Marcos Chagas
Repórter da Agência Brasil
Brasília - Enquanto senadores da base aliada ao Governo e da oposição se revezavam na tarde de hoje no plenário apoiando ou condenando a decisão do governo de cassar o visto do jornalista americano Larry Rohter, correspondente do jornal New York Times, a senadora e vice-líder do Governo, Patrícia Saboya (PPS-CE), subiu à Tribuna para relatar um problema que aflige a sociedade brasileira: as milhares de crianças e adolescentes submetidas à prostituição infantil.
A senadora preside a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga o abuso sexual contra crianças e adolescentes no país. Até 15 de junho próximo, a CPMI, que investiga mais de 800 denúncias de abusos contra adolescentes, apresentará as conclusões de seu trabalho iniciado há quase um ano.
Em dezembro do ano passado, alguns casos foram levados ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para a devida investigação. Hoje, da tribuna, Patrícia Saboya cobrou a prioridade determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no combate a crimes praticados contra crianças e adolescentes.
"Venho hoje publicamente cobrar o que já fizemos incansáveis vezes, pessoalmente. Não é possível que este país não escute o que estamos dizendo, não é possível que as autoridades não compreendam que a cada dia que deixamos de apurar esses crimes, mais e mais crianças acabam se perdendo na triste, solitária e cruel estrada que muitas vezes não tem caminho de volta", desabafou a senadora Patrícia Saboya.
Como ela própria admite, as estatísticas sobre estes casos são "frágeis". Entretanto, os poucos números disponíveis pela CPMI são aterradores. Entre 2000 e 2002 foram notificados 531 novos casos de aids em garotas de 13 a 19 anos e 372 em rapazes da mesma idade. Pela rede do Sistema Único de Saúde (SUS) foram realizados, entre 1993 e 2000, 5.500.769 partos em meninas de 10 a 19 anos.
Somente na fronteira entre Brasil, Uruguai e Argentina, existem 2.500 meninos e meninas submetidos à exploração sexual com fins comerciais. Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Após o seu pronunciamento, a senadora concedeu entrevista à Agência Brasil, na qual reconhece que muito pouco tem sido feito até momento para "combater esta chaga que envergonha a sociedade brasileira".
ABr – Senadora, já na reta final dos trabalhos da CPMI, qual o quadro do Brasil sobre a questão da prostituição de crianças e adolescentes?
Patrícia Saboya – Eu gostaria muito de dar uma resposta que não fosse a que vou dar. Eu gostaria hoje que o Brasil tivesse uma atuação muito mais forte e firme em relação ao combate a exploração sexual de crianças e adolescentes. Infelizmente muito pouco ainda está sendo feito nesta direção. A CPMI tem comprovado com a nossa participação e trabalho, viajando 14 estados, com diligências, audiências públicas, grupos temáticos que têm trabalhado em cima desta situação e o quadro tem tomado conta de todas as cidades, não importa o tamanho dessas cidades. Nós já viajamos pelas capitais, já fomos a cidades pequenas e, infelizmente, o retrato da
realidade deste país é que a exploração comercial hoje tem sido uma das formas talvez mais lucrativas para criminosos que agenciam nossas crianças e adolescentes. Portanto, o que temos visto nesse país é que há uma morosidade gigantesca da Justiça em investigar esses fatos, a não ser com algumas exceções. Eu costumo dar o exemplo, por considerá-lo o mais forte, de uma juíza de Porto Ferreira (Suely Alonso), no interior de São Paulo, que em parceria com o Ministério Público colocou 15 homens na cadeia com penas de 45 anos cada um. É isso que queremos para o resto do país. Essa CPMI não é para caça as bruxas, mas não podemos mais conviver nem aceitar a impunidade nesse país. Basta ! Até quando vamos conviver com isso? Essas crianças estão desaparecendo, estão indo embora do país, essas crianças falsificam documentos porque alguém está fazendo isso por elas. Muitas, sequer entendem no que estão metidas. É aí que começam as drogas, é aí que essas meninas se contaminam com o vírus da aids, engravidam. São nestes casos que entram pessoas que fazem abortos nestas crianças como encontramos no Mato Grosso: um bioquímico fazendo aborto nestas crianças, friamente, dentro de motéis e pedindo como pagamento sexo com essas meninas, grávidas de 4 ou 5 meses.
