Organização da Índia vai inspirar preparação de próximo FSM em Porto Alegre

16/01/2004 - 9h02

Bia Barbosa e Maurício Hashizume
Repórteres da Agência Carta Maior

Mumbai - "A Ásia está definitivamente no Fórum Social Mundial". A frase é do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, intelectual que nutre forte ligação com o FSM desde a sua criação e que minutos antes da abertura do evento se diz impressionado com o que vê na Índia. São lições que o processo de mundialização do Fórum, que pretende levar o slogan de "um outro mundo possível" para outros países, certamente aprenderá com os indianos. Após uma reunião do Comitê Internacional, onde o comitê local fez uma apresentação final da estrutura de funcionamento do encontro, a unanimidade era a de que a forma como a Índia organizou o Fórum deve inspirar Porto Alegre, que receberá o evento no ano que vem. A edição indiana do Fórum começa hoje e se encerra no dia 21.

"Os indianos se apropriaram de forma criativa de tudo o que ocorreu nos três primeiros Fóruns. Os materiais locais utilizados na construção das estruturas físicas do Nesco Grounds (centro de exposições onde acontecerão as atividades) e a maneira como o programa foi estruturado são muito interessantes", acredita Boaventura.

O destaque na programação do Fórum é o grande número de atividades chamadas de autogestionadas, ou seja, que não foram propostas pela comissão organizadora e são desenvolvidas com autonomia pelas entidades participantes. Ao todo, são mais de 1.200, propostas por 93 países. A Índia obviamente encabeça a lista, com o Brasil em segundo. O país inscreveu 109 oficinas no FSM.

"Aceitamos todas as inscrições solicitadas. E as entidades pediam espaços que reunissem uma grande quantidade de pessoas", conta Kamal Mitra Chenoy, do comitê indiano. Segundo os próprios participantes do Fórum, é nas atividades autogestionadas que os movimentos realmente se organizam e trocam experiências. Para Francisco Whitaker, da Comissão de Justiça e Paz da CNBB (Conferência Nacional de Bispos do Brasil) e membro do Comitê Internacional do FSM, a tendência é a de que essas atividades ocupem cada vez mais espaço na programação do evento. "Isso vai se repetir em Porto Alegre", garante.

Mais popular

Fortalecer a participação popular é outra lição da Índia para o Fórum. Aqui, a cultura de mobilização política é muito forte e há duas raízes de movimentos. Uma é a dos movimentos de massa, que vêm dos partidos tradicionais, sindicatos e movimentos de mulheres; outra é a dos movimentos populares, com características próximas ao dos sem-terra no Brasil. "Trata-se de saber como estes dois movimentos vão conseguir trabalhar juntos a partir deste Fórum", diz Cristophe Aguiton, da rede de movimentos sociais Focus on the Global South e também membro do Conselho Internacional.

Na Índia, o comitê organizador é formado por 190 organizações, reunindo as mais diferentes tendências, abrigando inclusive os dalits, povo pertencente à casta indiana mais inferior e vítimas da maior exclusão social do país. Trazer a problemática questão das castas que dividem a sociedade indiana não apenas para o Fórum, mas para o seio de seu comitê organizador, é um exemplo que tem sido aplaudido neste encontro.

"Estive no último Fórum Social Mundial de Porto Alegre, no Brasil, e tenho conhecimento que a maioria da população brasileira é negra ou parda. No entanto, a participação de brasileiros pertencentes a esses grupos era bastante pequena comparada à dos brancos", conta Ashok Bharti, da Conferência Nacional de Organizações Dalit (National Conference of Dalit Organisations), que reúne 200 entidades de grupos de intocáveis em toda Índia. "Nossa intenção no Fórum da Índia é, com a participação de 30 mil dalits que virão de todas as regiões do país, dar prioridade absoluta ao caráter social do encontro para nos diferenciarmos claramente do Fórum Econômico de Davos (na Suíça)", afirma.

Movimentos sociais e partidos políticos

O Fórum da Índia também avança quando propõe o debate da aproximação dos movimentos sociais com os partidos políticos, característica muito presente nas organizações de esquerda indianas. A população do país sede deste FSM acredita que políticos e militantes sociais podem ser parceiros e que esta união fará com que a agenda dos partidos seja pautada pelos movimentos sociais.

"No Brasil, a CUT e os sindicatos são independentes dos governos e partidos. Aqui vamos ver outra realidade, não necessariamente ruim. E isso gerará um debate", diz João Waccari, secretário nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores), que está trazendo o maior número de brasileiros para Mumbai. "Temos muito que aprender com os asiáticos. Eles têm 3.000 anos de história", diz Waccari.

Receber críticas e respondê-las com naturalidade tem sido outro ponto positivo deste Fórum. Nesta quinta-feira (15), Kamal Mitra Chenoy, um dos organizadores, declarou que o FSM acolheria com prazer os participantes do Mumbai Resistance, um fórum alternativo organizado em paralelo ao Social por um grupo descontente com a macro-estrutura do FSM. Entre outros pontos, eles condenam a ausência de uma política de maiores resultados no Fórum. "Adoraríamos responder às críticas, gostaríamos que eles viessem aqui. Um fórum alternativo é bom, mas nós os acolheríamos também", disse Chenoy.