nova geografia econômica mundial. Ontem (21), quando Lula embarcou para a missão de cinco dias à China, Ouro Preto recebeu a Agência Brasil.

Veja trechos da entrevista.

ABr - Tanto o governo quanto empresários brasileiros querem estreitar laços com a China. Como compreender e conseguir conquistar o país?

Ouro Preto - A china é um país tão grande, com uma história tão rica e longa e com uma sociedade tão complexa e com uma economia tão diversificada que se alguém pretende ser uma especialista em China está exagerando. É muito difícil ser um especialista em China. Exceto numa área muito setorial.

Nós temos relações desde 74 e elas sempre foram cordiais e harmoniosas. Hoje, elas estão se tornando mais densas. A cordialidade tem aumentado, tem se tornado mais concreta. O comércio tem se expandido a tal ponto que em 2003 nós oscilamos entre o segundo e o terceiro maior parceiro comercial da China. Creio que este ano a parceria vai se instalar no segundo. Esse intercâmbio continua a se desenvolver enquanto com a Argentina, nosso atual segundo parceiro comercial, está mais lento.

ABr - Em que áreas há, efetivamente, possibilidade de parceria?

Ouro Preto - Há uma convergência de interesses. Brasil e China não competem em nada, nem em terceiros mercados. Não são adversários. Não vêem sua segurança ameaçada em nada.
Defendem pontos de vista muito parecidos. Na ONU reconhecem o direito internacional, a importância da ONU. Combatem a idéia de uma hegemonia. Estão chegando ao ponto quase surpreendente do ponto de vista de investimentos, a Vale do Rio Doce e a Boesteel vão construir uma grande siderúrgica. É um dos maiores investimentos industriais com capital estrangeiros que ocorre no Brasil no momento. Há um projeto para construção de uma termelétrica de carvão, no Rio Grande do Sul com capacidade de geração de 600 megawatts de eletricidade. Por outro lado,
o Brasil também investe na China, com a Embraer. Tem a Embraco, que fabrica aqui ar condicionado, temos a Vale, BMF, Banco Santos. No tocante ao comércio internacional os dois paises, apesar dos trinta anos de relações diplomáticas, tiveram uma tendência a se ignorar mutuamente e estão se descobrindo, estão constatando que coincidem praticamente em tudo e que têm interesses mútuo e passaram a ter um intercâmbio econômico, político e cultural.

ABr - Qual é hoje o significado político e cultural do Brasil para a China?

Ouro Preto - Vou dar um exemplo: na cidade proibida, um lugar onde não se montam exposições estrangeiras, uma grande mostra brasileira está sendo realiza, inaugurada pelo presidente Lula. Isso demonstra um imenso interesse pelo país. Diante de toda essa efervecência, como os dois governos podem se aliar dentro desse propósito de uma nova geografia econômica e política mundial proposta pelo presidente Lula? O presidente Lula, que antes veio à China como presidente de honra do PT, já tinha relações com as lideranças chinesas. Agora, com o relacionamento muito estreito que o governo brasileiro já tem com a África do Sul e com a Índia, acredito que se poderá criar vínculos mais fortes ainda com a China. É preciso entender, todavia, que os processos diplomáticos não se fazem do dia para a noite. Estamos tratando de dois governos que tomaram posse há pouco tempo. Cada vez que se pára para pensar há uma nova área a ser discutida.

ABr - O senhor já vê algum resultado prático dessa política?

Ouro reto - A China tem participado de maneira ativa do G-20, um grupo dos países em desenvolvimento com interesses comuns em matéria agrícola, que reage a um ordenamento mundial dos países do norte, que desenvolvem e matem uma agricultura traçada por subvenções que deturpam a concorrência e anulam ou diminuem a nossa vantagem comparativa. Houve uma reunião em dezembro, no Rio de Janeiro, em que a China se fez representar de maneira ativa.

ABr - Essa forma de união entre Brasil e China, e, como o senhor disse, o G-20, pode mesmo mudar o tabuleiro da política internacional e fragilizar a hegemonia dos Estados Unidos e da Europa?

Ouro Preto - De certa maneira já fragilizou. O G-20 já está obrigando as grandes negociações mundiais da rodada de Doha a levar em conta os interesses dos países em desenvolvimento, o que era uma coisa inesperada. Mas nem tudo são flores nessa relação. Tivemos recentemente um incidente com a soja brasileira com excesso de agroquímicos que a China mandou de volta que causou um certo constrangimento às vésperas da visita do presidente Lula. Por outro lado, temos problemas para fazer entrar no país alguns produtos, como a carne. Como resolver isso? A única maneira de não ter problemas em uma relação é não ter relação. E quando essas relações se tornam mais intensas, surgem os problemas.

ABr - E como resolver esses problemas específicos?

Ouro Preto - Não existem intercâmbios sem problemas. Essas coisas fazem parte da vida. São temas que você discute entre amigos e à medida em que se vai resolvendo, vão surgindo outros. É normal, mas não há nada que altere essa relação. Temos problemas com outros países inclusive com os principais parceiros como a Argentina. Dizer que por causa desses problemas as nossas relações estão comprometidas não corresponde à realidade.

ABr - O que podemos aprender do jeito chinês de fazer economia?

Ouro Preto - Cada país tem sua experiência. É muito difícil reproduzir exatamente as condições de um país em outro. Mas o que se pode aprender da China é que tem uma grande confiança em si e um grande orgulho do seu esforço. Isso tem sido muito bem sucedido na China. Foi basicamente isso que quadruplicou sua taxa de desenvolvimento nesses 20 anos. O mundo assiste a tudo isso com perplexidade. Mas há, da parte do mundo, uma certa pressão para que a China se abra do ponto de vista da democracia e há até o receio de uma nova crise asiática por conta da inadequação da China ao mercado financeiro global.

A China economicamente é mais aberta do que parte do comércio internacional. Mas as experiências são diferentes em cada país. Reproduzir experiências de outro país é complexo. Cada um tem sua rota e querer impor isso à China é complicado. A China é um país que tem uma tradição de quatro mil anos, não creio que caiba a ninguém lhe impor modelos. É um país com grande pragmatismo, respeito às tradições, segue a linha do Partido Comunista, mas leva em conta as realidades de mercado. O futuro a Deus pertence, mas não creio que haverá crise mundial. O próprio governo chinês anunciou uma redução da taxa de desenvolvimento em um ou dois pontos. Mas ainda assim, ela chegaria a 7%.

ABr - Diversos acordos estão sendo anunciados para a visita do presidente Lula. O que esperar da missão?

Ouro Preto - Essa intensificação das relações entre os dois países é recente. Não podemos imaginar que os resultados brotem imediatamente. São coisas que naturalmente entre paises levem um certo tempo de discussão e acomodação para produzir resultados concretos. O programa de parcerias nos satélites levou anos para se concretizar e agora já nos preparamos para lançar o terceiro e o quarto satélites.

ABr - A China é acusada de crescer às custas do seu povo, atraindo empresas estrangeiras por utilizar mão de obra barata e até trabalho escravo. Até que ponto isso reflete a realidade?

Ouro Preto - Trabalho escravo não existe aqui. Baixos salários existem se você compara a renda per cápita daqui, de um pouco mais de R$ 1 mil, com a da Alemanha ou Estados Unidos, o que é o caso do Brasil também. Seria infantil dizer que os salários dos chineses tinham que ser semelhantes aos da França ou da Alemanha. Os salários do Brasil tampouco podem ser. São mais baixos, mas não há nada de criminoso ou negativo nisso. E, ultimamente, os salários vêm aumentando.