Mercosul vinha de uma fase faz-de-conta, diz Celso Amorim

24/12/2003 - 13h11

Brasília, 24/12/2003 (Agência Brasil - ABr) - O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em entrevista exclusiva à TV NBR,anunciou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá visitar a Índia e a China em 2004, à semelhança das viagens de negócios que o Presidente da República fez este ano a vários países. Ele disse que esse tipo de viagem não é de lazer, que elas são importantes para as políticas externa e econômica, porque aumentam as exportações brasileiras e atraem investimentos externos para o país.

Amorim afirmou que há melhores perspectivas de que o Brasil consiga vencer a luta pela eliminação dos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos, que têm emperrado as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), considerou que o Mercosul retomou seu papel - deixando uma fase "faz-de-conta" -, inclusive com acordos com novos membros associados, como Equador, Colômbia e Venezuela, o que está praticamente integrando quase toda a América do Sul. Salientou que as recentes viagens de Lula à África e ao Oriente Médio serviram para abrir novos mercados de negócios e investimentos.

Destacou, ainda, as boas relações entre Brasil e Argentina que, segundo ele, nunca foram tão produtivas, e até mesmo com os Estados Unidos. Ele informou que o Brasil se prepara para assumir por dois anos uma vaga de membro temporário do Conselho de Segurança da ONU e que continua reivindicando uma cadeira como membro permanente.

A seguir, os principais trechos da entrevista do Ministro Celso Amorim:

Agência BrasilEm 2003 a política externa brasileira esteve mais presente?

CELSO AMORIM – É difícil para nós próprios julgarmos o que estamos fazendo. Mas há uma pesquisa, onde se perguntou se o Governo atual tinha mais ou menos influência que o governo anterior na política internacional e 52% das pessoas responderam que o atual Governo tinha mais (influência) e somente 16% disseram que tinha menos. É uma resposta melhor do que a que eu poderia dar.

Agência BrasilO Brasil teve em 2003 duas frentes de atuação, uma delas relativa aos países africanos e também no Oriente Médio. Como está sendo tratado pelo Brasil essas duas frentes?

A diplomacia brasileira tem plena consciência da importância que tem os parceiros tradicionais com os quais estamos negociando, como os Estados Unidos, a Comunidade Européia, no contexto da Alca, no contexto do Mercosul, com a Europa. Agora, nós também queremos diversificar essas relações, primeiro, intensificando muito com a América do Sul. Eu acho que se eu pudesse singularizar o fato mais importante dos fatos concluídos este ano, eu citaria o acordo entre o Mercosul e a Comunidade Andina, que veio reforçar o acordo Mercosul-Peru, e que, portanto, consolida um espaço livre de comércio na América do Sul. Além disso, o presidente Lula tem procurado, às vezes vou eu, mas é muito mais importante quando vai ele, procurar diversificar essas relações. Nós criamos o G-3, que reúne Brasil, África do Sul e Índia, o Presidente está indo à Índia no próximo ano. Já foi à África do Sul, no contexto dessa viagem africana, em que ele esteve em alguns países de língua portuguesa, como Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, ele esteve também na Namíbia, e também os países árabes, parceiros importantíssimos potenciais do Brasil, entre outras razões porque o Brasil tem a maior colônia árabe fora dos países árabes, mas também porque são países que têm potencial de investimentos, outros são mercados importantes e são países centrais para a própria geopolítica mundial. Então eu acho que nós estamos saindo da casca, é uma coisa clara no Governo Lula.

Agência Brasil – Com relação aos países africanos, o presidente Lula tem o que oferecer. Já com relação aos países do Oriente Médio, o Brasil tem muito a ganhar. Esse contraponto equilibra a balança comercial brasileira?

