Brasília, 10/2/2004 (Agência Brasil - ABr) - O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse hoje ser radicalmente contra à adoção da súmula vinculante, mecanismo que obriga juízes de instâncias inferiores a seguirem decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre temas que já tenham jurisprudência consolidada. Em audiência pública sobre a reforma do Judiciário na comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Bastos afirmou que a súmula vinculante "instalaria a ditadura do Supremo no Brasil".
No entendimento do ministro, a medida, um dos principais pontos da proposta aprovada na Câmara e em tramitação no Senado, engessaria os juízes de instâncias inferiores, além de permitir que o STF tenha atribuição legislativa. "O Supremo fica com muito poder e é uma coisa que engessa um pouco a jurisprudência. A grande virtude, qualidade da jurisprudência, é exatamente a sua variedade, a sua mobilidade, a sua possibilidade de se transformar", observou Bastos.
Ele destacou que essa é uma posição não apenas pessoal, mas de governo. "Criar a possibilidade da súmula vinculante vai efetivamente matar nos tribunais brasileiros aquilo que eles têm de melhor, que é o frescor, a possibilidade da modificação, do pensamento lateral e criativo em relação às questões, que são mutáveis", reforçou o ministro.
Thomaz Bastos alertou para o fato de a súmula vinculante só ser passível de modificação ou por emenda constitucional ou por outra súmula vinculante, e não por lei. Ele citou um exemplo concreto para mostrar os efeitos negativos que o mecanismo poderá ocasionar.
"Se durante o Plano Collor o Supremo tivesse sumulado a sua posição, não teríamos a liberação das poupanças. O Plano teria sido engessado e teria sido cumprido, porque naquele momento o STF foi com uma posição em que houve uma hesitação. Os juízes de primeira instância foram liberando as poupanças e ganhando respeitabilidade", lembrou.
Como alternativa à súmula vinculante, o ministro defendeu a adoção da súmula impeditiva de recursos, medida que considera "razoável". Esse mecanismo permite que o juiz de primeira instância discorde da decisão do STF. Assim, o processo é analisado por instância superior, que julga se o caso fica de acordo com a decisão do STF ou com o do juiz de primeira instância. "A súmula impeditiva de recursos pode constituir-se na causadora dos mesmos efeitos sem os inconvenientes da súmula vinculante", acredita Bastos.
Na avaliação do ministro, por enquanto o Senado deve votar apenas os pontos consensuais da reforma do Judiciário. Os que são alvo de divergência, como a súmula vinculante, deveriam ser discutidos num segundo momento. De acordo com Thomaz Bastos, os pontos em torno dos quais há consenso são a federalização dos crimes contra os direitos humanos, a unificação para o ingresso nas carreiras do poder Judiciário e do Ministério Público, a quarentena (proibição de atuação do juiz aposentado como advogado no tribunal de que foi membro) e a autonomia das defensorias públicas.
Bastos disse acreditar que também haja consenso sobre a criação dos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público, proposta que já foi criticada pelo presidente do STF, Maurício Corrêa. "Todas as pessoas, mesmo quando divergem de uma forma sobre a composição, ou sobre uma coisa ou outra, são a favor do princípio do controle externo. Como esse controle já está há muito tempo no Congresso Nacional e isso vem sendo debatido desde a Constituinte, acredito que se deva votar agora", explicou, enfatizando que a necessidade da criação de um órgão de controle externo do Judiciário é questão fechada para o governo.
Pela proposta já aprovada na Câmara dos Deputados, os dois conselhos teriam a função de fiscalizar as partes administrativa e financeira e casos de desvio de função. O Conselho Nacional de Justiça seria formado por nove magistrados, dois representantes do Ministério Público, dois advogados nomeados pela Ordem dos Advogados do Brasil e dois representantes da sociedade civil, um indicado pela Câmara e outro, pelo Senado. O Conselho Nacional do Ministério Público teria composição semelhante, só que com nove representantes do Ministério Público e dois magistrados, além dos demais membros.
Thomaz Bastos destacou que não existe mágica ou tiro de canhão para mudar o Judiciário brasileiro. Além da reforma constitucional, é preciso modificar a legislação processual penal e civil, além de modernizar a gestão do Judiciário, no entendimento do ministro. "Vamos fazer um esforço de racionalizar o número e o uso de recursos e vamos mandar um projeto neste sentido ao Congresso. Já temos um projeto de execução judicial pronto, um de execução extrajudicial em fase de conclusão e um sobre a mediação, que é também importante porque evita o andamento de muitos projetos, também pronto", informou.
Sobre a modernização da gestão, Bastos explicou que um dos objetivos é chegar ao ideal da Justiça sem papel, "de modo de modo que o Judiciário e os procedimentos judiciais possam fluir sem os pontos de estrangulamento e sem os gargalos que fazem os processos demorarem tanto". O ministro ressaltou ainda que um poder Judiciário rápido, democratizado e acessível à população é prioridade nacional, conforme determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.