Abu Dhabi (Beirute), 7/12/2003 (Agência Brasil - ABr) - Na terceira etapa da viagem ao Oriente Médio - Emirados Árabes -, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que será possível colher no curto prazo resultados práticos das conversas com o mundo árabe. Ressaltou que a viagem não tem objetivos estritamente comerciais. "Tem conteúdo político e cultural, também". Reforçou que será uma oportunidade, também, de fortalecer o G-20, grupo formado por países em desenvolvimento - criado na Conferência de Cancún, no México. Disse, ainda, que o mundo árabe complementa o círculo de países, com os quais o Brasil quer estreitar os laços. Estão entre eles os africanos, os asiáticos - Índia e China especialmente -, além dos países da América do Sul.
Lula salientou, em entrevista coletiva, que o Brasil não pode ficar esperando que as oportunidades apareçam. "Precisamos mostrar ao mundo as coisas boas que temos, e temos muitas coisas boas para mostrar, como a competência produtiva, no agronegócio, científica e tecnológica", comentou. Alertou, no entanto, que apesar de fomentar as negociações com os países em desenvolvimento, o Brasil não pode prescindir das relações que mantêm com países ricos, como Estados Unidos e da União Européia (UE).
O Presidente disse que o Brasil tem interesse em manter uma base comercial no Iraque. Lembrou que o setor de engenharia nacional desponta como grande força para conquistar espaço naquele território ocupado no momento pelos Estados Unidos. Observou, ainda, que a situação no Iraque deve ser conduzida pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Íntegra da entrevista coletiva concedida hoje pelo presidente Lula no hotel Intercontinetal em Abu Dhabi.
Antes de responder às perguntas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um breve relato as jornalistas.
Estamos hoje no meio da nossa viagem e vocês devem ter percebido que é uma viagem em que estamos com uma decisão firme de fazer com que o país amplie sua margem de negócios com o mundo árabe. Obviamente que a viagem não é so de negócios porque ela tem também um conteúdo político, e cultural. Queremos uma reaproximação muito forte com o mundo árabe para tirar proveito do potencial que o Brasil tem para oferecer e, ao mesmo tempo, do que tem para receber.
Temos três possibilidades enormes no nosso país. A do crescimento das nossas exportações e a do crescimento interno e decidimos não ficar esperando as coisas acontecerem. Resolvemos fazer as coisas concomitantemente. Você tem que incentivar o crescimento interno, reduzir a taxa de juros e, ao mesmo tempo, ter uma política agressiva de comercio internacional por que nessa área a ousadia e a competência valem muito. Vocês sabem que o mundo está demarcado pelos grandes blocos econômicos que se formaram e o Brasil não pode ficar de fora.
O Brasil tem um papel potencial extraordinário, pode exercer papel fundamental no fortalecimento do Mercosul, no fortalecimento da América do Sul e no fortalecimento dos países que tem as mesmas condições nossas. Por isso que fizemos as viagens a África, por isso que fizemos as reuniões com todos os países da América do Sul, por isso criamos o G-3 entre Brasil, África e índia e é por isso que estamos interessados em aprofundar nossas relações com o mundo árabe, com a China e com a Rússia.
Entendemos que fazendo isso o Brasil estará em condiçòes de acumular um conjunto de atores políticos para obter a força necessária e fazer com que o comércio mundial seja mais equilibrado, de fazer com que as barreiras muitas vezes impostas por tarifas dos países ricos para os países menos desenvolvimento sejam mudadas e que tenhamos, junto com nossos ministros Furlan, Celso Amorim e Roberto Rodrigues, mais condições de, chegando na OMC, termos forças para fazer valer senão a totalidade dos nossos interesses, mas parte dos nossos interesses que o Brasil tem de fazer seu comércio internacional crescer e crescer muito. Essa viagem é histórica. Em todos os países que estamos visitando é a primeira vez em que é recebido um presidente da República do Brasil.
