Novos caminhos do Brasil para o Oriente começam na Síria

01/12/2003 - 7h34

Murilo Ramos
Enviado especial ao Oriente Médio

Damasco (Síria) - Na próxima quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca na Síria. É a oportunidade que o Brasil tem de estreitar os laços com o Oriente Médio e, juntamente com os empresários que o acompanham, ampliar as exportações de produtos brasileiros.

A capital Damasco será a primeira porta a ser aberta nesse périplo às Arábias - que vai durar oito dias e passará por Líbano, Emirados Árabes, Egito e Líbia. Se depender da simpatia da população local com os brasileiros, em razão do futebol, a missão não será das mais árduas. Três jogadores são ídolos: Pelé, Zico e, mais do que nunca, Ronaldo. O artilheiro do Real Madrid e da seleção brasileira está em evidência nas bancas de jornais. É possível ver a foto dele estampada em capas de revistas esportivas. Nas ruas, comentam-se as façanhas do garoto nascido no subúrbio pobre do Rio de Janeiro.

Mas, basta dar uma volta por Damasco – uma das mais antigas cidades do mundo, com mais de 4,5 mil anos e cinco milhões de habitantes – para observar o Brasil em outros lugares. Nos restaurantes, geralmente, café e açúcar são "verde-amarelos" e bananas ficam penduradas nas frutarias e feiras, concorrendo com as colombianas. Os automóveis brasileiros, aos poucos, disputam espaço com franceses e russos no caótico trânsito da cidade, em que os guardas têm papel meramente figurativo e as buzinas não são acessórios, mas instrumentos vitais para o bem-estar de motoristas e pedestres.

A dificuldade é que o sucesso da empreitada brasileira não encontrará abrigo apenas na cordialidade síria. Para se ter idéia, a participação dos produtos brasileiros no país cortado pelo Rio Eufrates, no ano passado, não ultrapassou 1% das importações do país. É necessário conhecer com maior propriedade os jeitos de se negociar e entender o difícil momento econômico que a Síria atravessa. Cerca de 60% da população com idade inferior a 20 anos estão desempregados. No último ano, por exemplo, o incremento do Produto Interno Bruto (PIB) chegou a 3,2%, aquém das necessidades de desenvolvimento recomendáveis.

A informalidade, por tabela, é gritante. Crianças, adolescentes e até idosos se acotovelam nas esquinas em busca de fregueses. Vende-se de tudo: desde pilhas, CDs piratas de música americana e cabritos vivos até paletós em carros no meio das ruas. O estudante Hassam, 17 anos, é um desses comerciantes de rua. Mesmo matriculado na escola – numa espécie de segundo grau – e com totais condições de entrar para a universidade em três anos, trabalha pela manhã vendendo cartões postais de Damasco a turistas na Mesquita Umayyad, a mais importante do país. "Vendo em média 70 cartões diariamente para ajudar meu pai a sustentar a mim e a dois irmãos", disse.

Parte da explicação do momento ruim do país está na estrutura e práticas do governo, que, dizem os sírios, é inchado e dispendioso. Sem contar as sucessivas guerras em que a Síria se meteu nas últimas décadas, principalmente com o vizinho Israel. Os conflitos acabaram por minar os cofres públicos. O nível de investimentos na economia é baixo (23% do Produto Interno Bruto), bem como a produtividade no campo e na indústria. O país é conhecido, também, como fechado – vivia sob a órbita soviética na Guerra Fria – e lentamente abre os olhos para o mundo globalizado e para a necessidade de modernizar e diversificar sua economia, ancorada no vaivém das cotações internacionais de petróleo.

Nova etapa

Após a morte do presidente Al-Asad – que governou a Síria com mão de ferro durante 30 anos –em 2000, algumas modificações na política econômica são facilmente percebidas. O filho e sucessor, Bashar Al-Asad (hoje com 37 anos), aproximou o país de organismos internacionais, tais como a Organização Mundial de Comércio (OMC) e acena com flexibilizações: a do acesso a investimentos estrangeiros é um exemplo. Tem sido ampliado paulatinamente, em especial no setor de extração de petróleo. Até mesmo o funcionamento de bancos privados vem sendo estimulado. Ano que vem, três devem entrar em operação. O objetivo é sustentar as transformações por que o país passa, a fim de que a Síria transpareça segurança e atraia recursos para investimentos.

Justamente nesse momento decisivo de transformações, os brasileiros tentam sair na frente para conquistar um lugar ao sol. Apesar dos indicadores atuais não serem tão favoráveis, há indícios de que o potencial da região é excelente para quem souber vender o "peixe certo".O diretor da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB), Michel Alaby, lembra que o Brasil tem vantagens. "Não somos um país hegemônico e nosso povo é encarado com bastante simpatia em todos os países árabes". O governo sírio também sabe que só verá crescimento aliado ao desenvolvimento se der suporte à infra-estrutura. Recentemente lançou programas para aumentar a produtividade no campo e melhorar o saneamento básico.

De olho nesse filão, 18 empresas brasileiras estarão representadas em encontros com empresários locais, durante a visita do presidente Lula, na quarta-feira. As grandes oportunidades, de acordo com o Departamento de Promoção Comercial do Ministério das Relações Exteriores, são em ramos como construção civil, telecomunicações, insumos agrícolas e maquinaria pesada, inclusive a bélica.

Tradição e modernidade: momento de decidir?

Damasco, que concentra 25% da população síria, respira religião. De qualquer ponto alto da cidade – que lembra a capital mineira (Belo Horizonte), por estar em um vale cercada de morros –, é possível ver as torres de dezenas de mesquitas. Por quase todo o dia, ouvem-se cantos que conclamam os fiéis a rezar. Gente de todos os lados se desloca para louvar e pedir graças a "Alá" (Deus, no islamismo).

Apesar desse apego à religião, o pensamento ocidental comum de que no Oriente Médio só se encontram mulheres cobertas pela vestimenta típica e subordinadas exclusivamente às práticas religiosas é rapidamente vencida. As jovens, inclusive, têm maior resistência a usar o véu. As que utilizam, entretanto, não perdem a vaidade feminina. Na parte rica da cidade de Damasco, por exemplo, vêem-se garotas desfilando com roupas, batons e bolsas de grife no comércio, como em qualquer shopping center de São Paulo ou do Rio de Janeiro. Celulares, máquinas fotográficas, cremes, entre outras novidades, são cobiçados. Os anúncios publicitários, impensáveis até o início dos anos 90, tomam conta de prédios inteiros, reforçam a passagem da Síria para o mundo capitalista, apesar de, oficialmente, o governo ser controlado por um partido socialista, o Ba'ath.

Mas, se existe uma "modernidade" ocidental que não foi incorporada ao cotidiano da população síria é a cultura do hambúrguer das redes de "fast-food". Não se perdeu a tradição de comer pão sírio, tão conhecido no Brasil. Nas mesas dos restaurantes, obrigatoriamente, são oferecidas porções de 500 gramas. O curioso é que água mineral sempre acompanha as refeições, mesmo que o cliente não peça. Nas esquinas de Damasco, comerciantes vendem quilos desses pães, que ficam empilhados ao sabor do vento e da poeira.

O pão sírio e os anúncios publicitários, de grosso modo, são os maiores paradigmas de uma Síria dividida atualmente. Está entre as raízes culturais e a vontade de ser mais parecida com outras nações, mais próximas do modo "americano" de viver. A comitiva brasileira vai conhecer de perto o que os sírios querem daqui para a frente. Talvez o Brasil esteja nos planos deles.