Corrêa diz que uniu Judiciário na reforma da Previdência e considera ''invasão'' o controle externo

15/05/2004 - 12h38

Luciana Vasconcelos
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Depois de 11 meses à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Maurício Corrêa se despede do cargo com o sentimento de dever cumprido. Na última segunda feira, sua aposentadoria compulsória foi publicada no Diário Oficial. Corrêa foi o 38º presidente do Supremo Tribunal Federal desde a proclamação da República. Ocupou a vaga de Marco Aurélio de Melo, que exerceu o cargo por dois anos. Foi eleito por dez votos a um - por tradição, o candidato não vota nele mesmo.

Maurício Corrêa é formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Chegou a Brasília em setembro de 1961 e já ocupou cargos nos três Poderes da República. Assumiu o cargo de ministro do Supremo em 15 de dezembro de 1994, por indicação do
então presidente da República Itamar Franco, de quem foi ministro da Justiça. Seu amplo currículo jurídico como advogado militante em Brasília inclui o cargo de presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Distrito Federal, entre 1978 e 1986. Foi ainda senador da República durante a Assembléia Nacional Constituinte.

Em entrevista à Agência Brasil, Corrêa diz que, mesmo com a aposentadoria, não vai parar de trabalhar. "Vou montar minha bancazinha de advogado, colocar minha vida financeira em dia", afirma. "Acho que o homem não deve parar jamais, porque a mente não deve parar. Mente sem ocupação não ajuda a viver mais", acrescenta. Leia a seguir trechos da entrevista.

Agência Brasil - O sr. passou 11 meses como presidente do STF. Que avanços foram possíveis alcançar nesse período?

Maurício Corrêa - Foram incontáveis as providências tomadas nesses 11 meses. Posso citar, em primeiro lugar, a regulamentação dos pedidos de vistas formulados pelos ministros. Também instalamos a Rádio Justiça no final da minha gestão e aprovamos uma resolução que cria a ouvidoria do Supremo para que todas as partes do Brasil que têm processo em tramitação no Supremo possam ter, além das informações dadas nos computadores de acompanhamento de processo, uma resposta efetiva.

A outra parte que realizei lá foi o unir o Poder Judiciário do país inteiro. O Judiciário se encontrava, de certa forma, sem um comando a respeito das posições que devessem ser tomadas do ponto de vista institucional, e isso nós conseguimos realizar. Houve, primeiramente, aquela questão relativa à Reforma da Previdência. E, graças a atuação que nós tivemos, a Câmara dos Deputados acabou votando emendas que atenderam nossos pleitos, essas reivindicações foram estendidas para todo serviço público.

ABr - O sr. tem restrições à Reforma do Judiciário?

Corrêa - Tenho dito: essa reforma discutida no Senado hoje não vai resolver o problema da Justiça brasileira, que é a morosidade. A impunidade também é gerada pela falta de um dinamismo maior no encaminhamento dos processos, e isso tem que ser feito por meio de uma reforma processual.

ABr - O que mais deveria ser feito para agilizar a Justiça no Brasil?

Corrêa - Eu resumiria o seguinte: a primeira reforma que tem que ser feita, para a justiça ser mais rápida, é modificar as leis processuais. É acabar com esse excesso de recursos, de que as partes se valem, atrasando o julgamento final. Por isso, às vezes, uma pessoa que pratica um crime tem a decisão final prolongada, às vezes até a prescrição, e ocorre a absolvição porque não houve a apreciação imediata em face de recursos interpostos de modo exagerado.

Em segundo lugar, a auto-gestão administrativa no próprio tribunal. Os tribunais têm que criar uma mentalidade para corrigir certos vícios do passado, a fim de que, também nessa parte administrativa, os processos possam ter uma dinâmica maior.

Em terceiro lugar, eu colocaria a Reforma Constitucional que está sendo votada, com a criação ou não deste conselho, que todos acham que tem que ter, mas não esse controle que está sendo discutido hoje no Congresso Nacional, o controle externo. Sempre nós quisemos o controle, mas não com pessoas de fora da magistratura, o que me parece uma forma de interferência em um dos poderes constituintes da República.

