Igreja da Libertação chegou ao poder, diz Boff

03/12/2003 - 12h00

Por Spensy Pimentel

Brasília - Teólogo, filósofo, antropólogo, místico e... ecologista. Membro da Comissão de Honra da 1a Conferência Nacional do Meio Ambiente, Leonardo Boff, 64, exercitou no último fim de semana essa última faceta, menos conhecida do grande público, mas nem tão surpreendente para quem acompanha a evolução de seu pensamento em mais de 60 livros.

"Deus é aquele elo que faz com que o meio ambiente seja um ambiente inteiro", responde, rápido, quando lhe perguntam o que tem religião a ver com ecologia. Ecologia ambiental, social e mental, que evolui para a "ecologia integral", segundo um de seus escritos. O fenômeno, segundo Boff, surge quando os primeiros astronautas enxergam lá do espaço a Terra aqui embaixo e percebem, enfim, que estamos todos no mesmo barco.

Neto de imigrantes italianos, nascido em Concórdia (SC) de pai professor e mãe "roceira", tornou-se doutor em teologia e filosofia pela Universidade de Munique. Depois de 33 anos de ordenação, Boff desligou-se da Igreja Católica em 1992, mas não abandonou o trabalho de divulgação da "igreja da Libertação", que ele considera fruto da primeira teologia surgida na periferia do "Império Cristão".

Hoje, com velhos amigos como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no governo, Boff considera que a Libertação chegou ao poder. Na entrevista a seguir, concedida no sábado à noite, na Universidade de Brasília, onde aconteceu a conferência, ele fala da responsabilidade ética desse grupo e da "mediocridade" na condução atual da igreja Católica, entre outros temas.

Agência Brasil - O sr. dizia, em sua palestra na Conferência do Meio Ambiente, que o ancestral do homem surgiu simultaneamente com as primeiras flores...

Leonardo Boff - É um fato da evolução que, quando surgiu aquele mamífero que não tinha mais que o tamanho de um coelho e vivia no topo das altas árvores 70 milhões de anos atrás, ele surgiu exatamente no momento em que as plantas, que eram todas verdes, começaram a se enrolar sobre si mesmas e apareceram as cores e, a partir das cores, as flores.

Não é uma coincidência, porque nada é coincidência no processo de evolução. Tudo tem algum propósito secreto. O nosso ancestral mamífero, que depois deu origem aos primatas, aos antropóides, até chegar a nós, era um ser complexo, que ia ser portador de consciência, inteligência, amorosidade. Como que o universo inteiro se alegrou com isso e ofereceu um ramalhete de flores. E esse ser é o nosso ancestral humano. Nós não somos o centro do universo, porque somos um elo da imensa cadeia de vida, mas somos seguramente, dos seres que nós conhecemos, o mais complexo.

Então, o universo dá uma manifestação da grandeza dessa erupção presenteando o ser humano com as flores. Esse ancestral só se alimentava de flores e de brotos. Ele vivia no tronco das grandes árvores e assim escapava dos dinossauros. Quando os dinossauros desapareceram há 65 milhões de anos, eles puderam descer e fazer a evolução que culminou na espécie humana.

ABr - Que importância o sr. enxerga nesta Conferência do Meio Ambiente?

Boff - Primeiro, este congresso é a culminância de toda uma mobilização na sociedade civil, em todos os estados, grupos de reflexão, grupos ecologistas, escolas. Cerca de 5 milhões de meninos e meninas, mais de 65 mil pessoas adultas discutiram. Esse congresso recolhe os frutos dessa enorme fermentação de idéias. Esse momento é democrático, vem de baixo para cima. É importante porque a ecologia se torna efetiva, e a preservação dos ecossistemas é feita na medida em que as pessoas se sensibilizam, sentem na pele, amam a natureza, lamentam os seus riscos, se comprometem na sua regeneração. Esse processo é pedagogicamente muito interessante e é um exercício de democracia participativa.

Segundo, porque se realiza aqui, em Brasília, onde representantes do país inteiro se encontram, trocam experiências. Cresce o sentimento de pertença, de que eles não estão isolados lá nas lutas locais, mas que são elo de um imenso movimento e têm preocupações parecidas, tem convergências nos objetivos que querem e aqui podem colocar em comum, fazer um amarramento das questões de base, para que o governo sancione essas decisões e faça política de estado.

