Márcia Detoni
Enviada especial
Genebra (Suíça) - A Cúpula Mundial da Sociedade da Informação em Genebra começa nesta quarta-feira com um revez para os países pobres, que reivindicavam a criação de um fundo de solidariedade digital para a popularização da internet e instalação de telecentros no Terceiro Mundo. O esboço da Carta de Princípios, a ser assinada pelos países
membros da ONU na sexta-feira, não prevê verbas para a inclusão digital.
O documento defende apenas a implementação de uma agenda de solidariedade que examine ações para promover o acesso generalizado ao computador. "São negociações bastante difíceis porque, dentro desse campo, há grandes interesses", explica a ministra Marilia Sardemberg Zelner Goncalves, diretora do Departamento de Temas Científicos e Tecnológicos do Itamaraty.
Ela participou, em Genebra, da última reunião preparatória da cúpula, dias 5 e 6 de dezembro. "Queira ou não, o mundo vai acabar se informatizando", observa a ministra, "e os países produtores de tecnologia vão ficar ainda mais ricos, enquanto os pobres terão de pagar pelo acesso aos benefícios da nova sociedade da informacão".
A representante brasileira mostrou-se, no entanto, satisfeita com o resultado inicial do debate sobre a sociedade da informação, que terá prosseguimento na Tunísia em 2005. "Foi incluído na Carta de Princípios que a governança da internet deve ser multilateral, transparente e democrática", comemora a ministra. Para ela, o enunciado representa um avanço político e permitirá ações concretas.
Atualmente, a rede mundial de computadores é gerenciada pela "Internet Corporation for Assigned Names and Numbers" (Icann), órgão semi-privado criado pelo governo norte-americano em 1998. O Icann supervisiona grandes domínios da rede como o "com" e o "net" e ajuda a estabelecer os padrões técnicos de operação da internet.
O Brasil e outros países de peso no mundo em desenvolvimento, como China, Índia e África do Sul, querem maior participação da ONU na regulamentação da Internet. Mas EUA, Japão - outros paises tecnologicamente poderosos - e as empresas de informatica se opõem à entrega do controle da Internet a um orgão da ONU. Eles temem que isso confira a governos e políticos um peso maior nas decisões envolvendo a internet, o que poderia prejudicar, segundo eles, o livre fluxo de informações.
Outro aspecto positivo da Carta de Princípios, segundo a ministra do Itamaraty, é o fato de as delegacoes terem reconhecido o computador como uma ferramenta para o desenvolvimento humano e não um negócio. Marília também considera importante o fato de a carta defender a proteção ao direito intelectual do material divulgado na Internet.
Uma das grande reivindicações das organizações não-governamentais foi, no entanto, ignorada: o "direito à comunicação". Os delegados concordaram apenas em reafirmar o "direito à informação". A Associacao Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) foi um dos grupos que fez forte lobby contra o reconhecimento do "direito à comunicação", que está na base das concessões de canais de rádio e TV comunitários.