São Paulo, 7/1/2004 (Agência Brasil - ABr) - A identificação de turistas norte-americanos ao entrarem no Brasil, sob a justificativa do princípio da reciprocidade, é defendida pelo professor de Direito Internacional Pedro Dalari, da Universidade de São Paulo. "Se os Estados Unidos conferem um determinado tratamento, obrigando a identificação através de fotos e impressões digitais de brasileiros, é justo que o mesmo ocorra com os americanos", comentou.
A decisão de identificar os turistas é do juiz federal Julier Sebastião da Silva, de Mato Grosso, que concedeu pedido de liminar numa ação cautelar promovida pelo procurador da República José Pedro Taques. O juiz defendeu sua decisão lembrando que "a mídia nacional tem noticiado uma série de humilhações e maus-tratos de que tem sido vítima uma grande quantidade de brasileiros que viajam aos Estados Unidos". E acrescentou: "Considero o ato em si absolutamente brutal, atentatório aos direitos humanos, violador da dignidade humana, xenófobo e digno dos piores horrores patrocinados pelos nazistas".
No dia 1º, a Polícia Federal de São Paulo começou a identificar os norte-americanos no aeroporto internacional de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Segundo a assessoria de imprensa da PF, cerca de 1.500 pessoas já foram fotografadas e, para agilizar o processo, desde domingo (4) está sendo colhida apenas a impressão digital do polegar direito.
Para o presidente da Associação Brasileira dos Agentes de Viagens (Abav), Tasso Gadzanis, a medida é "inócua" e vai prejudicar o trabalho que vem sendo realizado pelo setor com o objetivo de atrair mais turistas. "Isso tudo é pirotecnia. Primeiro por estarmos trabalhando todos nós – os agentes de viagens, o Ministério do Turismo, a Embratur – para que os turistas venham gastar seu dinheiro no Brasil. E de uma hora para outra, estamos tirando fotografia dos americanos como se fossem facínoras", afirmou.
O Anuário Estatístico da Embratur informa que em 2002 pelo menos 636 mil turistas norte-americanos visitaram o país. Desse total, em 44% dos casos o motivo da viagem foi o turismo e 26,08% vieram para tratar de negócios. A permanência média no país é de 12 dias, e o gasto por dia fica em torno de US$ 109,33. A cidade do Rio de Janeiro é a mais procurada, com a preferência de 60,15% dos turistas, e segundo a Abav, deverá ser visitada por cerca de 300 mil pessoas entre os meses de janeiro e fevereiro.
Íntegra
É a seguinte a íntegra da decisão do juiz Julier Sebastião da Silva:
"Trata-se de pedido de medida liminar formulado em sede de Ação Cautelar Inominada intentada pelo Ministério Público Federal em desfavor da União Federal, no intuito de que será determinada à Requerida que faça gestões junto às autoridades norte-americanas para excluir os brasileiros da obrigatoriedade de serem fotografados e de deixarem suas impressões digitais ao entrarem e deixarem os Estados Unidos da América – EUA, bem como que seja exigido dos nacionais norte-americanos, quando entrarem neste país, o mesmo que se está a exigir dos brasileiros que para lá se dirigem, tudo sob o funcionamento de que cabe ao Brasil zelar pela aplicação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da reciprocidade nas suas relações internacionais.
Decido,
Nos últimos tempos, tem a mídia nacional noticiado uma série de humilhações e maus-tratos de que tem sido vítima uma grande quantidade de brasileiros que viajam para os Estados Unidos da América. Inúmeras têm sido as dificuldades e percalços impostos aos brasileiros que visitam aquele país, principalmente após a consecução dos atos terroristas de 11 de setembro de 2001. Exige-se vistos de entrada, de permanência e, agora, até de trânsito. São feitas revistas em bagagens sem qualquer polidez, desrespeitados direitos mínimos contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, nacionais trancafiados em celas juntamente com criminosos americanos, deportações e expulsões ultrajantes etc.
Até o Ministro das Relações Exteriores do Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso foi submetido a tratamento humilhante em aeroporto dos Estados Unidos, tendo o atual Presidente da República Luiz Inácio Lula Silva criticado abertamente o ato, afirmando que, em seu governo, tamanho desatino não teria acolhida e seria repelido de imediato.
