Povos asiáticos unem-se para lutar contra a exclusão social

17/01/2004 - 9h24

Por Marcel Gomes e Maurício Hashizume
Repórteres da Agência Carta Maior

Mumbai, Índia – Uma multidão de pessoas, batuques, línguas e mensagens políticas começou a mostrar, nesta sexta-feira, a cara do Fórum Social Mundial 2004. Na nação de bilhão de indianos, não foi difícil que todo o imenso complexo de Nesco Grounds, a fábrica desativada que se transforma no cérebro do movimento altermundista até o dia 21, ficasse lotado.

De todos os cantos do país vieram milhares de cidadãos protestar contra a exclusão social, a maioria ligado a grupos organizados da sociedade civil indiana. Dos dalits, conhecidos como "intocáveis", aos adivasis, os "indígenas da Índia" – dois grupos que são excluídos pelo sistema de castas. A eles, somaram-se paquistaneses, palestinos, japoneses, coreanos e outros povos asiáticos, além de ativistas europeus e ativistas vindos de toda América, que fizeram uma grande celebração carregada de conteúdo político.

Shows de grupos musicais, apresentações de danças e rituais folclóricos se misturaram com faixas, cartazes, bandeiras, panfletos e jornais de protesto. Freqüentemente, qualquer participante era abordado por um outro que cruzava seu caminho para dizer o que está fazendo em Mumbai e qual a causa por que luta, dando seu recado contra o imperialismo dos Estados Unidos, a repressão à mulher e aos homossexuais, o capitalismo e a guerra.

"Vamos tirar Bush da Casa Branca em dezembro deste ano!". Essa era a primeira frase da reportagem principal do jornal Derrote-Bush Network (www.ngotimes.net), que foi distribuído pelos coreanos no primeiro dia do FSM. Um dos participantes do movimento, o coreano YoungSu Won, é coordenador internacional do Instituto de Políticas e Estudos do Trabalho e membro do Poder para a Classe Trabalhadora, partido de orientação marxista criado há cinco anos no país. "Ainda somos um partido pequeno. Viemos a Mumbai porque temos um ideal e queremos crescer juntos com o Fórum Social Mundial", disse.

Em 2003, Won viajou a Porto Alegre para conhecer o FSM. Os integrantes da delegação oficial coreana eram poucos. Em Mumbai, são 300, favorecidos por uma proximidade geográfica e ideológica que os faz um dos maiores grupos do encontro.

Sem rivalidades

Vizinhos da Índia, os paquistaneses também marcaram presença neste primeiro dia. Com a vestimenta típica dos mulçumanos, o agricultor do Paquistão Javaid Iqbal desfiou seu Inglês para dizer que a agricultura extensiva, bancada pelas transnacionais, está prejudicando o meio ambiente em seu país.

Segundo Iqbal, que veio à Índia com outros três colegas, essa mudança de modelo foi reforçada nos últimos anos, dificultando ainda mais a vida dos pequenos agricultores. Plantador de arroz, ele participa de um grupo de defende a agricultura orgânica. Quando questionado sobre o conflito entre indianos e paquistaneses que ocorre na região da Caxemira, Iqbal corrigiu afirmou: "É um conflito de governos", diz ele. "As pessoas dos dois países convivem hoje sem problemas. Estamos sendo muito bem recebidos aqui em Mumbai, e tenho certeza de que se eles forem ao Paquistão, serão bem recebidos lá também".

A mesma opinião tem a veterinária indiana Sagari Randas, que veio da cidade de Hyderabad para acompanhar o FSM. Trabalha na ONG Anthra, uma entidade de sua cidade de origem ligada a uma organização maior e nacional, a Food Sovereignity Rights (Direitos da Soberania Alimentar). Sagari acompanhava com entusiasmo um dos grupos musicais que tocavam na festa de abertura do evento, a banda pop paquistanesa Junoon, conhecida pelas letras engajadas. "Eles fazem um grande sucesso na Índia. Nossos povos são unidos, os desentendimentos que existem se devem a nossos governos".

Esse mesmo engajamento político pôde ser visto também nos microcosmos deste primeiro dia do Fórum Social Mundial, como em uma improvisada performance de dança (expressão artística adorada por todos os indianos) de crianças. Durante a mesma apresentação do Junoon, duas garotas indianas, vestidas de chapéus com a sigla "WTO" (World Trade Organization, ou Organização Mundial do Comércio) e repletos de cifrões entre estrelas, pintadas com partes em azul e faixas vermelhas, em clara referência aos Estados Unidos - faziam caretas e distribuíam expressões rudes aos que as cercavam.

Ainda ao som da banda paquistanesa, as meninas tiraram os chapéus para trocar de expressão: os rostos deixaram o aspecto sombrio por um sorriso. A dupla passou, então, a dançar uma coreografia regional com vigor e contagiou os presentes.