Milena Galdino
Repórter da Agência Brasil
Brasília - O ano de 2003 foi o pior na história de infecções de Aids no mundo: nos últimos 11 meses, não menos do que cinco milhões de pessoas foram infectadas pelo vírus HIV em todo o planeta, sendo 700 mil delas crianças de até 15 anos. Apesar de as partes central e sul da África liderarem o ranking de infecções – com uma contaminação a cada quatro pessoas, dependendo do país – organismos internacionais de apoio ao combate da doença, como o Programa das Nações Unidas para Aids (Unaids), se voltam para o crescimento das taxas de soropositivos na Europa Oriental, Ásia e Pacífico.
No leste europeu, especialmente na Rússia, a Aids cresceu 1,3 mil vezes desde 1996, principalmente pelo aumento do tráfico de drogas injetáveis, pela evasão escolar e o desemprego. "É um avanço selvagem. O mundo está perdendo a briga contra esse mal", comentou Luiz Loures, diretor do Unaids para a Europa e Américas, durante o lançamento do novo relatório estatístico do órgão, realizado hoje em Brasília, Londres e Paris.
O documento surge cinco dias antes do Dia Mundial de Combate à Aids, lembrado em 1º de dezembro, mas não abre espaço para comemorações. "Há exatos 20 anos foram descobertos os primeiros casos de Aids na América Latina. Sabíamos como prevenir, mas falhamos. Prova disso é que este teve a maior taxa de contaminação desde o surgimento da doença", avaliou Loures.
Segundo ele, o mundo pode esperar no mínimo outros 20 anos de combate à Aids, que matou três milhões só em 2003. "Não podemos prever quando teremos uma vacina, e mesmo assim as novas gerações não estão sendo preparadas para lidar com uma epidemia de impacto devastador", sustentou o especialista.
Adolescentes
Os novos dados da Unaids apontam que o HIV se espalha principalmente entre os adolescentes. Uma pesquisa divulgada ontem pelo Ministério da Saúde indica que o jovem brasileiro segue a tendência de abandonar a camisinha. "À medida que o relacionamento com o parceiro sexual ganha estabilidade, eles trocam métodos que previnem a doença, como a camisinha, por outros que apenas evitam a gravidez, como a pílula", disse Alexandre Grangeiro, coordenador do departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do ministério.
Ele mostrou que a epidemia ganha pessoas cada vez mais novas, infectadas nas primeiras relações sexuais ou durante as primeiras experiências com drogas injetáveis. Mas não só os jovens brasileiros e latino-americanos não estão se prevenindo. Na Europa oriental, a Aids não começou na população adulta, como aconteceu na maior parte do mundo. "Já se desenvolveu direto entre adolescentes de 14 a 18 anos, a maioria delas mulheres, o que é uma combinação explosiva se pensarmos que em poucos anos elas engravidarão", argumenta Luiz Loures, da Unaids.
Mulheres
Na avaliação dos organismos internacionais de saúde e de população, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a População (Unfpa), os segmentos mais prejudicados, especialmente na América Latina e no Caribe, são os de mulheres e homossexuais. Rosemary Barber-Madden, diretora do Unfpa, ressaltou as dificuldades enfrentadas pelas mulheres. "Depois de dez anos da Conferência do Cairo as mulheres ainda sofrem a discriminação. Os grupos de gestantes soropositivos e de homens que têm relações com outros homens são os mais vulneráveis, e os mais discriminados", reclama.
Na América Latina e no Caribe, o índice de homossexuais infectados beira os 15%, índice de contaminação semelhante aos de vários países africanos. Para Loures, a explicação é o preconceito contra a opção sexual do grupo. "A Aids entrou na América Latina por meio dos homossexuais, e eles são um grupo significativo no universo dos portadores da doença, mas mesmo assim recebem apenas 1% dos investimentos em programas de combate aos efeitos do HIV", ressalta.
Os gastos mundiais para conter a doença estão hoje avaliados em US$ 3 bilhões por ano, sendo a maior parte do dinheiro destinada aos países em desenvolvimento, que abrigam 87% dos infectados. A Unaids calcula que, para tratar três milhões de pessoas até 2005 com medicamentos anti-retrovirais gratuitos – estratégia conhecida como "3 por 5" – serão necessários US$ 10 bilhões nos próximos dois anos. "Os países desenvolvidos sabem que essa é uma questão de segurança planetária, não só de solidariedade humana", adverte Loures.