A minha presença é para dizer aos nossos irmãos árabes que a relação que queremos ter com eles, o encontro que queremos fazer no próximo ano entre os países árabes e a América do Sul é para valer. É uma coisa muito séria que pode resultar no crescimento das nossas relações, do nosso comércio e das nossas atividades culturais e políticas. Junto com essa viagem nos certamente estaremos fortalecendo o G-20 que foi criado em Cancun, e que teremos uma reunião de ministros no próximo dia 12 no Brasil, e, daqui para frente, e o Brasil continuará e, quem sabe, até será um pouco mais agressivo na sua política internacional.
Chegamos à conclusão que todo mundo deve ter chegado: não podemos ficar esperando que as oportunidades se apresentem ao Brasil. O Brasil precisa se apresentar ao mundo mostrando as coisas boas que temos, e temos muitas coisas boas a mostrar na nossa competência produtiva, na nossa competência no agronegócio. Sobretudo na questão cientifica e tecnológica nós podemos ajudar muito os países que estamos visitando. E, ao mesmo tempo, o Brasil pode ser ajudado por esses países. Essa troca de idéia e de conhecimento é muito importante e necessária para que o país entre definitivamente no cenário político internacional, no cenário do comércio internacional, como um ator principal, e não como um coadjuvante que fica apenas atrás das sobras, daquilo que os outros não quiseram.
Portanto, é esse o sentido da viagem que estamos fazendo e quero dizer a vocês que até agora me sinto realizado, embora tenhamos trabalhado muito, Na verdade, viemos aqui para isso, e haveremos de colher, no curtíssimo prazo, as coisas que estamos plantando no mundo árabe.
Folha de S. Paulo - Qual a importância da presença de Eduardo Duhalde na delegação e a posição do sr. em relação aos conflitos árabes-israelenses?
Luiz Inácio Lula da Silva - Com relação ao ex-presidente Duhalde, estamos apenas reconhecendo uma instituição que nos mesmos criamos, que é uma comissão de representante do Mercosul, da qual o ex-presidente é cordenador, indicado por nós em reuniao feita no Paraguai. Estamos aqui falando do Brasil mas, ao mesmo tempo, falando do Mercosul, da integração da América do Sul, e, sobretudo, dos projetos que temos de integração física, de infra-estrutura, da América do Sul. Então, é muito importante a presença do ex-presidente Duhalde e acho que isso deve ser uma espécie de normativa nas ações que o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai têm que fazer daqui para a frente. Sempre que um presidente viajar, levar um representante dos coordenadores do Mercosul para que possa falar em nome dos outros países que compõem o bloco.
Com relação aos conflitos do mundo árabe, o Brasil tem uma posiçao clara há muito tempo. O Brasil, como poucos paises do mundo, tem se empenhado para que haja uma política de paz no Oriente Médio. Vamos continuar trabalhando nisso, vamos continuar reivindicando o fortalecimento das instituições multilaterais, vamos continuar reivindicando as mudanças necessárias na ONU para que ela possa ser mais representativa e para que possa ter mais vez e mais voz nas suas decisões. E continuaremos trabalhando para que o mundo árabe viva na maior tranqüilidade e na maior paz possível.
Isso, acho que é um desejo de todo o povo brasileiro, de todos os países democráticos, e nós sabemos que é difícil mas não é impossível. Vamos continuar firmando nossas posições de cumprimento dos acordos e das decisões da ONU, e das propostas de paz que surgiram em Genebra ultimamente.
Agência Brasil - Presidente, o sr. disse que a relação com esses países como a Índia a África e o Oriente Médio criará um bloco forte dos países em desenvolvimento. O sr. acredita que o fortalecimento desses países vá provocar um choque com os países ricos nas negociações?
