Comissão da OEA analisa mais de cem casos de violação de direitos humanos no Brasil

15/05/2004 - 10h25

Luciana Vasconcelos
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Mais de cem casos de violações dos direitos humanos no Brasil se encontram em exame na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). São histórias como os massacres de Eldorado de Carajás, ocorrido em 1996, e o da Candelária, em 1993.

Os casos vão à Comissão quando ainda foram totalmente ou parcialmente esclarecidos pelo Estado. São levados à OEA por organizações da sociedade civil. Segundo a assessora para Assuntos Internacionais da Secretaria Especial dos Direitos Humanos Carolina Campos Melo, a interferência da comissão da OEA não fere a soberania nacional. "O governo aceita e analisa o que pode ser feito", afirmou.

Carolina Melo disse que o governo adota uma postura de transparência. Segundo ela, o Brasil já chegou a negar a organizações internacionais, na época da ditadura, a ocorrência de alguns casos de violação dos direitos humanos, como, por exemplo, denúncias de discriminação racial. Ela explicou que o trabalho da comissão não interfere na soberania nacional.

Para o pesquisador Guilherme Almeida, do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da Universidade de São Paulo, é fundamental o acompanhamento do órgão internacional em casos de violação dos direitos humanos. "A comissão funciona como um Ministério Público e acompanha os desdobramentos dos casos", explicou. O NEV, fundado em 1987, busca a análise e a solução dos problemas ligados violência no país e na promoção dos direitos humanos.

Almeida cita uma história que teve repercussão nacional e um bom desfecho após interferência da comissão: a o do trabalhador escravo conhecido como Zé Pereira. A história resultou no primeiro acordo de solução amistosa com o governo para pagamento de indenização a um trabalhador explorado em condições de escravidão. A indenização foi instituída no valor de R$ 52 mil. Zé Pereira foi libertado de uma fazenda em 1989. Segundo relatório da OEA, ele foi atraído ao local com falsas promessas sobre condições de trabalho, e foi submetido à trabalhos forçados, sem liberdade para deixar a fazenda e sob condições desumanas e ilegais.

O pesquisador disse que o núcleo quer realizar este ano o Relatório Nacional para Direitos Humanos. Para isso, está busca parceria com o governo. O documento trará denúncias e relatos sobre o que o Estado está fazendo para resolver os casos. "Dá visibilidade pública ao caso e atribui maior responsabilidade aos governos", afirmou.

Em 1992, o governo brasileiro passou a fazer parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Esse ano foi significativo para o Brasil, de acordo com Carolina Campos Melo, assessora para Assuntos Internacionais da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. "Abriu espaço para a democracia interna e no âmbito internacional", disse a assessora.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi criada em 1959. Em 1961, começou a fazer visitas "in loco" para observar a situação geral ou particular de ofensa aos direitos humanos em determinado país. O presidente da comissão, José Zaquelet, esteve no Brasil em novembro do ano passado. Durante uma semana, visitou São Paulo, Vitória e Brasília. Na ocasião, ele identificou problemas como o trabalho escravo e as unidades de internação onde são colocados o jovem infrator.

Zaquelet destacou a importância da realização de planos concretos de Reforma do Judiciário, de combate ao trabalho escravo, de superação da discriminação racial e de segurança pública. Ressaltou ainda que a impunidade deve ser combatida. "Esperamos que isso acelere, porque somente se vai acabar com os crimes quando a cidadania compreenda que a Justiça e a Lei chegam a todos, não somente ao pobre, não somente ao preto, mas também aos poderosos", afirmou.

Violações de Direitos Humanos

Esta semana, a organização não governamental Centro de Justiça Global divulgou relatório "Direitos Humanos no Brasil 2003". De acordo com o documento, a polícia brasileira continua sendo uma das mais violentas do mundo. A pesquisa mostra que a violência está sendo alimentada por governos estaduais como sinônimo de eficiência e política de segurança.

A pesquisa indica ainda que houve um recrudescimento no número de trabalhadores rurais assassinados. Foram 73 em 2003, o mesmo número de trabalhadores assassinados no mesmo período na Colômbia.

O relatório faz também um perfil do sistema prisional brasileiro. Afirma que a cadeia é um espaço de punição, exclusão e materialização da pobreza. Indica que quem está preso são jovens (54,2%), pobres e de pouca escolaridade. O relatório aborda ainda temas como tortura, discriminação racial, violência contra homossexuais e índios, impunidade e violação de direitos humanos em instituições psiquiátricas.