O retorno das zoonoses

16/01/2004 - 16h49

O Retorno das Zoonoses (*)

Eloi S. Garcia (**)

Ciência e progresso estão geralmente associados a aspectos positivos da humanidade. Tal relação ideológica procura alinhar o que é bom para a humanidade e o que não é progresso. Por vezes, esse raciocínio está distante da realidade, principalmente, quando novas doenças aparecem ou emergem sem ter ainda uma compreensão científica. Vários casos já apareceram nas notícias rotineiras da mídia, como algumas infecções zoonóticas.

Zoonoses são consideradas as doenças de animais que passam ao ser humano, ou seja, a passagem de agentes infecciosos entre os animais e o homem. Especialistas acreditam que esteja aumentando o risco de novas viroses animais contaminarem o ser humano. Dezenas de novas doenças graves, transmitidas por animais, estarão sendo descobertas nos próximos 25 anos.

Nos últimos 25 anos 35 doenças zoonóticas têm sido descritas. A maioria delas detectadas na América Central e do Sul e em parte da África, e mais recentemente, observadas na Ásia. Não bastassem estes problemas, o uso indiscriminado dos antibióticos tem criado oportunidades para os micróbios adquirirem resistência e a vida hiper-higiênica dos países desenvolvidos podem aumentar asma e outras doenças auto-imunes.

A passagem de micróbios dos animais para o ser humano é conhecida desde tempos remotos. Inicialmente, os animais infectaram a espécie humana, a milhares de anos, quando foram domesticados e se formaram os primeiros pequenos aglomerados humanos. Há dois mil anos o ser humano começou a viver em grandes cidades e permutarem germes.

A ciência quer saber mais sobre a interface existente entre o homem e animais e como e porque certos microorganismos passam pelas barreiras das diferentes espécies animais para a espécie humana. Certas zoonoses causam doenças devastadoras. Um exemplo dessa história é o vírus HIV, que causa a Aids humana, ter sido possivelmente originado de macacos selvagens, passando para os seres humanos em poucas décadas.

Por outro lado, acredita-se que o coronavirus responsável pela Sars contaminou o homem através de gatos selvagens asiáticos. Recentemente, uma nova gripe asiática, possivelmente transmitida por aves, está virando uma pandemia e já causou mortes no Vietnã.

Doenças como a Sars, HIV e a gripe aviária provavelmente tornaram-se infecções zoonóticas por uma razão básica do processo evolutivo. Na realidade, os cientistas não ficaram surpresos com o aparecimento dessas doenças porque pensam ecologicamente. Estas viroses estão tentando se evoluir.

Vivemos em um planeta cheio de micróbios e temos que encontrar maneiras inteligentes de manusear o mundo em torno de nós. Quanto mais mudar a ecologia humana, mais estamos criando oportunidades para os micróbios e doenças evoluírem e espalharem pelo planeta. A vigilância sanitária humana e animal devem estar sempre em estado de alerta.

(*) Artigo disponibilizado pelo JC e-mail

(**) Eloi S. Garcia é ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pesquisador aposentado do Instituto Oswaldo Cruz e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).