Por Verena Glass e Maurício Hashizume
Repórteres da Agência Carta Maior
Mumbai, Índia - "Não fique em encruzilhadas. Atravesse a rua para o MR 2004". Essa foi a convocação que os militantes do Mumbai Resistance 2004, evento paralelo de organizações da esquerda radical asiática que fazem críticas ao Fórum Social Mundial, escreveram com tinta branca no asfalto que separa os dois encontros.
"Mas é preciso deixar bem claro que não somos contra o Fórum Social Mundial. Decidimos realizar o nosso encontro concomitantemente e em frente ao FSM porque acreditamos que é preciso unir forças contra o imperialismo. Isso não é novidade: nós já fizemos eventos paralelos em Porto Alegre", afirmou Arjhun Prasad Singh, secretário do All India Peoples Resistance Forum (AIPRF), uma das entidades que participaram da organização do MR 2004, cuja abertura, na manhã deste sábado (17), contou com cerca de 300 pessoas. Além de entidades da Índia, a organização do Mumbai Resistance teve a intensa participação da Liga Internacional da Luta do Povo - International League of People´s Struggle (ILPS) -, que reúne 218 organizações de 40 países (majoritariamente asiáticos).
É na escolha das formas de atuar contra a "globalização imperialista" que os promotores do MR 2004 divergem do Fórum Social Mundial. Segundo Singh, o movimento inaugurado em contraposição ao Fórum Econômico de Davos (Suíça) em janeiro de 2001 tem basicamente dois problemas. Os propositores do Mumbai Resistance diagnosticam "mais diversão do que luta" no caminho escolhido pelo FSM. "Aqui (no MR 2004), nós só temos forças de resistência que estão em combate contra o imperialismo, legal ou ilegalmente. Não existe uma agenda comum para superá-lo. Não basta a idéia de que ‘um outro mundo é possível‘, mas sim a construção do socialismo."
O segundo ponto de divergência mencionado pelo diretor da AIRPF é a origem do financiamento do encontro. "O FSM deixa claro o seu caráter ao aceitar dinheiro de Organizações não Governamentais internacionais de grande porte, dependentes de governos, de entidades multilaterais e de empresas, sediadas em países imperialistas. Nosso encontro foi organizado sem nenhum dinheiro de fora."
"Ao escolher esse caminho", advertiu Singh, "o Fórum pode só estar ajudando a dar uma face humana ao imperialismo". No entanto, Badruddin Umar, intelectual de Bangladesh que participou da mesa de abertura do evento, reconheceu, em seu discurso, o princípio antiimperialista do chamado "espírito de Seattle, Porto Alegre, Gênova e Cancún".
A participação, porém, de alguns movimentos armados como as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que são impedidos de participar do FSM porque desrespeitam a sua Carta de Princípios, não foi confirmada na programação distribuída na abertura do Mumbai Resistance 2004.
Neste domingo, seguem os debates para a definição do que os participantes do MR 2004 consideram "ações concretas contra a globalização imperialista e a guerra". Na próxima segunda-feira, o dia será reservado a atividades culturais engajadas, e na terça-feira (20), uma marcha dos participantes do Mumbai Resistance tomará o rumo da Embaixada dos EUA em Mumbai, para protestar contra a política do presidente George W. Bush.
Influências nos rumos do FSM
A organização de um evento paralelo ao FSM por um grupo de esquerda - mesmo que de um radicalismo próximo ao arcaísmo, como vem sendo considerado o MR -, acabou provocando um certo desconforto entre os organizadores do Fórum e os membros do seu Conselho Internacional (CI). Mesmo que a postura oposicionista do MR em relação ao FSM tenha sido amenizada por uma série de conversas prévias aos dois eventos, até este fim de semana havia na "cúpula" do Fórum uma certa ansiedade relativa às atitudes ou posicionamentos dos radicais em relação ao evento, misto de curiosidade e incerteza, como deixaram transparecer vários membros do CI.
A causa do desconforto criado pelo MR, ao contrário do que poderia se supor, não foi tanto o receio de algum tipo de manifestação massiva dos radicais contra o Fórum, mas sim o fato de que, apesar de ter se criado sobre as bases de um novo conceito de respeito às diversidades dos vários atores participantes, o FSM não teria logrado evitar o tradicional racha ideológico que há séculos tem dividido as esquerdas no mundo.
Esta avaliação acabou levando a organização camponesa internacional Via Campesina, uma das mais respeitadas entre os movimentos sociais no mundo todo e membro do Conselho Internacional do FSM, a recolher suas críticas ao MR e aceitar o convite para participar de uma atividade do evento paralelo. Segundo Geraldo Fontes, coordenador de relações internacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Via Campesina considerou fatal para o Fórum que um racha desses viesse turvar o processo de construção da proposta de unificação das mais variadas forças progressistas contra o "projeto neoliberal das grandes potências", assumindo para si a tarefa de fazer a ponte entre os dois eventos. "A Via Campesina era a única organização legitimada e respeitada pelos dois lados. Estamos fazendo a ponte e buscando a reaproximação através da nossa intervenção em ambos os eventos", afirmou Fontes. "Não podemos dar armas ao inimigo, ao permitir que o nosso projeto político fracasse de alguma forma", afirmou também o coordenador internacional da Via Campesina, Rafael Alegria.
Por outro lado, algumas das críticas feitas pelo MR são, de certa forma, compartilhadas pela rede de movimentos sociais que se criou no interior do FSM e que sempre cobrou uma politização maior do Fórum, algo que se concretizasse em ação política efetiva, como campanhas assumidas e encaminhadas como sendo do processo Fórum Social Mundial. Para Alegria, o MR teve um lado positivo ao confrontar o FSM, no sentido de reforçar a necessidade de se avançar para práticas mais efetivas dentro do Fórum. "Estaremos aprofundando este debate na próxima reunião do Conselho Internacional do FSM, que acontece agora nos dias 22 e 23. Acho que o surgimento do MR neste momento teve algo de muito positivo".