Desafio do FSM é transformar discussões em ações concretas

15/01/2004 - 8h36

Por Verena Glass e Bia Babosa
Repórteres da Agência Carta Maior

Mumbai - Concebido primordialmente como espaço de encontro e debates de movimentos e organizações da sociedade civil, o Fórum Social Mundial (FSM), nesses seus três primeiros anos de existência, viveu um momento de um primeiro grande encontro entre os atores do hoje chamado movimento altermundista em 2001, evoluiu para a apresentação e discussão de alternativas à globalização neoliberal em 2002, e, em 2003, se propôs a buscar formas de implementação das propostas apresentadas pelos diversos movimentos para a construção de "um outro mundo".

Esse processo resultou, por um lado, em novas articulações e construção de redes de organizações que atuam em campos similares no mundo todo, bem como na mundialização do processo FSM, com realizações de Fóruns regionais e nacionais em todos os continentes e inúmeros países do mundo. Por outro lado, porém, a falta de respostas concretas, traduzidas em ações práticas visíveis, ainda é, segundo vários movimentos participantes, motivo de inquietação e questionamento em relação aos rumos que o FSM vem tomando e deve tomar no futuro.
Nesse sentido, as expectativas para o FSM 2004 são de mudanças, mesmo que ninguém ainda saiba ao certo quais e em que direção.

Segundo Sergio Haddad, diretor da Associação Brasileira de ONGs (Abong) e membro do Conselho Internacional (CI) do Fórum (responsável pelo encaminhamento estrutural do processo FSM), há uma grande cobrança de um posicionamento mais firme sobre ações políticas por parte do coletivo de organizações participantes do Fórum. "O grande desafio deste evento é como faremos para identificar as principais questões do movimento altermundista e avançar para ações políticas", diz Haddad. Para ele, isso poderá mudar a opção do CI de que o FSM não seja um "ator" político, mas apenas um espaço de debates. "Não sei como se dará a discussão dentro do CI, mas a tendência é que isso mude, que, a partir do processo de debates, passemos a tirar grandes ações políticas". O CI, composto por uma série de organizações e movimentos sociais do mundo todo, se encontra nesta quinta-feira para uma reunião preliminar, que terá continuidade nos dias 22 e 23, logo após o término do Fórum.

Para o sindicalista Gautam Mody, membro do comitê organizador indiano, de 2001 para cá o FSM passou gradativamente de um processo de debate "não-governamental" para um movimento político, característica que deve ser aprofundada este ano em função da realidade política dos movimentos indianos que organizam o evento. "Acima de tudo, estamos querendo resultados", diz Mody. Segundo ele, o Fórum da Índia se caracteriza fundamentalmente pela construção popular, que se traduz não só no número de movimentos que participam da organização do evento (cerca de 200, contra 8 do ex-comitê organizador brasileiro), mas também em atitudes pragmáticas, como a não-aceitação de financiamento de agências de cooperação internacional como a Fundação Ford, que bancou grande parte dos custos dos fóruns passados. "Praticamente autofinanciado pelos indianos, o FSM 2004 poderá apresentar problemas estruturais, mas é o melhor que nós pudemos fazer dentro da perspectiva de construirmos um movimento realmente de organizações sociais e populares", afirma Mody.

Estrutura

O local escolhido pelos indianos para receber o FSM 2004, uma antiga fábrica de turbinas fechada há 10 anos, também tem um pouco de simbólico, diz Mody. "Isso aqui foi um dos berços do capitalismo indiano, e hoje recebe o maior evento antiglobalização neoliberal do mundo". O local alugado pelo comitê organizador indiano se transformou num centro de exposições há poucos anos e é a primeira vez que será totalmente ocupado por um único evento. Ali, em cinco grandes auditórios, com capacidade média de 8.000 pessoas, o Fórum espera receber cerca de 100 mil ativistas. O número subiu nas últimas semanas e a organização registrava nesta quarta-feira (14), a dois dias do início do evento, 72 mil delegados inscritos.

As maiores delegações devem ser da Alemanha, França, Paquistão, Japão e Brasil, que já tem mais de 400 inscritos. Ao todo, a Índia receberá 2.660 organizações de 132 países. O número não assusta se comparado ao da última edição do Fórum realizada em Porto Alegre, em janeiro de 2003, quando a capital gaúcha também recebeu 100 mil participantes. Mas é alto por se tratar de um primeiro FSM na Ásia.

Outro aspecto do Fórum que também mudou nas últimas semanas foi o próprio local da realização do encontro. O ano começou sem que a comissão organizadora já pudesse trabalhar no Nesco Grounds, nome do centro de exposições. "Há uma semana, não havia nada aqui", conta a indiana Damayanti Bhattachaiya, membro do comitê que hoje corre para deixar tudo pronto para a abertura na próxima sexta-feira. "Tenho certeza de que amanhã muita coisa já estará resolvida", acredita.

Um dos desafios da equipe de cem voluntários que trabalha pela realização do Fórum é fazer com que a tradução das palestras e conferências chegue ao maior número de pessoas. Com um orçamento reduzido, faltou dinheiro para a contratação de tradutores profissionais, e somente 120 voluntários trabalharão nos seis dias do encontro. Eles devem oferecer traduções para dez idiomas diferentes, incluindo três línguas faladas na Índia. Em Paris, durante o Fórum Social Europeu, os tradutores chegavam ao número de 900.

Economia também foi feita com os fones de ouvido que recebem os sinais da tradução. Apenas 30 mil pessoas terão acesso a eles. O restante do público poderá se virar com radinhos FM que serão vendidos no local. As traduções serão transmitidas em cinco canais diferentes de rádio. Foi o jeito encontrado para garantir que a mobilização dos participantes não fosse prejudicada por problemas de comunicação.

Além dos recursos arrecadados com a inscrição dos participantes, o comitê organizador contou com apenas US$ 2 milhões para tornar realidade a quarta edição do evento, valor bastante inferior aos quase US$ 4 milhões gastos no ano passado em Porto Alegre. Nitidamente felizes, os indianos não descansam diante do trabalho que ainda têm pela frente antes do FSM começar. No centro de mídia, um galpão improvisado que deve se transformar no local de trabalho de mais de 2.000 jornalistas de todo o mundo que por aqui desembarcam em breve, a tarefa do dia era configurar e conectar à Internet 130 computadores. Na fila de detalhes a serem finalizados, a exibição de 85 curta-metragens e a instalação das 160 barracas de alimentação que funcionarão nos próximos dias. O Fórum Social Mundial se tornou um grande acontecimento global, e o trabalho de construí-lo é um preço prazeroso a ser pago por isso