Brasília, 7/12/2003 (Agência Brasil - ABr) - O combate a lavagem de dinheiro foi amplamente discutido neste final de semana, em Pirenópolis (GO) por órgãos envolvidos com o tema. Pela primeira vez, todos os representantes estiveram reunidos para discutir ações de enfrentamento a essa modalidade de crime. O encontro, coordenado pelo Ministério da Justiça foi, segundo o ministro Márcio Thomaz Bastos, o primeiro passo forte na direção da construção de uma cultura contra a lavagem de dinheiro no país.
"Acredito que isso realmente tenha sido uma coisa muito importante no Brasil. Pela primeira vez, se reuniram em torno de uma mesma mesa decidindo por consenso, traçando objetivos e procurando questões comuns, questões polêmicas e diferenças para serem resolvidas todos esses órgãos da administração pública dos três poderes", afirmou. Participaram 60 autoridades, entre elas, o procurador geral da República, Cláudio Fonteles; o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid; o diretor da Polícia Federal (PF), Paulo Lacerda, e o ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O primeiro resultado do evento foi a criação de um Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro, secretariado pelo departamento de Recuperação de Ativos Financeiros, do Ministério da Justiça. O gabinete, composto por integrantes do Poder Executivo, Judiciário e Ministério Público, tem objetiva coordenar e articular a atuação do estado na prevenção e combate à lavagem de dinheiro. "É um grupo que decidirá sempre por consenso, não há hierarquia, não há criação de burocracia. Não se está estabelecendo novas estruturas", explicou o ministro. "É simplesmente uma coordenação e uma parceria entre todos esses órgãos", disse.
O gabinete deve se reunir nos próximos dias 15 e 16 para fechar as propostas para montar uma estratégia nacional de combate a modalidade criminosa. Nestes três dias em Pirenópolis, discutiu-se os principais problemas de enfrentamento ao crime e foram propostas algumas medidas, que ainda serão detalhadas. Delas, 12 foram destaque, como a liberação de sigilo bancário e fiscal para todos os órgãos envolvidos no combate a lavagem de dinheiro, agilizar a ratificação das Convenções Internacionais relacionadas à prevenção e combate à lavagem de dinheiro e uniformizar mecanismos de capacitação e disseminação dos meios de prevenção e combate a esse crime.
Outra recomendação é realizar uma avaliação dos sistemas de registros de imóveis, societário, embarcações, aeronaves, correntistas, telefonia e editorial. Segundo Gilson Dipp, hoje não há um controle nacional e os dados não são acessíveis rapidamente. "Hoje, quando se tem uma suspeita, uma transação imobiliária que possa ser decorrente de lavagem de dinheiro, o juiz não sabendo e o Ministério Público também desconhecendo, em tese teria que se fazer um pedido a todos os cartórios e registros de imóveis do país, que são milhares", explicou. A medida facilitaria o controle, de acordo com ele.
Foi proposta ainda a criação de um código de ética para os agentes públicos em atividade de investigação com a imprensa. Segundo Antenor Madruga, do departamento de Recuperação de Ativos Financeiros do Ministério da Justiça, a proposta não procura afastar a imprensa dos casos, mas garantir que a informação seja divulgada no momento certo, sem atrapalhar as investigações.
"É fundamental que se tenha transparência, mas com eficácia", afirmou. A secretária Nacional de Justiça, Cláudia Chagas, disse que o exato teor do Código de Ética ainda será aprofundado e que a idéia é que as informações que chegarem a imprensa não prejudiquem o trabalho de investigação. "A idéia é servir como contraponto a preocupação que se tem com a expansão das informações, com o compartilhamento das informações. Então, se de um lado, nós vamos dividir informações sigilosas, por outro lado temos que nos preocupar em garantir que elas continuem sendo sigilosas e que só circulem realmente entre os órgãos que precisam das informações para trabalhar", afirmou.
Sigilo bancário e fiscal
A liberação do sigilo bancário e fiscal foi amplamente discutida durante o encontro, e o consenso é que há necessidade de haver uma livre circulação de informações sigilosas entre os órgãos públicos federais que atuam no combate a lavagem de dinheiro. Foi recomendada a criação de um comitê para elaborar uma proposta normativa que poderá vir como decreto ou reforma constitucional. "A idéia é deixar claro quais são os limites desse sigilo", disse Anteno Madruga. "Muitas vezes o sigilo é fruto do receio dos próprios agentes públicos e órgãos têm de passar isso. Eles não têm uma orientação clara sobre qual o limite do sigilo", acredita.