Eu acho que a balança comercial brasileira é aspecto importante disso tudo. Agora, não pode só ver sob esse ângulo. Mesmo dentro de uma mesma região, os países são diferentes. Com a África do Sul nós temos uma relação mais ou menos equilibrada, em termos de nível de desenvolvimento. Já os outros países africanos são países bem menos desenvolvidos do que o Brasil, então precisam de ajuda do Brasil, independentemente de como está a balança comercial específica. No caso dos países árabes, temos uma variedade de países, eles não são iguais. O caso dos Emirados Árabes, país que o Presidente Lula visitou, a Arábia Saudita, que ele não visitou, porque não houve concordância de datas, mas que ele poderá visitar depois, que são países que podem servir de entreposto para venda para outros países, entreposto no melhor sentido da palavra, e também há outros países, como o Egito, que tem um nível de desenvolvimento parecido com o Brasil, ou outros abaixo, como Líbia e Síria. Há uma variedade de situação, de modo que é difícil você fazer uma esquematização muito marcada, mas é verdade que nos países árabes há mais oportunidades de investimentos no Brasil do que nos países africanos.

Agência BrasilO G-3 é o embrião para o G-20? Como está essa situação?
A expectativa do G-3, um grupo informal, já tínhamos discutido em nível de chanceleres, mas os presidentes (no caso da Índia, Primeiro-Ministro) já se encontraram na ONU. Isso contribuiu muito para criar um nível de confiança que torna o G-20 mais fácil. O G-3 é um grupo que tem uma amplitude maior. O G-20 tem um interesse restrito, que é a questão agrícola da OMC (Associação Mundial do Comércio). No dia 12 de dezembro, tivemos uma reunião importantíssima, com o Comissário Lamy (da Comunidade Européia), a mais importante desde a reunião de Cancún. Essa reunião apontou para uma solução no âmbito da OMC.

Agência Brasil A política agrícola está caminhando para novos rumos?

A política externa agrícola é um elemento fundamental, porque o Brasil é um país extremamente competitivo na área agrícola, e não faz sentido você continuar negociando, seja na Alca, seja na Comunidade Européia, seja na OMC, se você não obtiver concessões importantes na área agrícola, no caso da OMC principalmente, porque só com possibilidades reais de eliminação ou redução substancial de subsídios, em alguns casos de completa eliminação, é que conseguiremos nossos intentos. E a conversa com o Comissário Lamy, pela primeira vez nos apontou um sentido de que há possibilidade de eliminação de subsídios.

Como está o relacionamento Mercosul com a União Européia?

O presidente Lula disse que as coisas mais positivas, que maior atenção recebeu, foi a área externa e o Mercosul é essencial para isso. O Mercosul vinha de uma fase de faz-de-conta. Nós queríamos que o Mercosul continuasse, mas a cada dia aconteciam coisas que enfraqueciam o Mercosul, a tal ponto que um país do Mercosul negociou um acordo separado de livre comércio, e embora isso tenha sido autorizado, isso demonstra que o acordo do Mercosul estava se esgarçando. Isso foi resolvido, conseguimos reverter essa tendência, fortalecendo o Mercosul, mas reconhecendo as dificuldades existentes.

Agência Brasil Como estão as relações Brasil e Argentina?

CELSO AMORIM – Acho que as relações com a Argentina não poderiam estar melhores. Acabamos de convidar a Argentina para fazer parte da delegação brasileira no Conselho de Segurança da ONU. Isso demonstra o grau de confiança que existe entre nós. Problemas existem, e uma relação estreita sempre evidencia esses problemas, que devem ser solucionados de comum acordo.

As negociações em torno da Alca estão mais flexíveis?

Nossas relações estão mais equilibradas. O que estava acontecendo antes é que os temas que eram do nosso interesse, mas que não eram negociáveis para os países desenvolvidos que participam da Alca, como os Estados Unidos, estavam sendo descartados, colocados em segundo plano, não estavam atendendo aos nossos interesses. Não há nada sobre subsídios agrícolas, havia a questão de abuso de patentes na área social. Conseguimos equilibrar, essas questões saíram da Alca e foram para a OMC

Pergunta – E as relações com os Estados Unidos?Como estão nesse primeiro ano de Governo Lula?

CELSO AMORIM – Excelentes. O Presidente Lula teve uma reunião de quase três horas com o Presidente Bush, uma reunião como nunca houve na História, uma reunião da qual participaram os Chanceleres dos dois países e os dois Presidentes, apenas, uma reunião de gabinete, não apenas as reuniões formais que se faziam antes. As relações estão muito boas. O próprio Presidente Bush reconheceu que os dois países têm diferenças, mas que isso não impede a cooperação.