Homologação da reserva Raposa Serra do Sol de forma contínua divide etnia Macuxi

15/01/2004 - 16h19

Beth Begonha
Repórter da Agência Brasil

Brasília - A homologação da área indígena Raposa Serra do Sol de forma contínua está dividindo os índios da etnia Macuxi. Dentro da área homologada pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, encontram-se dois municípios - Pacaraima e Uiramutã - onde vivem não apenas índios. Existem várias fazendas na região, algumas instaladas há várias décadas, nas quais planta-se arroz e trabalham muitos índios.

Os macuxi de Roraima são também agricultores e pecuaristas. A Raposa Serra do Sol está situada em área de cerrado. Ao contrário de outras reservas, que, dentro de mata fechada, possibilitam a sobrevivência do índio de maneira extrativista, eles precisam de projetos de agricultura e pecuária para promover o sustento de sua população.

O assunto foi discutido hoje no programa Amazônia Brasileira, da Rádio Nacional da Amazônia, que ouviu dois líderes indígenas que, embora sejam parentes, têm posições diferentes. O cacique Silvestre Leocádio da Silva, presidente da Sociedade de Defesa dos Índios do Estado de Roraima (Sodiur), defendeu a demarcação das terras de forma não-contínua, permitindo a permanência dos municípios e dos fazendeiros que já estão lá. O cacique Jacir de Souza, líder do Conselho Indígena de Roraima (CIR), entretanto, prefere a demarcação contínua e a retirada da reserva daqueles que não são índios.

Leocádio denunciou a presença de estrangeiros na reserva, insuflando os índios para exigir a homologação de forma contínua e disse que não vai aceitar essa situação. Segundo o cacique, eles tiraram todos os brasileiros da área. Leocádio lembrou que pessoas que ali moraram 100 anos foram expulsas. "E os estrangeiros continuam dentro da área, insuflando os indígenas". De acordo com Leocádio, chegou-se a um momento muito triste: já brigou garimpeiro com índio, fazendeiro com índio e agora é índio com índio".

O cacique manifestou preocupação com o sustento da população da reserva, já que, segundo ele, o governo federal não apresentou nenhum projeto para o desenvolvimento da agricultura e da pecuária. Ele criticou a Funai, dizendo que ainda não viu qualquer programação que dê ao índio acesso a novas tecnologias, nem projetos para que evolua, se desenvolva e se inclua na economia do estado e do país. "Eles querem tratar o índio como bicho: demarcar e deixar lá o índio privado", afirmou o cacique, de 53 anos.

Embora comente-se em Roraima que há desentendimentos de cunho religioso na questão, o cacique Leocádio nega, dizendo não existe ligação formal entre o Sodiur e grupos políticos ou religiosos. Ele já fez parte do CIR, do qual hoje discorda: "Eu saí porque não era o que o índio queria. Era o que a igreja católica queria". Leocádio é líder do grupo que seqüestrou três padres e sete estudantes, segundo ele, para chamar a atenção do país. O cacique informou que viajará a Brasília para se encontrar com o ministro Márcio Thomas Bastos e o presidente Lula. Ele informou que vai pedir um levantamento do número de índios na região e concluiu: "Quem deve mandar no Brasil são os brasileiros e quem deve mandar na área indígena são os índios!"

O líder do CIR, Jacir de Souza, por sua vez, disse à Rádio Amazônia que os índios da Raposa Serra do Sol (16 mil, segundo ele) precisam de toda a extensão da reserva porque não têm mais terra na fronteira com a Venezuela, nem com a Guiana. Jaci está agora chamando os parentes (os macuxi) para conversar: "Queremos que eles entendam a importância da terra pela qual lutamos. Agora, não-índio, como os fazendeiros, nós não concordamos com eles porque estão destruindo a nossa terra".

Sobre as cidades que estão dentro da reserva - uma delas, Uiramutã, tem inclusive um índio como vice-prefeito - Jacir afirmou que não é verdade: "Tem currutela. Não é cidade". De acordo com Jaci, o número de habitantes da reserva que não são índios seria inferior a 600.

Quanto a possíveis problemas com o sustento da população macuxi, que ficaria completamente isolada dentro da reserva, Jacir disse que será preciso conversar com as autoridades para que se faça um projeto de criação de peixes. "Nós já temos 27.000 cabeças de gado e outras criações e passaremos a vender a produção na capital, Boa Vista", informou.

Sobre a afirmação do cacique Silvestre de que os não-índios brasileiros estão sendo expulsos da reserva, enquanto estrangeiros entram e saem livremente, sem que nenhuma autoridade tome conhecimento do fato, Jacir ressaltou que concorda com os que apóiam a reserva contínua e disse que vai juntar forças com eles. "Nós queremos trabalhar com os brasileiros, desde que o governo federal autorize os estrangeiros na área, como eu vejo aí em Brasília, que tem mais de 150 embaixadas."

Jacir reclamou, porém, de um grupo de suíços, que, segundo ele, estaria comprando toda a terra em torno da reserva, com apoio do governo do estado. Ele não mencionou quais projetos estrangeiros estariam prontos para ser implementados na área, nem de que países seriam todos aqueles tratados como estrangeiros, ou a que organizações não governamentais pertencem.

O acesso à reserva está fechado. O grupo ligado ao Sodiur quer impedir a entrada de estrangeiros no município de Uiramutã.