Lula - Nós não temos a idéia de provocar um choque. Temos a idéia de fazer valer a vontade do nosso país e dos países em desenvolvimento na nossa relação econômica e comercial. Tenho dito que nenhum país do mundo pode abdicar da relação privilegiada que nós temos com os Estados Unidos e com a União Européia que são, de um lado a União Européia enquanto bloco e de outro lado os Estados Unidos enquanto nação individual, os maiores aliados comerciais do nosso país. Queremos aperfeiçoar, queremos aumentar a nossa relação, mas queremos mais. Queremos ter espaço junto a outros países para que possamos vender e comprar mais, para que possamos trocar os conhecimentos científicos e tecnológicos para que possamos ter mais tecnologia, mais conhecimento científico e para que possamos passar também aquilo que nós temos para eles. Em todos os países que nós visitamos, por exemplo, a Embrapa pode desempenhar um papel extremamente importante. Os conhecimentos que a Embrapa tem em cuidar da agricultura e do desenvolvimento do semi-árido pode ajudar muitos países do Oriente Médio, pode ajudar muitos países da África. O nosso objetivo é fazer com que tenhamos uma força que quando sentarmos com os Estados Unidos e com a União Européia eles saibam que estão negociando com um país que, embora saibam que tem uma relação privilegiada com eles esse país, tem um desejo de crescer a sua relação comercial e para isso está brigando para que mude as regras na OMC, que as tarifas que hoje são imposição para vários de nossos produtos e que os subsídios agrícolas, sobretudo, que impedem que sejamos mais competitivos, que vendamos mais para eles, sejam abolidos. E isso só se dará na medida em que tenhamos força política para isso. Enquanto estivermos reclamando que somos pobres e que eles são ricos e que portanto que remos que eles abram mão… eles não vão abrir mão. Ou transformamos esse nosso desejo na força de um bloco politico e econômico capaz deles perceberem que não dependemos apenas deles mas que temos outros agentes com quem fazemos essa relação, ou não mudará nada. O ministro Celso Amorim que já foi ministro no governo Itamar Franco, o ministro Furlan, que traz uma experiência comercial muito grande, sabem que nessas negociações não adianta ficarmos lamentado que somos pequenos, que somos pobres, que temos a violência, ou seja, temos que mostrar que temos força política, que temos capacidade econômica, que temos conhecimento tecnológico e científico. É isso que nos dá a respeitabilidade que precisamos para vendermos mais ao mundo desenvolvido, ao mundo em desenvolvimento. E é isso que estamos fazendo.
Rádio Nacional - Como o sr. vê a proposta do ministro Furlan de abertura de uma representação comercial no Iraque?
Lula – Iremos estudar todas as possibilidades que tivermos para fazer crescer a economia brasileira. O Iraque ainda tem um futuro muito incerto. Entretanto, o processo de reconstrução do país abre perspectivas para empresas de todo o mundo. E o Brasil, sobretudo no que diz respeito à reconstrução, tem conhecimento tecnológico, tem conhecimento em engenharia para competir com qualquer país do mundo. Não ficamos devendo nada absolutamente a ninguém. E obviamente se se apresentar a oportunidade nós iremos querer participar desse processo porque interessa ao Brasil e interessa ao povo iraquiano que o país seja reconstruído o mais rápido possível, não apenas do ponto de vista de suas estradas, de suas escolas e de seus hospitais, mas que seja também reconstruído do ponto de vista político. Que eles possam no menor espaço de tempo possível escolher as suas lideranças e decidir livremente seu destino. E, se numa reunião de governo entendermos que é conveniente a montagem de um escritório, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista político, não teremos nenhum problema em montar esse escritório, até porque acho que há muito interesse de empresas nacionais nisso.
E vocês sabem que trabalhamos com a idéia fixa de que, para que o Iraque seja reconstruído na sua totalidade, é preciso que haja uma participação muito forte das Nações Unidas na reconstrução de um novo cenário político do Iraque. E isso pode ficar certo que iremos trabalhar sem medir o sacrifício para garantir que haja essa recuperação política do país e ao mesmo tempo econômica.
E se isso permitir que o Brasil instale um escritório, permitir que as empresas nacionais trabalhem lá, iremos fazer todo o esforço porque achamos importante para o Brasil e para o mundo.