Aqui temos uma estratégia política nova, democrática, de envolvimento, com capacidade de criar sujeitos que vão realizar aquilo que vai ser decidido aqui em cima lá nas suas bases, para que o movimento ecológico e ambientalista se transforme numa cultura brasileira. Que não seja deste ou daquele movimento. Que seja incorporado como um valor que todos os movimentos vão assumir, e o estado cria o quadro de legitimidade, de apoio para a preservação do nosso país, daí o lema, "Cuidando do Brasil".

ABr - Professor, como herdeiro da tradição cristã, como o sr. vê este momento do pensamento ecológico?

Boff - O cristianismo tem uma função ambígua no pensamento ecológico. Por um lado, ele reforçou o antropocentrismo, que é a primeira página do Gênesis: dominai a terra, submetei os animais - é a posição do ser humano como rei e rainha da criação. Essa visão reforçou uma atitude adâmica, de estar por cima das coisas, dominá-las, fazê-las propriedades suas, tratar a natureza a seu bel prazer.

Mas, essa é uma página da Bíblia. A segunda página, que é o capítulo segundo do Gênesis, coloca o ser humano no Jardim do Éden com a missão de cuidar, de ser o jardineiro. Como todo jardineiro, ele sabe tratar as coisas, limpar as ervas daninhas, incentivar o crescimento e a beleza da natureza. Ele tem uma responsabilidade ética.

Essa tradição não foi desenvolvida na nossa cultura. Hoje, devido à crise ecológica, resgatamos essa dimensão, fazemos uma autocrítica ao Cristianismo: ele foi cúmplice da degradação. E devemos nos perguntar: que coisas erradas o cristianismo fez na sua catequese, na formação das consciências, que não ajudou as pessoas a preservarem as plantas, os animais, as águas.

Hoje, o cristianismo é uma das muitas fontes que têm recursos para ajudar o resgate da natureza. Mas, tem que, primeiro, se penitenciar e depois oferecer a sua colaboração. Isso está se dando até junto às Cebs, Comunidades Eclesiais de Base, que estão sendo interpretadas como Cebs - Comunidades Ecológicas de Base. Ali, junto com a fé, a leitura dos textos sagrados, as pessoas aprendem a justiça social, mas também a justiça ecológica, respeitar as águas, não maltratar os animais. Essa combinação de valores faz com que, lá na base da sociedade, haja cristãos que utilizam o capital simbólico do cristianismo para ajudar a superar a crise ecológica.

ABr - O contexto atual é da chegada ao poder de um grupo político muito ligado à organização da base cristã no Brasil. Como o sr. assiste a este momento?

Boff - Eu estou muito feliz, porque a Teologia da Libertação, que nasceu no final dos anos 60 e se consolidou nos anos 70, 80 e até hoje, criou lideranças muito grandes na sociedade. São cristãos que, a partir da fé, militam contra a pobreza, a favor da justiça, comunidades de base, que são mais de um milhão, círculos bíblicos, que são mais de dois milhões. Ajudaram a criar sindicatos, é uma das pilastras que criaram o PT.

Muitas lideranças hoje no governo são crias da igreja. Acho que cinco ministros vêm dessa fermentação da igreja da Libertação. O governador Zeca, do Mato Grosso do Sul também. O governador Jorge Viana foi aluno meu, amigo quando eu trabalhava no Acre durante muitos anos no mês de janeiro, fevereiro. Tanto o irmão dele, Tião, como a Marina Silva são fruto dessa igreja da Libertação, que hoje chegou ao poder e carrega junto o sonho dos cristãos, não só o de criar uma sociedade boa, mas uma antecipação do reino de Deus, o reino da fraternidade, da justiça, do resgate da criação.

É um sonho generoso e de uma densidade ética poderosa, de transparência, de evitar toda mentira, todo engodo, toda manipulação do bem público. É uma contribuição que a Libertação trouxe à sociedade brasileira e que se esperava do cristianismo durante 500 anos. Ele foi cúmplice da colonização como invasão, foi cúmplice da escravidão. Hoje há um cristianismo de libertação, que resgata o sonho de Jesus, que é uma força de mudança. Ela está ajudando a melhorar o país, junto com outras forças políticas sindicais, de outras religiões cristãs ou afro-brasileiras que também assumiram a causa dos pobres.É uma força que garante que alguma coisa vai mudar nesse país.

