Brasília, 9/2/2004 (Agência Brasil - ABr) - Seis quilombolas mato-grossenses sofreram discriminação racial pela proprietária de uma pousada na Asa Sul, em Brasília, ao tentarem se hospedar no local, no final da semana passada. Acompanhados da professora da rede municipal de ensino de Vila Bela (MT), Adrie El Kadri, os descendentes de escravos registraram queixa na 1ª Delegacia de Polícia. De acordo com o boletim de ocorrência, Fátima de Almeida teria se recusado a hospedá-los "porque iriam sujar os lençóis".
O grupo chegou a Brasília na quinta-feira (5), por volta das 19 horas, e se hospedou em dois quartos da pousada. Quando a proprietária chegou, alegou que a recepcionista teria se enganado e que os quartos estavam reservados. Segundo o quilombola Márcio Virgílio de Sousa Santos, integrante da associação Acorebela, ao pedirem para ficar apenas uma noite, ouviram que não poderiam, porque iriam sujar os lençóis.
Santos disse que essa foi a primeira vez que sofreu esse tipo de discriminação. "É difícil você sair de tão longe e ser tão mal recebido", comentou. Segundo ele, Vila Bela é um município em que cerca de 80% dos moradores é descendente de negros. "Eu espero que sirva de exemplo para que não aconteça mais, porque há muitas comunidades como a nossa por todo o país. Isso é um tipo de coisa que não pode existir na sociedade".
Essa é a primeira vez que esse grupo de quilombolas vem a Brasília. Eles vieram conversar com representantes do governo federal sobre a situação da comunidade de cerca de três mil pessoas que vivem em Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso, na divisa com a Bolívia.
Pela versão da filha da proprietária, Fernanda Almeida, que presenciou a situação, os hóspedes não quiseram ficar em outros dois quartos oferecidos, porque não gostaram. "Já houve pessoas que se hospedaram aqui muito mais escuras que eles", contou Fernanda. Com a constante chuva na cidade, Fernanda disse que sua mãe ficou preocupada que os lençóis não secassem à tempo de receber os outros hóspedes.
A ocorrência só foi registrada na sexta-feira, após os quilombolas terem se encontrado com a gerente de projetos para quilombos, Jacy Proença, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Apesar de a denúncia ter sido feita antes do suposto crime completar 24 horas, a delegacia não efetuou o flagrante. Esse tipo de crime é considerado inafiançável e a pena pode chegar a quatro anos de prisão. De acordo com o assessor jurídico da secretaria, Douglas Martins, cabe também uma ação de indenização contra a proprietária da pousada.
A ministra de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, disse que vai acompanhar o caso e pedir agilidade na apuração. "Nós sabemos que o racismo e a discriminação são praticados em atos cotidianos. Justamente por isso é necessário rigor e severidade na apuração dos fatos. É inconcebível que, em pleno século XXI, as pessoas sejam impedidas de permanecer num estabelecimento sem maiores explicações", afirmou Matilde Ribeiro.
Amanhã, a ministra se reunirá com o diretor da Polícia Civil do Distrito Federal para conversar sobre o assunto. A Secretaria de Direitos Humanos também foi informada sobre o caso e a Presidência da República será informada.