Ministro Celso Amorim completando a resposta - Um pequeno comentário de esclarecimento. O Brasil tem uma embaixada no Iraque que nunca foi fechada. Ela apenas ficou limitada a presença de uma guarda de arquivos. A questão é saber o momento certo de você reativá-la dessa forma, inclusive com uma representação comercial.
Ministro Luiz Fernando Furlan - Estamos procurando um voluntário.
BBC Brasil - O sr. acabou de explicar a importância que vê na viagem como um todo. Gostaria que explicasse a importância que vê na sua presença aqui, especificamente. Sempre há o debate no Brasil, toda vez que o sr. deixa o país e viaja qual seria a importância de sua presença nesta viagem?
Lula – Olha, sou até suspeito para falar da importância. Preferia até que outros falassem, por exemplo o Celso Amorim que é nosso diplomata há mais de 30 anos.
Celso Amorim - Em primeiro lugar, antigamente quando os ministros das Relações Exteriores viajavam era um grande acontecimento, hoje em dia o acontecimento é quando o ministro do exterior estão no Brasil. Então, quando o presidente viaja é muito importante. Um presidente como Lula, que tem uma história, uma trajetória que desperta o interesse pela perspectiva que oferece de mudança social dentro do diálogo e dentro da democracia é uma coisa extraordinária sendo também o Brasil o país que é. Então, acho que isso é totalmente diferente de uma visita de ministros, seja da área do desenvolvimento e do comércio para promover nossos produtos, seja mesmo do exterior que está fazendo negociações, preparando acordos. Mas a presença do país não é sentida da mesma maneira quando viaja o presidente, sobretudo um presidente - isso a gente ouviu em vária ocasiões - que tem a trajetória que o presidente Lula tem. As pessoas querem conhecer, querem ver porque sentem nele uma representação efetiva e autêntica do Brasil.
Lula – Desde o começo do governo tomamos uma decisão de montar uma estratégia para o nosso país. Tínhamos três possibilidades, ou seja: você ao mesmo tempo que estabelece uma política de contenção da taxa de juros e sua diminuição, na medida em que você controla a inflação, na medida em que começa a encontrar mecanismos de fazer investimentos no mercado interno com a fragilidade econômica do país, concomitantemente, estabelecemos uma estratégia para que o país tivesse uma maior presença no cenário mundial porque, nessa, nós poderíamos colher os frutos com uma certa rapidez e estabelecemos a estratégia: primeiro, recuperar a relação política que o Brasil precisaria ter com a América do Sul e foi por isso que nos onze primeiros meses do governo fizemos reuniões com todos os presidentes da América do Sul.
Com alguns países até mais que uma reunião. Foi por isso que depois resolvemos visitar a África, porque achamos que é um continente com o qual precisamos descobrir as potencialidades de negócios. Depois, o Mundo Árabe pelo potencial de investimento que existe nele e as possibilidades
Por exemplo, a África do Sul e a Índia quando criamos o G3 foi uma obra de engenharia muito importante do ministério das Realções Exteriores porque são países com potenciais extraordinários na sua relação com o Brasil, de compra e venda, de troca de conhecimentos e, agora, quando nós estamos pensando em criar o G-5, envolvendo a África do Sul, Índia, Brasil, China e Rússia, vocês percebem que estamos juntando quase que metade do planeta Terra, em números de habitantes. E um potencial de conhecimento extraordinário e uma similaridade fantástica entre os problemas e as soluções para seus problemas. Com isso, queremos ter força para negociar em outros fóruns que vai desde a reformulação da ONU, onde fazemos questão de dizer que queremos ser membros permanentes, até as questões econômicas na OMC e, por outro lado, o fortalecimento de todas as instituições multilaterais. Ou seja, esse é o objetivo concreto dessa nossa relação forte e a presença do presidente da República é importante.
A única atividade que não permite intermediários é a relação política e ela tem que ser feita por meio de uma relação humana muito forte. Não existe e-mail, não existe fax, não existe telefone que substitua o olho no olho, o aperto de mão, o abraço entre os seres humanos, sejam eles governantes ou não.
