Brasília, 9/2/2004 (Agência Brasil - ABr) - A comunidade científica especializada em grandes carnívoros, como canídeos e felídeos se reúne agora à noite, em Brasília, no Simpósio de Carnívoros Neo-Tropicais, para avaliar as estratégias de conservação dessas espécies e os ecossistemas onde vivem. O simpósio é paralelo ao Congresso Brasileiro de Zoologia, que vai até 6ª feira (13), na UnB.
A pauta será o Plano de Ação para Carnívoros, que será publicado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ainda este mês. O documento é fruto de outro encontro de especialistas, o Workshop de Pesquisa e Conservação de Carnívoros Neotropicais, realizado em maio último, em Atibaia (SP).
Os pesquisadores poderão apresentar sugestões ao documento. Segundo o veterinário Ronaldo Morato, que apresentará o resumo do plano de ação, uma das principais conclusões do evento de Atibaia é a necessidade do redirecionamento das pesquisas. Há superposição de temas e lacunas. "Descobrimos, por exemplo, que há 70 artigos publicados sobre a dieta do lobo-guará", observa Morato, que é pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa para Conservação dos Predadores Naturais (Cenap), do Ibama.
A constatação específica sobre o caso do lobo-guará não se trata de exagero, na avaliação de Morato, mas demonstra que a comunidade científica pode estar concentrado muito esforço em determinadas áreas e deixando outras de lado. "A explicação para este caso é que o estudo de dietas de animais é feito baseado nas fezes. É mais barato e mais fácil do que em outros estudos, onde é praticamente obrigatório capturar o animal ou fotografá-lo, monitorá-lo", afirma.
Os estudos sobre grandes carnívoros, ensina Morato, são mais importantes para a conservação do ecossistema onde os animais estão inseridos do que para conhecer a espécie em si. "Devemos saber tudo sobre esses animais porque a partir deles traçamos estratégias de conservação do ecossistema", conta. Das 26 espécies de carnívoros que ocorrem no Brasil, nove fazem parte da Nova Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, publicada pelo ministério do Meio Ambiente (MMA), no dia 27 de maio de 2003, em comemoração ao Dia Internacional da Diversidade Biológica.
A lista foi elaborada numa parceria do Ibama com a Fundação Biodiversitas e a Sociedade Brasileira de Zoologia. Estão relacionados, da ordem Carnivora, os canídeos (Canidae): lobo-guará e cachorro vinagre; os felídeos (Felidae): onça-parda, onça-pintada, jaguatirica, gato-maracajá, gato-do-mato e gato-palheiro; e a ariranha, que é da família dos mustelídeos (Mustelidade).
É difícil pesquisar grandes carnívoros, constata Morato. O maior entrave está no fato de ocuparem regiões muito extensas, em geral andam até 50 quilômetros e, além disso, são grupos de baixa densidade populacional. O perigo de extinção, avalia o pesquisador, tem como principal causa a devastação dos ecossistemas, seguida de outros fatores, como a caça praticada por pecuaristas que têm seus rebanhos ameaçados por predadores como a onça-pintada e o comércio de peles, este em menor escala. "A devastação e agricultura, em geral, são fatores associados. Desmata-se para fazer pasto e, com isso, o ambiente dos carnívoros diminui, bem como o número de presas que atacam. Conseqüentemente, esses animais atacarão o gado, por falta de comida", observa. A principal dieta de uma onça-pintada são animais como capivara, queixada e cateto.
Uma das constatações a ser registrada no Plano de Ação para carnívoros do Ibama é sobre a falta de conhecimento da comunidade científica sobre a genética populacional. Em outras palavras, esse tipo de dado ajudaria os pesquisadores a entender, por exemplo, qual a ligação da população de felídeos da Mata Atlântica com os da Amazônia, estabelecendo assim uma estratégia para construção de corredores ecológicos. "Como a Mata Atlântica é um ecossistema muito ameaçado, um corredor ecológico poderia ser uma estratégia de conservação para os carnívoros desse ecossistema. Mas precisamos, antes de tudo, saber se a alternativa é viável e isso só se sabe com pesquisa", constata Morato.
Linhas de Ação
O Cenap está sediado em Atibaia, a cerca de 80 quilômetros de São Paulo e desenvolve atividades científicas com vistas ao conhecimento dos grandes predadores do Novo Mundo que vivem nos trópicos, por isso o termo neo-tropicais. Além disso, trabalha como manejo de carnívoros em cativeiro, para orientar veterinários e biólogos de zoológicos a desenvolverem estratégias de reprodução, por exemplo.
Uma atividade recente é a criação de uma rede nacional de atendimento a casos de predação por carnívoros silvestres. Já foram realizados três cursos, em Recife, com técnicos do Nordeste; em Sorocaba (SP) e em São Roque de Minas, com técnicos do Sudeste, para repassar técnicas de como evitar o ataque de felídeos a rebanhos e o produtor evitar, assim, prejuízos econômicos. Com isso, diminui-se também a pressão sobre esses carnívoros já ameaçados de extinção. A programação para este ano é a realização de curso igual na região Centro-Oeste, no Parque Nacional das Emas e, posteriormente, na região Norte. Participam das aulas policiais florestais, técnicos do Ibama e de organizações não-governamentais, que depois atuam como multiplicadores das técnicas.