Brasília, 20/5/2004 (Agência Brasil - ABr) - O líder sindical pernambucano José Francisco da Silva, ex-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Agricultura (Contag), lembra nesta entrevista a atuação do movimento no campo durante os anos de ditadura no Brasil.
"Foram dois períodos: o drástico e o mais drástico", afirma o sindicalista, que está em Brasília para comemorar os dez anos do Grito da Terra Brasil, ao lado de cerca de 5 mil agricultores de todo o país. José Francisco da Silva recorda ainda que a tática para driblar a repressão era o uso de dois tipos de discurso: "um para o público e outro nos encontros, nos cursos de treinamento".
Confira, a seguir, mais um trecho da entrevista do sindicalista:
ABr - O senhor continuou no movimento durante a ditadura?
Silva - Continuei. Assumi a Fetape em 66, quando me liberei do primeiro processo. Era uma época complicada para as federações. Um voto por federação para eleger o presidente da Contag. Fui eleito por um voto a mais, seis votos contra cinco do lado do governo, mais conservador. A ditadura teve diferentes períodos, o drástico e o mais drástico. Em 64, quem assumiu o governo foi Castelo Branco. A visão dele era reprimir o movimento, colocar ordem e devolver o poder aos civis. Nesse período, foram assegurados alguns direitos, como o Estatuto do Trabalhador Rural. Acabou aprovada também a mensagem 33 do Estatuto da Terra. Vieram os institutos para desapropriar terra, assentar, mas tudo muito conturbado. Não se permitia invasão.
ABr - A mesma postura foi mantida no governo Costa e Silva?
Silva - Ele tentou manter a linha, mas logo foi atropelado. Antes de 68, existiam várias concessões. Quando assumi a Contag, o trabalho sindical estava caminhando com treinamento, criação de delegacias. De 68 em diante, a coisa piorou. O Médici atropelou o processo. Até o pessoal diz que aquela morte do Costa não foi por trombose coronárias, mas por trombada dos coronéis. Com o AI-5, a situação complicou. A repressão foi maior. Muita gente presa, assassinada.
ABr - De que forma o movimento se manteve durante esse período?
Silva - Dentro dessa dificuldade, a gente continuou trabalhando. Procurava brechas. Fazíamos, por exemplo, dois tipos de discurso. Um para o público e o outro nos encontros, nos cursos de treinamento. Não dava mais para chegar e dizer: pessoal que vamos ocupar terra. Então, você dizia: pessoal, temos o direito de usar o artigo 502 do Código Civil para permanecer na posse e não aceitar a expulsão. Era uma tática que você usava. Mesmo assim, isso foi o suficiente para muito processo.
ABr - O senhor chegou a ser processado novamente?
Silva - Cheguei. Foi em 1980, pela lei de segurança nacional. Justamente na época dos ventos da abertura. Já tinham acontecido as greves dos metalúrgicos, greves dos canavieiros de Pernambuco. Houve, é verdade, o assassinato do Wilson de Souza Pereira, em Brasiléia, no Acre. Mas fizemos de tudo para que o pessoal não se desorganizasse, não abrisse mão da sua luta sindical, não abrisse mão da defesa da sua posse. E, se alguém invadisse a sua casa, tinha o direito de pegar em arma para se defender.