Natal (RN), 28/11/2003 (Agência Brasil - ABr) - Um tem 95 anos e é o criador do Araruna. Ooutro, com 72, é o maior conhecedor do Boi-Calemba no Brasil. Cornélio Campina nasceu em Portalegre e foi para Natal aos 21 anos, depois de trabalhar por muito tempo como agricultor no sertão. "Minha irmã casou com um homem meio atrapalhado e eu vim tomar conta dela", conta Cornélio.
Manoel Marinheiro, o mais novo, nasceu em Goianinha e mudou-se para a capital potiguar, aos cinco anos de idade, morar com uma família que tinha melhores condições financeiras para lhe criar que os pais. Todo final de semana ia a Goianinha, levava dinheiro para os pais e dançava o Boi-Calemba.
Os dois ainda hoje moram em Natal e dedicam suas vidas à preservação das danças rítmicas folclóricas e só agora têm suas músicas gravadas em um CD. Ambos são o grande destaque da 1ª Mostra de Cultura Popular na Educação, que se realiza neste fim de semana no Ginásio Machadinho, na capital do Rio Grande do Norte.
Em 1949, Cornélio se reunia todas às quartas para ensaiar a quadrilha. Os ensaios começavam depois da Páscoa e iam até o mês de junho, "mas os ônibus só saiam a partir das 4h30", conta o folclorista. Então, ele passou a levar um ritmo diferente para distrair os participantes da quadrilha, até a hora de ir embora.
Assim nascia o Araruna. "Primeiro, a gente só dançava na época de São João, depois o ano inteiro", lembra. Ele fundou, em 1955, a Sociedade Araruna de Danças Antigas e Semi-desaparecidas, com estatuto e sede própria.
A dança é apresentada normalmente por oito a dez pares. Os homens usam casacas e cartolas e as mulheres, vestidos inspirados nas danças de salão das antigas aristocracias. "Peguei os modelos de uma revista de festa", revela Cornélio. A sanfona embala o ritmo.
Manoel Marinheiro herdou o amor pelo boi de sua primeira família. Aos finais de semana, quando visitava os pais, aprendia a tradição. Mestre do Boi, aos 16 anos, Manoel viveu em Natal até os 35, quando foi para o Rio de Janeiro. "Minha irmã de criação, Isabel, mandou me buscar. Ela é artista plástica", relata. "Lá me apresentei no Maracanãzinho", diz, orgulhoso.
O Boi-Calemba é um versão potiguar do Bumba-meu-boi. Os integrantes são divididos em Enfeitados e Mascarados. O mestre, os galantes e a dama são parte do primeiro grupo, entoam as antigas canções e dançam as coreografias. As roupas são decoradas com fitas coloridas. Os Mascarados são responsáveis pela parte engraçada do espetáculo e usam roupas velhas e surradas.
Eles representam os vaqueiros-escravos. Apesar do Boi ser a principal figura da dança, o episódio de sua morte e ressurreição vem sendo substituído pelos cantos. Em 1929, o poeta e pesquisador do folclore, Mário de Andrade, já citava em seus escritos essa tradição. Rabeca, pandeiro, sanfona e instrumentos de corda animam a brincadeira.
Cornélio Campina se casou, pela primeira vez, aos 21 anos e tem dois filhos. Mora no Morro da Mãe Luiza, com sua segunda esposa, Josefa Graciano da Silva, de 74 anos. Marinheiro casou, no Rio, aos 41 anos com Odaiza de Pontes Galvão. Na época, ela tinha 29 anos. Os dois vivem juntos até hoje no bairro Felipe Camarão, zona oeste de Natal.
Cornélio se aposentou aos 44 anos por invalidez, "pegava muito peso com os fardos de algodão", conta. Marinheiro foi pintor de parede, encanador e padeiro. Aos 80 anos se aposentou. A partir daí, os dois passaram a se dedicar exclusivamente à dança, um ao Araruna e o outro ao Boi-Calemba.
Marinheiro foi à escola mas não foi bem sucedido: Aprendi a ler e escrever muito pouco". Cornélio sabe apenas seu nome, "minha mulher me ensinava, depois do jantar, mas eu começava a cochilar".
No ano passado, a vida dos dois folcloristas teve um capítulo parecido. Cornélio gravou seu primeiro CD com músicas antigas do Araruna. Gastou R$ 400,00, que vinha economizando há tempo. Entre vários troféus e homenagens, teve seu trabalho reconhecido com o Título de Cidadania Natalense.
Já Marinheiro recebeu, também no ano passado o título de Patrimônio Imaterial do Brasil, do Ministério da Cultura e, com ele, o patrocínio para a gravação de um CD. Três mil cópias serão feitas, das quais 800 ficarão com ele. Com 18 músicas, o disco "Canta Meu Boi" será lançado no próximo dia 19 de dezembro, em Natal.
Os dois participam da Primeira Mostra de Cultura Popular na Educação, que será realizada neste final de semana no ginásio Machadinho, em Natal.