Então, acho que a presença física é insubstituível. É uma demonstração de respeito que estou dando aos países que estou visitando e, ao mesmo tempo uma demonstração que o Brasil quer ser notado e quer ser respeitado na sua dimensão total.
É isso que estamos fazendo e é por isso que a presença do presidente é muito importante. É extremamente importante. A presença do presidente pressupõe que depois de minha passagem por aqui a continuidade das ações que o governo brasileiro tem que fazer nos países onde visitei tem que ser muito maior.
Os ministros terão que viajar para estabelecer o cumprimento dos acordos e protocolos e fazerem novos acordos e protocolos. Vamos incentivar nossos empresários a viajar mais. Quem esteve na África do Sul comigo deve ter notado quando o embaixador brasileiro disse que em nove meses de governo, que era o tempo em que estava governando, mais ministros de empresários passaram pela África do Sul do que nos últimos 8 anos.
Então, a política de comércio exterior e política internacional é feita assim, de presença física, de conversa, de diálogo, de estreitamento das relações, estabelecimento de confiança e é por isso que nós estamos viajando e eu faço questão de estar presente nas principais viagens. Obviamente que depois dessas viagens os ministros terão que fazer a minha parte e a parte deles daqui para frente. E, as vezes, o trabalho antes que tem que fazer.
TV Bandeirantes - Gostaria de saber os efeitos desse primeiro contato, como resultado prático dessa recepção calorosa. Se o sr. ouviu de alguém se a pretensão dessas viagens é muito grande?
Lula - Não. O que tenho ouvido até agora são elogios ao comportamento do Brasil. Não sou esplecialista em política internacional. Aqui na mesa tem gente muito mais competente. Mas penso que o Brasil está vivendo um momento de exuberância na sua política internacional. Não apenas pelo que estamos fazendo. Duvido que em algum momento da história do país os ministros de comércio e os ministros de Relações Exteriores viajaram tanto como estão viajando, estabelecendo as relações do jeito que estão fazendo. Porque há uma demanda extraordinário de curiosidades sobre o país, sobre o governo, sobre as possibilidades do Brasil.
Temos que aproveitar esse momento histórico. Estamos fazendo muito bem, acho que o tratamento que estamos tendo e a expectativa que estamos gerando nessas relações diria que chega a ser primorosa e gratificante para o presidente da República.
Ministro Luis Fernando Furlan - Vejamos os países com os quais o Brasil teve maior crescimento no comércio exterior este ano. Botsuana, 500%; Azerbaijão, 430%; Suécia, 446%; Barbados, 365%; Libéria, 353%; Noruega, 340%; Geórgia, 240%; Tailândia, 182%; Bangladesh, 132%; Cuba, 106%; Guiana, 94% e Suriname, 101%. Só para dar uma idéia de coisas que estão produzidas e aqui em relação aos Emirados Árabes, um número bem simples, só na área do setor automotivo. Estamos saindo de praticamente zero para US$ 30 milhões este ano. Não só em chassi e veículos, mas também em ônibus e veículos de carga e também de motores. Tem espaço para ser feito.
Os resultados aparecem muito claros. Só lembrar que ainda este ano, estamos aqui nos Emirados muito concentrados. De 100% do que vendemos, 30% é petróleo, 25% é açúcar e 15% é frango. Nos temos aí 70% da nossa exportação para os Emirados concentradas em três famílias de produtos. Mas onde estamos crescendo é justamente nesses outros, inclusive cosméticos, perfumes, elevadores, refrigeradores, calçados, que este ano tiveram crescimento extraordinário.
O Globo - Essa aproximação política do sr. com os países árabes, a declaração conjunta com o presidente da Síria, sobre a ocupação do Iraque, isso não pode atrapalhar as relações com os Estados Unidos?
