Especial Ensino 4: Mercado de trabalho versus Mundo do trabalho

04/05/2004 - 8h58

Marina Domingos
Repórter da Agência Brasil

Brasília - Embora acredite na viabilidade da junção do ensino médio com o profissionalizante, o professor Célio da Cunha, assessor especial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), ressalta que na nova legislação, diante dos resultados do questionário respondido pelos alunos que prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), será importante a garantia de que o ensino médio continuará disponível, separadamente, para os alunos que assim desejarem.

A separação, ainda em vigor, foi "marcante e necessária", na opinião dele, na medida em que se baseou numa tendência apresentada por alguns países desenvolvidos: a de prolongar a escolaridade, "quando o ensino médio já podia utilizar uma feição de educação geral, adiando para a escola pós-secundária a formação profissional".

O professor alerta para a elaboração de um sistema de ensino flexível, que permita adequar as diversas realidades brasileiras à educação profissional. Cunha lembra as diretrizes da Unesco em relação às chamadas "Recomendações de Seul", resultado de um Congresso de Educação realizado em 1999 na Coréia do Sul e que enfatizou a educação profissional para todos.

Mudanças

"As formas de efetivar essa educação profissional para todos podem variar conforme o contexto. E devem variar, porque nós estamos num mundo extremamente cambiante, num mundo de mudanças: muitas vezes uma solução do interior do Amazonas ou do Nordeste não é a mesma que se pode aplicar em São Paulo", compara o professor.

Célio da Cunha cita como exemplo a demanda por cursos técnicos de nível superior, que cresceu nos últimos anos no interior e na capital do estado de São Paulo. E conta que a possibilidade de o aluno realizar um curso em nível universitário fez com que o ensino médio, mais generalista, dominasse as salas-de-aula no estado, adiando a entrada dos estudantes no mercado de trabalho.

Neste caso, os cursos gerais levam à busca pelo mundo do trabalho, um espaço diferente, onde o que vale é o conhecimento aprofundado dos temas e o domínio da cultura em geral. "Muitas vezes uma formação geral é fundamental para o mundo do trabalho. O conhecimento, dependendo de onde ele for aplicado, adquire várias conotações: ora como educação geral, ora como educação profissional", constata o especialista.

As fronteiras que separavam a educação geral daquilo que é mais técnico, e do mercado de trabalho, vêm sendo reduzidas. A prioridade é formar o estudante com uma sólida formação geral, que capacita o indivíduo para o "mercado de trabalho" em mudança e também possibilita ao mesmo trabalhador mudar de profissão no curso de sua vida, com possibilidade de se inserir a qualquer momento no "mundo do trabalho".

Regionalização

Nesse contexto, o desenvolvimento regional se torna o novo portal para o mundo do trabalho, que independe da lógica das cidades grandes, dos grandes empregos e postos de trabalho concorridos. Mas oferece oportunidades para os jovens que são especializados e foram preparados para atuar na demanda do contexto de cada região.

"O segredo do bom sistema educacional é exatamente o de ser flexível, em condições de ter oferta para atender os diversos tipos de clientela em termos de suas condições de vida, de disponibilidade, de vocações. Essa é a riqueza. Pode-se combinar um ensino médio com um currículo voltado para a educação geral e, neste currículo, serem introduzidos alguns componentes do mundo do trabalho", afirma Cunha.

Uma das preocupações levantadas pelos especialistas do MEC e da Unesco na área de ensino técnico profissionalizante é em relação à política de Ciência e Tecnologia que pode ser alcançada com o avanço da profissionalização na educação. "É fundamental dotar o país de uma capacidade técnica de nível médio", lembra o especialista.

Para Célio da Cunha, a riqueza educacional do século XXI poderá superar barreiras até mesmo para abrir caminhos às mudanças sociais em curso. Funcionaria como a base para a reestruturação produtiva, para as mudanças no plano da cidadania. "As novas demandas éticas que o mundo reclama, a questão da eqüidade e a da justiça social, é preciso preparar o estudante para enfrentar todas essas realidades e também prepará-lo para a tecnologia futura", completa.