São Paulo, 20/5/2004 (Agência Brasil - ABr) - A grande vantagem do regime democrático é a de que a população pobre pode castigar os governos que não lidam com ele. O alerta foi feito pelo embaixador brasileiro Rubens Ricúpero, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas Sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), ontem (19), nesta capital, durante palestra no 7º Encontro Ibero-Americano do Terceiro Setor, realizado no Hotel Transamérica, na Zona Sul .
Segundo o diplomata e ex-ministro da Fazenda, se a democracia não for capaz de melhorar, a longo prazo, a situação da população carente, haverá um desencanto quanto à eficácia desse regime de governo. Mesmo com todas as deficiências que podem ocorrer entre um governo e outro, disse, "a democracia é melhor do que a outra vertente que é o autoritarismo. Esse, sim, não tem muito o que fazer".
Ricúpero fez várias analogias de períodos distintos da economia na América Latina e Caribe, enfocando a questão do aumento da pobreza. Ele citou dados da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), órgão das Nações Unidas, segundo os quais de 1997 até o final de 2003 houve um incremento de 20 milhões de pobres no continente.
O embaixador observou que apesar de todos os esforços para compensar os efeitos negativos desencadeados a partir das crises da dívida externa, em 1982, que começou com o México, espalhando-se para os demais países, não foi possível voltar ao nível sócio-econômico anterior. Lembrou, contudo, que o Chile teve uma condição um pouco melhor. Só no ano passado, complementou, ocorreu, pela primeira vez, crescimento da economia em relação ao aumento da população, em torno de 1,4%.
Para o ex-ministro, a recuperação econômica com responsabilidade, sem gerar expectativas inflacionárias, passa por políticas corretivas como, por exemplo, medidas fiscais e tributárias em que os que ganham menos passem a pagar menos; desvinculação do salário mínimo do piso determinado para a Previdência Social e um investimento maciço em educação.
No seu entender, é necessário estimular os jovens para que se transformem em novos empreendedores da área produtiva por acreditar que assim seriam gerados novos empregos. Hoje a grande demanda tem sido para a área financeira que quase nada produz, acentuou. Essa seria apenas uma das alternativas, segundo ele, para minimizar o impacto do quadro catastrófico do desemprego que chegou aos níveis mais elevados de toda a história, oscilando na média, entre 11% e 13%, na América Latina, e quase 20% só na região metropolitana de São Paulo, conforme os dados apontados com base na pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).
Há uma pressão de falta de vagas também em países da Europa, proveniente do desemprego estrutural, acrescentou o diplomata brasileiro, citando os exemplos da França e da Inglaterra, com a grande diferença de que lá a pobreza não tem a mesma relação que na América Latina, onde "os ricos são muito mais ricos do que os dos países mais desenvolvidos" e não há um quadro de pobreza absoluta.
Rubens Ricupero elogiou o trabalho que vem sendo feito "de forma abnegada" pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério do Planejamento, mas defendeu que as entidades do Terceiro Setor poderiam ocupar parte do papel do governo nessa tarefa, pois quanto mais coletas forem feitas, maior a possibilidade de se mensurar com mais exatidão o tamanho do problema a ser enfrentado no combate aos bolsões de pobreza.
A concentração de renda é um dos grandes desafios. Essa situação avançou em São Paulo, onde estão hoje 58% dos mais ricos contra 38%, na década de 80, enquanto há um em cada cinco trabalhadores sem emprego na região metropolitana de São Paulo, lembrou.
Quanto ao salário mínimo, o secretário-geral da UNCTAD disse que hoje as autoridades estão diante do mesmo dilema enfrentado por ele, quando ocupou o cargo de ministro da Fazenda, em 1994. Ele lembrou que, na época houve um grande debate, em que foi questionado pelo então deputado Paulo Paim, do PT, defensor da fixação do salário mínimo em US$ 100. "Eu dizia que isso estouraria as contas públicas". Hoje o governo chegou as mesmas conclusões de que é necessário desvincular o salário mínimo do piso da Previdência Social.