Para Gilson Dipp, uma das grandes dificuldades com a qual o Poder Judiciário se defrontará a partir de agora, bem como o Ministério Público é compatibilizar os fundamentos do direito ao sigilo, aos direitos individuais, com os direitos da sociedade."É muito claro que os direitos individuais e os direitos ao sigilo devem levar em conta também o direito da coletividade e da sociedade", afirmou. Dipp acredita que os instrumentos processuais para apuração de crimes de alta tecnologia, de crimes transnacionais passam necessariamente pela quebra de sigilo bancário, fiscal, pelas interceptações telefônicas e por outros instrumentos que a lei põe a disposição dos operadores do direito. "É um desafio que se coloca para o Judiciário", considerou.
O Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, defende o acesso direto do Ministério Público ao sistema financeiro oficial. "Nós sustentamos que por termos o monopólio da ação penal pública, por sermos aquelas pessoas que irão dentro do juízo, do judiciário, acusar alguém, não há porque ter esse crivo do Poder Judiciário sobre essa prova fundamental do combate a criminalidade", disse.
Jorge Rachid, Secretario da Receita Federal, opinou que é necessário haver o compartilhamento de informações de maneira moderada. Ele explicou que devem estar claras as motivações para quebra do sigilo e o porquê as informações devem ser transferidas.
Modificações na lei
Uma das recomendações prevê mudanças na lei de 98 sobre lavagem de dinheiro. A idéia, segundo a secretária Cláudia Chagas, é aumentar o rol de crimes antecedentes, incluindo sonegação fiscal, crimes contra o mercado de capitais e receptação. "Tem que se ampliar esse crime, não se pode fixar na lista exaustiva que hoje existe", disse Madruga. Hoje, a lei coloca como crime antecedente, por exemplo, o tráfico de drogas, o terrorismo, o contrabando de armas, extorsão mediante seqüestro e crimes contra administração pública. Recomenda-se ainda que seja tipificado terrorismo e organização criminosa. "Para que se tenha êxito, é preciso ter uma tipificação adequada", destacou.
Recomendações principais:
1. Criar comitê de tecnologia no Gabinete para padronização dos sistemas de prevenção e combate a lavagem de dinheiro.
2. Acompanhar a tramitação dos procedimentos administrativos, inquéritos e processos judiciais relativos ao crime de lavagem de dinheiro.
3. Avaliar os sistemas de registros de imóveis, societário, embarcações, aeronaves, correntistas, telefonia e editorial.
4. Privilegiar e ampliar mecanismos de cooperação internacional direta, criados por acordos bilaterais e multilaterais.
5. Criar comitê do Gabinete para elaborar proposta normativa que possibilite e regulamente a circulação de ofício ou a pedido, de informações sigilosas (bancárias, fiscais etc) entre órgãos públicos federais com atribuições específicas de fiscalização, inteligência, investigação e controle, compatibilizando o interesse público e os direitos dos cidadãos.
6. Criar código de ética para agentes públicos em atividades investigatórias em sua relação com a imprensa.
7. Elaborar proposta de projeto de lei que amplie o tipo legal do crime de lavagem de dinheiro de acordo com os padrões internacionais e tipifique os crimes de terrorismo e seu financiamento e defina o conceito de organização criminosa.
8. Agilizar a ratificação das Convenções Internacionais relacionadas à prevenção e combate à lavagem de dinheiro.
9. Uniformizar mecanismos de capacitação e disseminação dos meios de prevenção e combate à lavagem de dinheiro.
10. O Banco Central realizar o estudo da possibilidade de tipificar a natureza e disponibilidade dos serviços bancários, em função do perfil financeiro de cliente como forma de dar efetividade à prevenção à lavagem de dinheiro.
11. Solicitar ao Congresso Nacional a aprovação em regime de urgência do projeto de lei que regula o bloqueio administrativo de bens e valores.
12. Recomendar a adoção por toda a Administração Pública Federal do instrumento de Sindicância Patrimonial, nos moldes adotados pela Polícia Federal.