Cultura indígena brasileira é reconhecida pela Unesco como patrimônio histórico

02/12/2003 - 18h09

Brasília, 2/12/2003 (Agência Brasil - ABr) - Pela primeira vez, a cultura indígena brasileira é reconhecida como patrimônio histórico pela Unesco - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. Os índios Wajãpi receberam, hoje à tarde, do ministro da Cultura, Gilberto Gil, o Certificado de Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade. O prêmio é um reconhecimento pela arte Kusiwa, uma tradição de passar os conhecimentos de forma oral, sem o arquivo em papéis. A arte abrange também os desenhos feitos nos corpos e nos tecidos.

O modo de preparo dos alimentos, os cuidados com as crianças, o uso e manejo dos animais e vegetais, as festas e a música são alguns exemplos dos conhecimentos passados pelas famílias aos membros mais novos em conversas e conselhos. "Isso nós aprendemos fora da escola, guardamos tudo na cabeça", explica Jawapuku Wajãpi.

Em carta enviada à Unesco, os índios pedem respeito. "Se os não-índios não respeitam nossa cultura, até os nossos próprios jovens podem começar a desvalorizar nossos conhecimentos e modo de vida", dizem. Para eles, o homem branco (ou não-índio como chamam) não conhece as tradições pois os desenhos não têm apenas um destino estético, mas são símbolos e cada um possui significado próprio. "Pegam nosso desenho para fazer camiseta. Não vamos aceitar mais isso", diz Kumaré, chefe dos Wajãpi.

A antropóloga Dominique Tilkin Gallois - que pesquisa há 25 anos os Wajãpi – conta que "há uma apropriação comercial dos conhecimentos das plantas medicinais, desenhos para fazer camisetas e toalhas de mesa. Eles querem divulgar o patrimônio deles para dizer ’isso aqui é nosso e para usar vocês têm que nos consultar’". Segundo Dominique, "eles vêm enfrentando uma série de problemas de preconceito, pressão sobre sua terra e resolveram se organizar e se mobilizar".

Os Wajãpi vivem no noroeste do Amapá e tiveram suas terras demarcadas em 1996. Hoje são 40 aldeias e 650 índios e foi deles que partiu a iniciativa de se inscrever no prêmio. "Eles se juntaram e se interessaram em encaminhar, poderia ter sido qualquer outro grupo que tivesse tomado essa iniciativa", explica a antropóloga sobre o fato de, entre tantas tribos no Brasil, os Wajãpi terem sido os primeiros a receber o prêmio.

A avaliação da Unesco não é feita apenas pelos critérios artísticos e culturais, mas sim a partir da mobilização e do empenho de uma determinada comunidade em elaborar um plano e garantir para o futuro a transmissão de seus conhecimentos. Neste sentido, a iniciativa dos índios em proteger suas tradições foi fundamental.

A eles, se juntaram organizações não governamentais (OnGs), universidades, associações, antropólogos e o Museu do Índio. Eles criaram o Plano Integrado de Fortalecimento da Cultura e do Modo de Vida Wajãpi. A estratégia se divide em duas atividades. A primeira se chama Plano de Revitalização Interna em que os próprios índios vão fazer o registro de suas tradições e as entidades vão ajudar na capacitação de pesquisadores indígenas. A outra ação é a articulação das instituições para fazer campanhas de sensibilização que irão explicar o que são patrimônios imateriais, "algo ainda muito mal conhecido, especialmente no que toca à cultura indígena", afirma Dominique Gallois.

O título entregue hoje pelo ministro Gilberto Gil foi concedido pela Unesco no dia 7 de novembro, em Paris. "A Unesco não poderia estar mais bem servida do que seja patrimônio imaterial", brinca o ministro. "Não queremos apenas nos livrar da culpa histórica, mas ter no ministério uma política especial para os povos indígenas. No próximo ano, deveremos ter as vertentes do que serão essas políticas", promete Gil.