Quarratulain Ain Tehmina
Repórter da IPS/Agência Envolverde

Mumbai, Índia - Santa Devi ganhou um novo nome, "encrenqueira", enquanto protestava. Ela tinha 73 anos na ocasião. "Em 2002, eu fui a Kolkata participar de uma manifestação contra decisão do governo de despejar os camelôs.Depois de ouvirem meus gritos de protesto, eles passaram a me chamar de "encrenqueira", disse Santa, com brilho nos olhos, agora com 75 anos.

"Eu disse a eles que protestava contra líderes inescrupulosos que estavam derrubando a proteção dos pobres. Eu disse que estava criando caso, sim, para mandar para longe a opressão e a injustiça", acrescentou Santa, com um largo sorriso que iluminou o rosto marcado pelas rugas, deixando à mostra a falta de dentes.

Havia algo de especial nessa mulher de corpo franzino enrolado num sari branco, enquanto avançava lentamente no meio da multidão que atende ao Fórum.

"Eu nasci em Burma (antiga Birmânia) em 1919 onde meu pai tinha um restaurante. Meus pais se mudaram para o Nepal. Meu pai se casou de novo após a morte de minha mãe e logo me empurrou para um casamento também. Eu só estudei até o quarto ano primário".

O marido de Santa, um leiteiro, a levou para Dehradun, capital de um dos estados indianos. Viciado em jogo, ele acabou sendo preso, deixando Santa grávida do oitavo filho."Eu comecei a costurar vestidos, a tricotar suéteres e a dar aulas para crianças pequenas. Eu precisava alimentar meus filhos."

Ela se mudou para Delhi depois da morte do marido em 1962. Em 1979, arrumou emprego numa organização não-governamental de ajuda a mulheres e crianças faveladas. Na ocasião, ela já tinha terminado o segundo grau. Começou na ONG como professora, foi coordenadora de programa e agora faz campanhas de mobilização pelos direitos dos cidadãos.

Santa foi trazida para o Fórum em Mumbai por um organização que coordena organizações de trabalhadores da construção civil."Eu sempre protestei contra o Banco Mundial, privatização, Organização Mundial do Comércio...Eu tenho visto fábricas sendo fechadas em Delhi e milhares de pessoas sendo desempregadas, e seus filhos passando fome."

"Eu sei sobre seminários em Hyderabad e Bangalore. Eu sei que milhares de pessoas pobres atendem a esses encontros, mas sei também que a sorte delas não muda. Isso porque os países grandes não querem melhorar a situação dos países pobres."

O rosto pequeno de Santa, emoldurado por mechas de cabelos grisalhos, torna-se sério : "as Nações Unidas, a América e nossos governos estão todos enganando o público, estão só buscando seus próprios interesses."

Agora que milhares de pessoas pobres se reuniram aqui para o Fórum Social Mundial, como será que ela se sente? - "Essas pessoas estão aqui mas elas não estão tendo a chance de subirem no palanque, de serem ouvidas. Nós, os pobres, temos um único papel aqui. A gente pode ver e saber o que está acontecendo conosco. Eu não sei exatamente o que de bom isso pode trazer , mas, pelo menos, as pessoas podem ver o que as organizações estão fazendo", respondeu Santa.

"Além do mais, tudo está escrito em inglês e a maioria dos discursos são em inglês.Como é que um homem pobre pode entender tudo isso? Muitos não têm nem dinheiro para comer adequadamente. Eu acho que os organizadores deveriam ter providenciado refeições gratuitas para os pobres."

Como Santa se sente a respeito de toda essa movimentação ? - "Fora os problemas, está sendo divertido e uma experiência única para mim. Eu tinha vindo antes a Mumbai, mas isso é diferente. Eu estou hospedada na casa de um senhora. Ela é portadora de deficiência e as condições de vida e de locomoção não são fáceis para ela", diz Santa. "Eu perguntei a ela porque ela se dava ao trabalho de estar aqui no Fórum e ela respondeu que ela precisava vir. Que ela queria ver o que estava acontecendo e que estava feliz por estar no meio de tanta atividade."

Santa, a velha encrenqueira, está também, obviamente, se divertindo:"Nós todos queremos saber o que está acontecendo nessa feira gigantesca!"