Brasília, 18/5/2004 (Agência Brasil - ABr) - "Esquecer é permitir, lembrar é combater". Com esta frase de ordem cerca de cem crianças e adolescentes caminharam pela rampa do Congresso Nacional carregando flores brancas nas mãos para lembrar o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A frase é uma referência ao caso da menina Araceli Sanchez, vítima de seqüestro, estupro e assassinato em 1973, no Espírito Santo. Um dossiê produzido pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e Adolescentes comprova a impunidade de nove casos que permaneceram sem solução desde a morte de Araceli, por isso o documento é intitulado "Dossiê Araceli Nunca Mais – 30 anos de impunidade no Brasil".
Não existem registros seguros a respeito da violência sexual contra meninas e meninos. Como esse tipo de violência normalmente se dá em condição de invisibilidade, às vezes dentro do lar e sem o registro policial, os órgãos representativos não possuem um diagnóstico preciso. Segundo a coordenadora do Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, Neide Castanha, o número pode variar de 100 mil a 500 mil casos registrados anualmente.
A coordenadora diz que somente uma total reformulação do Código Penal poderá dar conta do problema. "A espinha dorsal da violência sexual é a impunidade. Somente um conjunto de políticas públicas poderá romper com essa situação", declarou Neide. A coordenadora elogiou iniciativas como a da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o tema. Por outro lado, cobrou uma ação mais ágil do Congresso na aprovação de leis sobre o assunto. "Para se ter uma idéia, o estupro de meninos ainda é considerado violento atentado ao pudor", reclama. Como não existe a definição legal de estupro contra homens, não possível punir quem pratica essa espécie de crime.
A CPI que investiga a exploração sexual de crianças e adolescentes já visitou 14 Estados e ouviu mais de 300 pessoas ao longo de 10 meses de trabalho. Presidida pela senadora Patrícia Saboya (PPS-CE), a CPI deve indiciar cerca de cem pessoas e pedir ao Ministério Público que as denuncie à Justiça. Entre os suspeitos há autoridades públicas como prefeitos, vereadores e deputados estaduais. Os acusados responderão a processo sob acusação de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Um mapeamento da questão será entregue hoje ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante audiência no Palácio do Planalto. "Pela primeira vez na história do país, um presidente participa dessa solenidade e reafirma sua palavra de enfrentar esse drama. Que essas pessoas que agenciam ou que usam os corpos de nossas crianças que mal se formaram, que muitas vezes estão vulnerabilizados pela pobreza, sejam exemplarmente punidos", afirmou Saboya.
A relatora da CPI, deputada Maria do Rosário (PT-RS), um dos símbolos da atuação da CPI será o enfrentamento da impunidade. Nesse sentido, observa a parlamentar, não teremos medo de indiciar pessoas, inclusive autoridades que utilizam essa condição para agenciar e atrair crianças para exploração sexual. A relatora informou que a CPI ainda vai realizar diligências a Manaus e Fortaleza.
Neide Castanha lembra que o "basta à impunidade" deve ser mesmo o mote da campanha contra exploração sexual de crianças e adolescentes. "E preciso alterar o nosso marco legal que é machista e está caduco. Ele não dá conta de romper com a impunidade", ressaltou.