Lula - Pelo contrário. Tenho dito desde o início que nenhum país respeita a subserviência. Não tem nada mais importante nas relações entre dois países, ou dois seres humanos, do que o respeito que um tenha pelo outro. Inclusive quando vivem momentos de adversidade. É importante lembrar que o dia 10 de dezembro, quando fui a Washington, ainda não era presidente da República empossado, mas apenas eleito, que conversamos sobre a guerra do Iraque, disse ao presidente Bush que a única guerra que interessava para mim era a guerra de combate a fome no meu país.
E disse ao presidente Bush naquela ocasião que os brasileiros não concordávamos com guerra, concordávamos com o cumprimento das decisões das Nações Unidas. Isso continua intacto, em pé. E achamos que a solução para os conflitos do Iraque é a ONU. Ela sabe coordenar o processo para que todos saiam de lá o mais rápido [sic] possível e que os países que estão no Iraque e permitam que, sob a coordenação da ONU, o país reencontre o seu destino político.
Esse não é um desejo apenas nosso, do Brasil, acho que é um desejo hoje de quase todos os países do mundo. Porque se não fizermos isso não vamos encontrar paz, sabe, nessa parte do planeta.
TV Record - Como o sr. está vendo as reformas no Congresso e as suas viagens?
Lula – As reformas, elas são o resultado do grau de confiança da populaçào. A reforma que sairá do Congresso Nacional é a reforma que a cabeça dos políticos brasileiras permite que saia. Não dá para você inventar. Nào dá para você fazer uma reforma virtual, aquela do desejo do presidente, aquela do desejo do ministro tal qual. A reforma, na medida que entra no Congresso Nacional, ela será o resultado da visão do Congresso. E nós, enquanto Executivo, temos apenas de acatar a decisão.
Com relaçào às minhas viagens, acho que o Presidente da República tem de viajar toda vez que considere importante viajar. Tenho consciência do papel histórico que estamos cumprindo lá no Brasil. Vocês jornalistas têm acompanhado parte da minha visita. Em alguns lugares que viajei vocês nem aguentaram cumprir a agenda porque viajo para trabalhar. Viajo para cumprir uma tarefa previamente determinada, dentro do Brasil e não meço nenhum sacrifício de fazer reuniões das 8 da manhã à meia-noite. Porque é para isso que estou viajando. Se quisesse fazer turismo ficaria no Brasil mesmo, gastando meus reais lá. Porque entendo que é necessário divulgar o novo tempo que o país vive e estabelcer novas relações com esse mundo.
Obviamente que, no ano que vem, não preciso viajar tanto porque a semente está plantada. Vamos fazer um grande encontro no Brasil, que penso que será um marco fantástico, que será a reunião de chefes da América do Sul com o mundo árabe. Isso será um marco excepcional. E toda a vez que for necessário viajar, toda vez que o governo entender que politicamente é necessário a presença do Presidente para facilitar que o país possa vender mais e estabelecer uma nova relação, podem ficar tranquilos. Primeiro, porque tenho gente da maior competência me representrando hoje no Brasil, em cada Estado, em cada cidade, em cada lugar. E sei o quanto é importante para o país se firmar no mundo globalizado como o que estamos vivendo hoje.
Fazer política internacional é que nem política: não há espaços vazios. Se a gente ficar esperando que alguém vá falar bem do Brasil lá fora, vai se enganar. Nós é que temos de sair e mostrar o que somos, porque somos e o que queremos no mundo. E isso podem ficar certos que vou fazer. Daqui a algum tempo vãoi me perguntar o resultado disso e você vai me dizer que deveria ter viajado um pouco mais.
Celso Amorim - A demanda pelo presidente Lula é muito maior que a oferta do presidente Lula. E a demanda pelo Brasil é muito maior que a oferta. O número de convites importantes que não podem ser aceitos ou que têm de ser adiados é muito grande.
Que tipo de apoio o Brasil pode oferecer a palestinos e israelenses para a solução do conflito?