São monstros. Alguns que precisam ser tratados, outros que precisam ir para a cadeia.
ABr – A senhora conversou com autoridades e levou o problema ao presidente Lula e ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. O que tem sido feito pelo governo com relação as denúncias apresentadas pela CPMI?
Patrícia Saboya – O presidente Lula foi, talvez, o primeiro Chefe de Estado a dizer que este era um problema grave do Brasil e que o seu governo, sob a coordenação do ministro Márcio Thomaz Bastos, iria enfrentar a violência sexual. Foi com essa diretriz do presidente Lula que a CPMI ganhou força. Neste momento, nós conversávamos com a sociedade civil organizada, discutíamos a idéia de instalar a CPI. Quando veio a fala do presidente Lula, mesmo achando que teríamos muitas dificuldades, porque o ano passado votávamos as principais reformas do país, e que talvez a CPMI ficasse esvaziada, imediatamente conseguimos as assinaturas e instalamos a comissão. Encaminhamos em dezembro do ano passado denúncias ao ministro Thomaz Bastos, que imediatamente garantiu e se comprometeu em efetuar essas investigações. Infelizmente, até o dia de hoje, nós não temos a confirmação de que nenhum dos casos entregues ao Ministério da Justiça tenha uma resposta concreta e objetiva. Não a mim. Mas à sociedade, às crianças e a estas famílias.
ABr – A senhora acredita que a estrutura do governo tem condições de combater efetivamente a prostituição de crianças e adolescentes ou isso também deve partir de uma mobilização da sociedade?
Patrícia Saboya – Eu devo aqui ser muito honesta em relação ao presidente Lula. Eu vi nos olhos do presidente a indignação quando levei a ele fotos, em sites de internet, de meninos amarrados. Ele ficou completamente indignado com os casos que contei da CPMI. Imediatamente, eu tenho testemunhas disso, o presidente mandou providenciar o início das investigações. Como até hoje não pude obter respostas, eu cobrei publicamente do governo que se pronuncie em que pé estão as investigações destes casos. Será que estas investigações são tão sigilosas? Eu própria, como presidente da CPMI, tenho a responsabilidade de manter sob sigilo essas investigações porque tem crianças que estão expostas. Tem famílias que estão
sendo expostas. Essas crianças merecem de nós todo o respeito e proteção possíveis. Seus rostos não podem aparecer. Eu sou a primeira a pedir sigilo, mas será que elas (investigações da PF) são tão sigilosas a tal ponto que a presidente da comissão não possa saber o que está acontecendo? Disseram que os casos foram distribuídos e eu não tive respostas de nenhuma superintendência até hoje nos estados. Estamos, muitas vezes, fazendo o trabalho de polícia. Eu, pessoalmente, já fui a Foz do Iguaçu visitar prostíbulos com outros parlamentares porque não contamos com o apoio efetivo que deveria ser dado num assunto que é prioridade, não só pelo
pronunciamento do presidente Lula que já deveria ter recebido o respeito de seu governo para que investigasse mas porque está na Constituição. Criança é prioridade sim neste país. Mas não basta estar na Constituição, isso tem que estar no dia-a-dia porque cada caso que deixamos de investigar é outra menina que cai nesta rede. Lá na frente é muito mais difícil recuperar estas crianças porque além de estarem arrebentadas por dentro, acabam achando que este é o caminho mais fácil, acabam sem esperança e sem perspectiva. Aí vão para o morro para as favelas que o governo procura combater os criminosos que lá estão. Elas acabam tornando-se o braço forte destes criminosos porque ainda são crianças, são adolescentes.