Miami, 22/11/2003 (Agência Brasil - ABr) - A Declaração de Miami, documento final da VIII Reunião Ministerial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), estabelece o prazo até setembro de 2004 para que o grupo temático "Acesso a Mercados" conclua os seus trabalhos, traçando as regras para a redução de tarifas de produtos comercializados entre os 34 países associados. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, considerou o documento um importante avanço no processo de formação do bloco. "Há muita substância nisso", disse ele, em Miami.
Até setembro, serão realizadas mais três reuniões do Comitê de Negociações Comerciais (CNC) e uma ministerial, que deverão detalhar as regras sobre como e em que prazos se dará a redução das tarifas.
Segundo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, o Brasil tem pressa em definir esses prazos e elaborar a cesta de produtos considerados prioritários para o país. Antes de deixar Miami, ontem à noite, ele fez, para a Agência Brasil um balanço do processo de negociação da Alca e falou das principais preocupações do Brasil em relacão ao acesso a mercados:
Agência Brasil - As estimativas são de que o fluxo de comércio vai crescer e entre duas e quatro vezes, caso a Alca venha a se consolidar. Mas como será a distribuição dessa riqueza? Em que o Brasil será beneficiado?
Furlan - O crescimento será claramente assimétrico, dependendo das concessões e também do prazo que será negociado em termos de desgravação e acesso a mercados. Nossos pleitos são bastante claros. Temos pleitos em bens agrícolas e em bens industriais, como é o caso do aço. A nossa expectativa é de que a melhora de acesso ao mercado, principalmente norte-americano, e da Nafta como um todo, tenha concessões de desgravacão ao longo do tempo. Há uma estimativa de que poderão haver desgravacões de produtos sensíveis em até 15 anos e a nossa luta vai ser de colocar os produtos de nosso interesse para que o acesso ao mercado aconteça o quanto antes.
ABr - O texto apresentado ontem é bastante genérico e até subjetivo. Mas o representante do comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, disse que pretende chegar a uma Alca mais "hard", ao contrário da Alca "ligth" brasileira. O senhor não teme que em algum momento - como a próxima reunião ministerial, no Brasil – as discussões sejam travadas novamente?
Furlan - Acho que o tom colocado na reunião de Miami, cordial e construtivo, deverá ser a tônica das próximas reuniões. Além disso, Estados Unidos e Brasil assumiram concretamente o seu papel de co-presidentes da Alca, tendo a responsabilidade pelo sucesso da empreitada em relação aos 34 países. O fato de ter-se marcado uma agenda para os próximos 12 meses é um fato positivo, porque estabelecemos como meta ter a negociação ou até mesmo completada em setembro do ano que vem. Além disso, a próxima reunião plenária será possivelmente no nordeste brasileiro, na Bahia ou Pernambuco, e isso vai proporcionar um clima positivo de demonstração de confiança.
ABr - O ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, tem utilizado a figura da poligamia para falar dos benefícios do multilateralismo, que está previsto na Declaração de Miami, em que quanto mais relacionamentos existir, melhor para o Brasil. O senhor não teme que essa brecha possibilitando tantos acordos esvazie a Alca, ou isole o Brasil, com os Estados Unidos fazendo acordos multilaterais?
Furlan - A figura que Amorim usou é o princípio que o Brasil tem adotado. Nós estamos com várias frentes de negociações no hemisfério, com Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, e também com países de outros continentes, como África do Sul e Índia. Com a União Européia também estamos em avançado estado de negociações com previsão para ser concluída em outubro do ano que vem. O contrário disso é como se você tivesse uma casa de comércio e dissesse que só vende para pessoas de tal raça ou de tal altura, só para homem ou para mulher. Na verdade o comércio exterior é um grande bazar e nós temos que aproveitar todas as oportunidades e todos os clientes que possam ser alavancadores do comércio exterior brasileiro.
ABr - Os países menos desenvolvidos conseguiram incluir na Declaração de Miami uma cláusula tratando das diferenças econômicas e sociais dos países da região. Como conseguir fazer cumprir essa cláusula?
Furlan - Essa é a preocupação de um grande número de países porque há uma assimetria em termos de desenvolvimento econômico e também em termos de comércio exterior entre os 34 países. Só para se ter uma idéia, os Estados Unidos representam 79% do Produto Interno Bruto da (PIB) da região, e os 23 países menores, juntos, representam 1,3% do PIB. Esses países têm uma grande preocupação de que a Alca leve em conta a sua fragilidade econômica, o seu tamanho e que hajam concessões específicas. Esse ponto foi reconhecido na declaração de Miami e certamente vai continuar sendo um dos pontos importantes para termos uma equação que no final leve todos os países a perceberem uma situação de ganho a ganho.