O apoio que já estamos dando. Há algumas decisões importantes que foram emanadas nos organismos da ONU, há o caminho da paz aprovado recentemente. E nós concordamos com essa política, apoiamos essa política. O que eu tenho visto é que a paz entre israelenses e palestinos não pode uma coisa dos EUA apenas. Acho que a ONU tem de assumir esses grandes conflitos da mesma forma que nós colocamos em Cuzco, em janeiro, que a ONU assumisse as negociações de paz na Colômbia. A ONU precisa chamar para si esses grandes conflitos para que a gente possa ter certeza de que não há nenhuma ação tendencial de um país com relação ao outro. O Brasil tem uma posição clara. Nós queremos o reconhecimento do Estado palestino, o reconhecimento do Estado de Israel, queremos garantir a segurança do Estado de Israel, mas queremos garantir que os palestinos possam viver como um povo livre, soberano, sem ingerência de quem quer que seja.
Agência Reuters - O sr. disse que terá uma política externa mais agressiva. Qual é o principal objetivo para 2004?
Lula - O principal objetivo para 2004 primeiro é consolidar o que começamos a fazer este ano. Temos que consolidar a América do Sul com a execução dos projetos de integração física, com as obras de infra-estrutura que temos que fazer. Segundo, temos que fazer a consolidação do G-20, que para nós é muito importante. Queremos consolidar o G-3, que é o grupo Brasil, Índia e África do Sul. Queremos ampliar para o G-5, com a Rússia e com a China. Vamos tentar trabalhar isso em 2004. E queremos consolidar nossa relação com a África e com os países árabes. Esse é um trabalho que exigirá da nossa diplomacia, do nosso ministro do Desenvolvimento e Comércio Exterior, do nosso ministro da Agricultura e dos outros ministros que participaram direta ou indiretamente de uma ação muito mais forte. Portanto, nós sabemos que essa política não se dá com um passe de mágica. Você trabalha muitas vezes um ano, dois anos, para você começar a colher. Um dado concreto é que estamos fazendo uma coisa muito sólida, que achamos que fará com que o Brasil nos próximos anos seja efetivamente um país levado em conta não apenas pela sua extensão territorial mas também pela sua capacidade de negociação, de articulação política e pela sua capacidade no comércio exterior.
TV Globo - O Brasil pode ocupar um espaço importante politicamente também?
Lula - O Brasil pode se apresentar como parceiro do mundo árabe. Poucos países do mundo têm privilégio de ter dentro do seu território quase 10 milhões de árabes ou de descendentes de árabes. Ou seja, só para você ter uma idéia, o que temos de árabes no Brasil é uma Suécia. É mais do que uma Noruega, é uma Cuba. Ou seja, isso significa que temos não só autoridade política para estarmos fazendo essa política como temos quase que um compromisso. Porque esse árabes, esses homens e essas mulheres que estão no Brasil ajudaram o país a crescer, ajudaram o Brasil a se desenvolver.
Então temos as facilidades que outros países possivelmente não tenham. Então, temos que tirar proveito disso não apenas para o bem do país, mas tirar proveito disso no sentido de fazer com que a integração seja muito mais efetiva e muito mais forte sob todos os aspectos, que vai do político ao comercial. O Brasil pode fazer isso. O que que tenho dito aos presidentes com quem tenho conversado? Durante muito tempo nós no Brasil ficamos olhando para a Europa e para os Estados Unidos; vocês, também. Então, agora está na hora de vocês olharem um pouco para a América do Sul e nós olharmos um pouco para vocês, e começar a perceber que existem outros territórios em que vocês podem investir e ter ganhos. E que vocês possam ajudar os países a crescer. Nós podemos ajudar vocês. E aí, quem sabe, a gente se torne menos dependente das chamadas grandes potências. Esse é um fato extraordinário, que trabalho com essa hipótese e estou convencido que isso será um bem muito grande para os países árabes e para o nosso querido Brasil.
TV Globo - E as reformas, presidente. O sr. está satisfeito?
Lula - Olha a minha cara [e sorri]. Quando chegar no Brasil convocarei uma coletiva para falar sobre isso.
Marcos Chagas e Murilo Ramos