ABr - Falando em controle externo. O sr. sempre foi contra a medida como está apresentada no Congresso. Considera que ela interfere no Poder Judiciário?

Corrêa - Pela proposta, o Senado terá um representante, a Câmara, outro, a OAB, dois e o Ministério Público, dois. Pessoas de fora do Poder Judiciário. Na Câmara e no Senado, as bases do governo têm maioria. Essa pessoa que será indicada para integrar o Conselho de Justiça trará o vício de formação, porque é o Executivo na verdade que acabará indicando. Como você pode colocar uma pessoa de fora do Poder Judiciário para julgar, por exemplo, um ministro do Supremo Tribunal Federal? Esses advogados não deixarão de exercer uma certa influência na decisão do juiz. Acho que isso não é bom para o Poder Judiciário. Tira autonomia, há uma invasão em uma área independente e autônoma de um poder.

ABr - Uma pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), mostrou que os partidos políticos e o Poder Judiciário são as instituições mais desacreditadas pela população da América Latina. Como o sr. avalia este resultado?

Corrêa - O juiz tem que seguir uma tramitação processual obrigatória. Se ele foge daquilo, sabe que o tribunal vai corrigir. Muitas vezes, o juiz dá uma sentença não obedecendo o que o processo manda. Depois o tribunal reforma, volta ao juiz de primeiro grau para examinar a questão e isso prolonga o resultado final. Esse descrédito também tem uma outra conotação. É que as pessoas consultadas confundem o Judiciário com o Ministério da Justiça, que não tem nada a ver, o Ministério Público, a Polícia e até outros órgãos, como Receita Federal, que eles pensam integrar o Poder Judiciário.

O Poder Judiciário é aquele que apenas julga e se, muitas vezes, há erros que ocorrem na formação do inquérito policial e, quando chega à Justiça, o criminoso sai da cadeia, é porque o processo criminal, lá no início, foi mal feito. Por isso é que há descrédito, é uma desinformação do leigo com relação ao exato funcionamento do Judiciário.

ABr - A súmula vinculante, mecanismo por meio do qual juízes de instâncias
inferiores ficam obrigados a seguir decisões do Supremo Tribunal Federal, também é alvo constante de polêmicas. Juízes de cidades pequenas reclamam que podem perder autonomia. O sr. defende esse mecanismo. Ela pode agilizar o sistema sem prejudicar o julgamento do caso?

Corrêa - Se passar a súmula, vai se diminuir um grande número de processos nos tribunais. O que ela é? Nada mais que o resultado de vários julgamentos no Supremo Tribunal Federal de uma determinada questão ou tese. Aí, o STF entende, por exemplo, que determinada tese deve ser julgada, há toda aquela tramitação consumindo papel, recursos humanos de toda ordem e todo mecanismo que envolve a tramitação processual, até chegar, às vezes, ao STF e ele dizer, 'isso já foi resolvido aqui dez vezes'.

Por isso, se propõe a súmula. Quando o STF julga várias vezes uma mesma questão, ela tem que valer em caráter definitivo. E isso valerá não só para os órgãos do Poder Judiciário, mas também para o poder público. O advogado tem interesse que a causa vá ao STF, porque, à medida que demora, ele vai por esse caminho tortuoso afora, assim ele ganha o seu dinheiro.

Os juízes acham que vai tirar um pouco da autonomia. Se ele julgar aquela causa, ele entende que tem uma tese diferente, ele poderá julgar aquela questão, não vai atrapalhar. Se ele tem uma fundamentação diferente, se envolve alguns tópicos distintos daqueles que foram examinados, poderão examinar embaixo, a súmula não é permanente. Poderá ser removida, não é eterna.

ABr - Que outros pontos o sr. destacaria da Reforma do Judiciário que está no Congresso?

Corrêa - Há propostas interessantes, para diminuir o número de recursos extraordinários que chegam no Supremo. Haverá um controle que vai diminuir o número de processos.

ABr - Operações da Polícia Federal, como a Anaconda, que prendeu juízes, no ano passado, prejudicam a imagem do Judiciário?

Corrêa - Os procedimentos como esse não são freqüentes. É uma minoria. Onde há o ser humano, há erros e equívocos. Acontece lá, no Legislativo, no Executivo...