ABr - Tendo vivido o movimento que resultou nisso tudo, como o sr. assistiu ao refluxo dessas discussões que aconteceu na igreja Católica nos últimos anos?

Boff - Nos anos 80, cardeais como Dom Paulo Evaristo, Dom Aloísio Lorscheider, uma gama de arcebispos, muitos bispos, padres, teólogos, religiosos, milhares de leigos, esse bloco chamado de igreja da libertação recebeu repressão do Vaticano. Era o tempo da Guerra Fria ainda, e eles temiam essa igreja que quer as mudanças sociais, em uma visão mais participativa, democrática. Não era socialista, mas apontava para ideais que o socialismo sempre sustentou, ela podia favorecer os grupos de esquerda marxistas.

Eu mesmo tive que sentar na cadeirinha onde sentaram Galileu Galilei, Giordano Bruno, para defender meu livro "Igreja: Carisma e Poder", em que aplicava a Teologia da Libertação e dizia que a igreja não é uma instância de libertação. Ela quer libertação na sociedade, mas não a aplica internamente, então ela se desmoraliza. Para ela ser realmente uma igreja de libertação, tem que dar mais liberdade aos leigos, participação às mulheres, respeitar melhor os direitos humanos internamente. Essa mensagem não agradou ao Vaticano. Eu enfrentei um processo judicial e fui punido, silenciado, perdi a cátedra, meus escritos foram proibidos etc.

O efeito disso tudo foi um retrocesso da dimensão eclesiástica da Teologia da Libertação, mas ela caiu na sociedade, foi levada adiante pelos leigos, pelos políticos, pelos sindicatos, que são o caminho mais verdadeiro da libertação. Todas as dioceses que fazem uma opção pelos pobres, contra a pobreza, em favor da justiça têm como referência a teologia da libertação. Ela ganhou foi uma certa invisibilidade institucional, pelo controle a que o Vaticano a submetia. Na sociedade ela cresceu.

Nós não devemos esquecer que o movimento dos sem-terra veio da teologia da libertação. O movimento dos sem-teto, o movimento dos negros, dos meninos e meninas de rua, a CUT, foi tudo criação da igreja da Libertação. Então, ela está viva hoje na sociedade e é patrimônio da cultura de esquerda, da cultura mudancista. Isso é melhor do que ela ser um patrimônio da igreja. Por isso essa teologia continua, ela é viva hoje, e é a primeira grande teologia que nasceu na periferia do Império Cristão, que fala para o centro. Talvez hoje, de todas as teologias, seja a mais viva, a que mais tem a dizer. É a mais lida, na Alemanha, na França, na Itália, na África, na Coréia, na Índia, nos Estados Unidos, na Europa mesmo. É uma teologia que dialoga permanentemente com a crônica do dia-a-dia, da violência, da opressão, da exclusão social, da crítica ao mercado, a crítica à Alça - a esse tipo de Alca que querem criar.

É uma teologia que faz sentido, que ajuda a criar uma visão das coisas, não necessariamente cristã, porque nós não estamos interessados em que haja mais cristãos, estamos interessados em que haja mais cidadãos participativos, sensíveis, justos, lutadores pela libertação dos seres humanos, e o cristianismo como uma fonte geradora de pessoas assim. Isso é que nos interessa, porque Jesus não quis fundar uma nova religião, ele quis criar um homem novo, uma mulher nova. Esse é o propósito dos cristãos, e as igrejas existem é para que surja algo bom dentro da criação e da sociedade.

ABr - Que perspectiva o sr. vê para essa estrutura de poder em que se constitui a igreja católica hoje?

