Da Espanha, jornalista brasileira fala do dia seguinte à chacina dos trens

12/03/2004 - 11h19

Barcelona (Espanha) - A jornalista brasiliense Cynthia Garda atualmente reside em Barcelona. Ela escreveu à Agência Brasil sobre suas impressões em relação aos atentados terroristas em Madri. As bombas, colocadas em estações de trem, mataram pelo menos 190 pessoas e feriram cerca de 900. Até o momento, os autores do atentado não foram identificados.

"Saí do trabalho ao meio-dia. Saímos todos. Hoje fomos para a rua, ficar parados, em silêncio. Como Barcelona. Os carros pararam. Motoristas e passageiros deixaram os veículos, sem dizer uma palavra. Alguns fumaram. O maior funeral que já vi. Depois de alguns minutos de uma massa gigante de gente estática, não vendo sentido em correr ou falar, o movimento acabou sozinho. Todo mundo pensou. E o ar ficou triste.

Ontem não conseguia falar com meu primo em Madrid. Não conseguia falar com ninguém. Ele pega um trem em Atocha todos os dias, no horário em que as bombas estouraram. Mas tinha ido ao cemitério resolver problemas com a papelada do cadáver do meu avô, José Garda, a pedido da minha avó Gladys, que quer mudar o lugar onde está enterrado. Procurando um lugar melhor para o avô morto, não pegou o trem. Quando nos falamos, ouvi, pela primeira vez, um Alexis apavorado. Não é para fazer drama de folhetim, mas é que a morte chegou perto.

Hoje aqui não faz sentido trabalhar, embora não tenha jeito. Hoje não faz sentido comprar, não faz sentido ganhar nem planejar. Continua fazendo muito, todo o sentido, amar. É só o que vale. Daqui a algumas horas, vou para rua de novo. Desta vez, protesto ruidoso. Vamos todos.
Não tenho a idéia exata do que está acontecendo. Não sei se quem explodiu 200 pessoas ontem foi o Bush, o Aznar, o Bin Laden, o ETA ou Papai Noel. Mas sei que minha ignorância é sobre algo grande, e que diz respeito a todos que amo. Hoje, este país inteiro, como a minha avó, conhece a viuvez".