Por Márcia Detoni
Enviada Especial
Mumbai (Índia) – O Brasil tem muito a ensinar ao mundo em desenvolvimento, afirma o pesquisador indiano Tamo Chattopadhay, da Universidade de Columbia (EUA), que estuda os projetos educacionais brasileiros há cinco anos. Segundo ele, o país só não é mais ouvido no exterior por causa da barreira linguística. "A maior parte da troca de idéias no mundo ocorre via Nova York, Genebra e Washington", lamenta. Na opinião de Chattopadhay, apesar de todas as suas limitações, o Brasil está implementando alguns dos projetos mais eficazes e criativos na educação de crianças e adolescentes de baixa renda. O indiano integra o Centro de Pesquisas e Políticas para a Infância, com sede no Rio, e é pesquisador convidado da PUC (RJ). Entusiasmado com a vitalidade do movimento social brasileiro e com iniciativas como o Bolsa Escola e o Conselho Tutelar, Chattopadhay organizou um workshop no 4º Fórum Social Mundial para promover o intercâmbio de idéias entre educadores brasileiros e indianos. Leia a seguir a entrevista que Chattopadhay deu à Agência Brasil em Mumbai, na Índia.
Agência Brasil – O que motivou o seu interesse pelo Brasil?
Tamo Chattopadhay - Em termos pessoais, o Brasil é a única sociedade onde eu me senti confortável não sendo branco, mais confortável do que na própria Índia. Profissionalmente, acho que o Brasil está implementando alguns dos programas mais fascinantes que podem oferecer uma solução de longo prazo a crianças e adolescentes de baixa renda, e essa é a única forma de romper o ciclo de pobreza. Há muitas coisas que a Índia ou outros países podem aprender com o que o Brasil está fazendo. Talvez, por causa da barreira do idioma, as iniciativas brasileiras na área de educação não são tão apreciadas nos países em desenvolvimento. Infelizmente, a maior parte da troca de idéias no mundo ocorre via Nova York, Genebra ou Washington.
Agência Brasil - O que, na sua opinião, o Brasil tem a ensinar ao mundo na área educacional?
Chattopadhay - Os brasileiros têm essa marcante história de resistência civil e de movimentos civis que se opuseram à ditadura. Isso é fantástico. Em segundo lugar, no período de abertura, o Brasil aprovou talvez a lei constitucional mais progressista sobre o direito das crianças. O número de crianças na escola aumentou nos últimos dez anos mesmo com pouco crescimento econômico. O Brasil é único país do mundo que deve cumprir as Metas do Milênio (firmadas na ONU) em termos de educação primária para todas as crianças até 2015. Isso foi possível graças a um compromisso assumido pelo país. Vocês têm o programa Bolsa Escola, que começou pequeno e conquistou alcance nacional. Vocês têm o Conselho Tutelar, um conceito impressionante. Vocês têm conselhos de direitos das crianças e adolescentes em cada Estado e cidade. E o que mais me fascina no Brasil é que grande parte da discussão sobre exclusão está enquadrada na linguagem dos direitos humanos e da dignidade e não sob a perspectiva de caridade, como ocorre na Índia. Isso é a coisa mais importante que o Brasil pode ensinar.
Agência Brasil - O número de crianças na escola tem aumentado no Brasil, mas a qualidade do ensino deixa a desejar. Temos também problemas com evasão escolar e repetência. Mesmo assim pode-se falar em avanços?
Chattopadhay - Certamente. O governo brasileiro e a sociedade civil estão tentando enfrentar os problemas dos dois lados: dando bolsas e assistência aos alunos carentes para que eles estudem e fazendo investimentos para melhoraria da qualidade do ensino. E o que está mais fundamentalmente correto na direção tomada pelo Brasil é o fato de o país não criar uma educação paralela. O Brasil está enriquecendo o ensino público para que responda a todas as necessidades. Em muitos países, em nome da educação para todos, estamos criando educação barata de segunda classe para as crianças pobres.