Boff - A tendência, hoje, é o cristianismo conhecer o seu limite interno. Ele é um pedaço do ocidente, que, cada vez mais, é um acidente na história global da humanidade. A chance do cristianismo, na perspectiva global, é ele entrar na teia das relações comunitárias, dos grupos que assimilam a mensagem cristã como uma das fontes que dão sentido à vida junto com o taoísmo, o hinduísmo, as religiões africanas, outras visões que a sociedade produz, que humanizam o ser humano. Que o cristianismo renuncie à arrogância de ser a única que carrega a verdade revelada. Deus não cabe na cabeça cristã, Ele é muito maior, está em todas as pessoas. A função do cristianismo, junto com outras religiões, é alimentar a chama sagrada dentro de cada ser humano, aquele impulso de espiritualidade.

Essa civilização beligerante e violenta com a qual o cristianismo se associou, não apresenta uma agenda positiva para o futuro da humanidade, não desenha um cenário esperançador. O cristianismo tem que se distanciar, fazer a crítica e beber da fonte originária, o movimento de Jesus, antes de ele ser igreja, instituição. Jesus não fundou uma igreja, ele criou o sonho de um reino de Deus, uma humanidade mais integrada na fraternidade, na igualdade, no amor, na capacidade de convivência dos diferentes.

Ou o cristianismo bebe dessa fonte e se recria junto, em diálogo com outras fontes, ou ele, então, fica irrelevante no mundo, fica uma seita do ocidente. Isso seria a pior coisa que aconteceria ao cristianismo. Lamentavelmente, sob esse pontificado de João Paulo II se reforçou enormemente a ocidentalização e a romanização da igreja. O Papa confunde Cracóvia e Roma, duas dimensões da cultura ocidental, com o mundo. Ele mediocrizou o cristianismo, ocidentalizou mais do que tudo o cristianismo, não permitiu um diálogo inter-religioso, não abriu o cristianismo para a ousadia de inovar, levantar grandes sonhos, mas reforçou a instituição ao redor da figura do papa, do bispo, do clérigo, mediocrizou os leigos, marginalizou as mulheres.

O cristianismo institucional calcado sob o poder clerical não está à altura da grandeza do sonho de Jesus. Por isso a igreja da libertação, que pensa esses problemas mais globais, não deixa morrer essa chama e continua, apesar das pressões que sofre, a levantar esse sonho de uma visão mais global da humanidade, dentro da qual o cristianismo tem algo a dizer, que nós supomos que seja bom para aqueles que o acolherem na liberdade.

ABr - Em relação à questão agrária no Brasil, recentemente grupos de latifundiários divulgaram um documento acusando o PT e a igreja de montarem algo como uma frente progressista de desestabilização do campo. Como o sr. vê o posicionamento cristão diante desse tipo de questão?

Boff - A igreja no Brasil, desde os anos 30, teve uma posição uníssona e coerente, sempre apoiou a reforma agrária, ajudou a fundar sindicatos, apoiou os sem-terra e sustenta a bandeira da reforma agrária, apesar de grupos também cristãos e católicos, como a TFP - Tradição, Família e Propriedade -, que estão aí para defender o latifúndio. Quase 90% do clero têm extração do campo, são filhos de colonos. Meu pai era professor de escola, mas a minha mãe era uma roceira.

Nós sentimos na pele o que significa a defesa de justiça na terra. Os latifundistas não erram em acusar a igreja, mas acusam a igreja no melhor que ela tem, que é defender a justiça no campo. Não é possível que 27 mil grandes latifundistas possuam 80% das terras no Brasil e 25 milhões de sem-terra perambulem como abraãos, buscando terra como se no Brasil não houvesse terra. Há um dado objetivo, injusto, que fez com que a Constituição assimilasse na sua letra que a reforma agrária é um preceito constitucional. Não é uma proposta da igreja, hoje é uma proposta oficial de governo, de estado. Discutimos as estratégias de como é feito isso, mas ela tem que ser feita.

A igreja, nisso, nunca se dividiu, e ela é uma força poderosa para sustentar isso. Esse papa, contraditoriamente com a visão conservadora dele, quando fala do Brasil, sempre repete: "sobre a propriedade privada no Brasil, pesa uma hipoteca social". A propriedade é para o benefício social e não só privado. Deus não vendeu a escritura a ninguém da terra, a terra é um bem da humanidade, nós a dividimos entre nós por interesses escusos. Quando alguém pega um pedacinho de terra porque não tem onde morar, viver e comer, essa ocupação não é invasão, é um direito dele como habitante da terra. É um direito de grau zero de todas as culturas mundiais, que a cultura capitalista esqueceu porque estabeleceu a propriedade privada como valor supremo - e não é: o supremo é a utilização social, comum dos bens. Podemos dividi-los, mas nunca esquecendo que, em caso de necessidade, esse privado está aberto a ajudar os outros.