Mais recentemente, conforme os documentos de fls. 06/20, decidiu o governo dos EUA implantar novo sistema de segurança no país para os visitantes. Pela nova determinação, pessoas de vários nacionalidades, consideradas desde logo terroristas em potencial, deverão ser fotografadas e terão suas impressões digitais recolhidas pelas autoridades norte-americanas assim que aportem ou deixem o território daquele país. Obviamente, que os cidadãos europeus e de outros países ricos não serão objeto do ato ultrajante, o qual será reservado aos nacionais de países pobres da América Latina, África, Oriente Médio e Ásia. A data de início do novo procedimento será o dia 01 de janeiro de 2004 (em quatro dias).
Consigno que considero o ato em si absolutamente brutal, atentatório aos direitos humanos, violador da dignidade humana, xenófabo e digno dos piores horrores patrocinados pelos nazistas. Porém, dentro dos limites territoriais norte-americanos, está ao alvedrio daquele Estado regulamentar a forma de entrada de alienígenas no espaço reservado à sua soberania.
No entanto, na seara do direito internacional público, vige o chamado princípio da reciprocidade, garantidor de que o mesmo tratamento dado por um Estado à determinada questão também será concretizado por outro País afetado pela decisão do primeiro. Significa dizer que a relação internacional entre países não pode se realizar de forma desigual, principalmente em se tratando de princípios norteadores da dignidade da pessoa humana e de proteção e resguardo dos direitos humanos.
Dessa forma, não se pode admitir a omissão da União Federal no trato do problema gerado na entrada e saída de brasileiros dos Estados Unidos da América. A Constituição Federal, por seus artigos 1º, III; 3º, IV; e 4º II, impõe-lhe o dever de agir no caso no sentido de excluir os brasileiros do tratamento indigno à pessoa humana e violador dos tratados/convenções internacionais protetores dos direitos humanos.
De outro giro, enquanto perdurarem os atos norte-americanos discriminatórios quanto aos brasileiros, pelo princípio da reciprocidade, está autorizada a República Federativa do Brasil a impor aos cidadãos dos Estados Unidos as mesmas exigências que estão sendo materializadas aos nacionais aqui nascidos. Não há qualquer impedimento legal. Ao contrário a Magna Carta não compactua com a omissão das autoridades brasileiras nesse sentido, porquanto lhes confere o dever de agir nos exatos limites ditados pelo princípio da reciprocidade.
Sendo cristalina a plausibilidade do direito invocado, tenho que também o denominado "periculum in mora" faz-se presente. O período é de festas de fim de ano e de férias tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Existem turistas indo e vindo entre os dois países e apenas os brasileiros estarão submetidos, a partir do dia 01 de janeiro de 2004, do vexatório ato de entrada e saída dos Estados Unidos. Assim, devem as autoridades brasileiras agir imediatamente tanto para buscar excluir os brasileiros do âmbito da exigência norte-americana quanto impor aos cidadãos dos Estados Unidos que adentrem o território brasileiro o mesmo que se está a exigir dos tupiniquins.
De sua parte, tenho que a medida ora deferida não acarreta qualquer prejuízo ou transtorno à Requerida.
Dispositivo
Com efeito, defiro o pedido de concessão de medida liminar e determino à União Federal que faça gestões junto às autoridades norte-americanas para que os brasileiros sejam excluídos da exigência que passa a vigorar a partir do dia 01 de janeiro de 2004 para entrada e saída dos Estados Unidos da América.
Enquanto perdurar a restrição imposta pelas autoridades norte-americanas, determino à Requerida eu fotografe e recolha as impressões digitais dos nacionais dos Estados Unidos da América, nos portos, aeroportos e rodovias quando entrarem em território brasileiro, sob pena de ser-lhes negada a entrada devida.
Deverá a Requerida reportar do Juízo, no prazo de 10 dias, as providências tomadas para o cumprimento desta, restando, desde logo, fixada a multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a hipótese de inobservância do ora decidido.
Oficie-se, com urgência, ao Ministério de Relações Exteriores e ao Departamento da Polícia Federal para cumprimento imediato
Cite-se. Intimem-se.
Cuiabá, 28 de dezembro de 2003.
Julier Sebastião da Silva
Juiz Federal"