Agência Brasil – O presidente Lula inicia uma visita a Índia esta semana. O sr. vê possibilidades de parcerias significativas entre os dois países?
Chattopadhay - Os dois países são grandes, têm uma diversidade populacional, uma classe média significativa e conhecimento e experiência para enfrentar os próprios problemas. Brasil e Índia podem conversar mais. Não precisamos de especialistas do Banco Mundial ou do Unicef, que nunca cresceram no meio da pobreza e nunca estiveram na Índia, vindo nos dizer, como consultores, como deveríamos nos desenvolver. As pessoas que encontrei no Brasil trabalhando com crianças são os maiores especialistas que já conheci. Elas não precisam de lições e conselhos dos outros. Justamente por termos problemas quase similares em termos de pobreza e renda e de contraste entre ricos e pobres há coisas que podemos compartilhar. Brasil e Índia têm os seus próprios interesses. Mas em questões sociais há uma grande oportunidade de trabalho conjunto. Há muita troca ocorrendo na área de biotecnologia e informática nas universidades. Mas o que eu gostaria de ver é uma troca maior troca na área de educação para a população carente, porque poucos na Índia e no Brasil têm acesso à universidade.
Agência Brasil – Brasileiros que participam do 4º Fórum Social Mundial ficaram chocados com a pobreza na Índia. Como o sr. analisa o problema da exclusão social nos dois países?
Chattopadhay - A renda per capita no Brasil é 10 vezes mais alta que na Índia. O Brasil tem um nível maior de riqueza e, talvez por isso, maior assistência social por parte do Estado. Mesmo as escolas públicas ruins, no Brasil, têm água encanada e eletricidade. Se você estiver abaixo de um determinado nível de pobreza, como acontece na Índia, não há como crescer sozinho. É preciso ajuda. No Brasil, as pessoas nas favelas estão mais perto de ultrapassar esse limite do que os indianos. Os brasileiros pobres não estão tendo grande qualidade de vida, mas estão mais próximos de sair da pobreza em uma geração. Aqui estamos realmente muito abaixo do limite, por isso políticas públicas contra a pobreza são realmente necessárias. A Índia tem recursos, mas infelizmente eles têm sido usados na guerra contra nosso vizinho Paquistão. Isso é uma questão política.
Agência Brasil – A Índia pode combater a pobreza tendo um sistema de castas que considera 150 milhões de pessoas inferiores e não aceita a mobilidade social?
Chattopadhay – Não. Por isso há tantos dalits ou intocáveis (pessoas consideradas inferiores pelo sistema de casta hindu) aqui no FSM. Somos vítimas de nossa história. Conheço um grande número de pessoas da classe média que, se fossem conscientizadas, fariam todo o possível para melhorar as condições que as cercam. A classe média, desde a independência, diz que o problema é do governo e que ela cumpre o seu dever ao pagar impostos. A classe média precisa entender que faz parte do governo porque tem o poder eleitoral. Considero, no entanto, contra-produtivo vilanizar a classe média, como alguns movimentos na Índia estão fazendo. É preciso reinterpretar a religião na Índia e perceber que, na filosofia hindu, as pessoas fazem parte de um todo e que, nesse sentido, todos são iguais. A educação é fundamental para mudarmos isso.
Agência Brasil – A Índia destaca-se bastante nas áreas de biotecnologia, pesquisa espacial e informática. Alguns economistas chegam a dizer que o país se tornará uma grande potência nos próximos 20 anos. O sr. concorda com isso?
Chattopadhay - Se você pensar na Índia através desses setores, conquistamos muito progresso, mas temos um país de 1 bilhão de pessoas no qual 250 milhões estão passando muito bem. Mas não vamos medir nosso progresso pelo número de programas de softwares que possuímos. Vamos medi-lo pelo número de crianças que não vão à escola nem tem acesso à água potável.
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