ABr - Os cristãos também têm se posicionado nesse debate sobre a diminuição da maioridade penal.

Boff - Aí, a igreja teve uma posição sapiencial. Primeiro, um menino de 16 ou 15 anos que comete um crime, isso tem que ser reconhecido como crime. Ele não fez por incúria, fez por todo um processo de desgarramento social e familiar, que deve ser considerado, mas é um crime.

Pessoalmente, acho que, em vez de mandá-los de vez para as prisões, devia haver instituições adequadas onde eles não ficassem apenas três anos, mas que passassem realmente aquilo que a lei manda, penas mais longas. Claro que eles têm direito de ser acompanhados pedagogicamente e não ser jogados junto com o criminoso comum, porque aí seria a melhor escola para fazê-lo um criminoso consumado, seria um erro. Mas, para evitar esse erro, não fazemos nada, só colocamos lá nas Febens para que ele fique três anos e depois seja liberado.

ABr - Como o sr. vê a proximidade de figuras como Frei Betto, Gilberto Carvalho, gente tão próxima dessa tradição cristã, ali no núcleo de poder?

Boff - Nós nos sentimos, pela primeira vez, como pessoas da casa. Até hoje o governo era nosso contraditório, era alvo da nossa crítica, não era de cunho popular, nem fazia políticas sociais que nós queríamos. De repente, os nossos companheiros estão lá. Lula é amigo de caminhada há trinta anos. A Marina (ministra do Meio Ambiente), eu e o meu irmão ajudamos a alfabetizá-la, a criar a cabeça da teologia da libertação nela, da mesma forma a Benedita (ministra da Assistência Social), das lutas nas favelas do Rio. Frei Betto (assessor especial da Presidência) é um irmão, sempre trabalhamos juntos. Gilberto Carvalho (chefe de gabinete de Lula) é uma pessoa de grande espiritualidade e senso ético.

De repente, nós nos sentimos colocados em uma conjuntura de grande responsabilidade. É dado a nós poder ajudar a nação a fazer mudanças fundamentais, e temos quadros de competência para isso. Cometem equívocos aqui e acolá, mas a linha de fundo é verdadeira, o caminho é correto. Ele pode fazer curvas, ter decidas e subidas, eventualmente tropeços, mas é esse, quer dizer, criar políticas sociais, dar centralidade ao povo brasileiro, fazer que a sociedade se crie de baixo para cima e de dentro para fora, contra a lógica comum que era de fora para dentro, de cima para baixo. Isso nos dá esperança de que podemos ajudar na mudança do nosso país.

Agora, nós, que não estamos no poder, temos a função de reforçar as bases. Temos que ficar continuamente chamando o poder para as bases, para que ele fique mais na planície do que no planalto. O poder inclui uma tentação fantástica, porque ele é o arquétipo mais poderoso da alma humana, nos dá a percepção da onipotência, de poder mudar, de poder trazer vida, eventualmente, morte. Esse arquétipo tem que ser tratado com muita sabedoria, para não incorporar patologias, não se substantivar. O poder tem que ser sempre meio, em função da justiça, das mudanças.

A nossa função é, primeiro, de colaboração. Eles são nossos companheiros e estão realizando, pela política, o nosso sonho. Só que o nosso sonho é mais do que o PT, é mais que esse governo, nós queremos um Brasil de outros quinhentos, uma sociedade brasileira muito mais rica. A mediação agora é o PT. Queremos que tudo dê certo, mas, se não der certo, nosso sonho não morre, continua avante, e vamos tentar reconquistar os nosso companheiros para esse sonho maior, de um povo brasileiro integrado e de uma humanidade mais reconciliada consigo mesma. Nós, no nosso experimento civilizatório tão extraordinário, temos muito a dar a uma futura sociedade mundial.