Acesso de produtos a mercados, segundo acordo da Alca, pode levar até 15 anos, prevê Furlan

21/11/2003 - 15h49

Edla Lula
Enviada especial aos Estados Unidos

Miami - O tema do acesso a mercados, considerado principal avanço da Declaração de Miami, divulgada ontem à noite, no encerramento da VIII Reunião Ministerial da Alca, abre a perspectiva para a entrada de produtos brasileiros em importantes mercados da região. Mas até setembro de 2004, quando termina o prazo para as negociações desse item, terá de haver uma atmosfera de disposição para solução de temas delicados, como os subsídios e barreiras. Ontem, durante a divulgação do documento, o representante do comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, manifestou a disposição do país em eliminar os subsídios agrícolas e melhorar o acesso ao mercado. Mas, para isso, seria necessário que União Européia e Japão também reduzissem, numa demonstração de que o palco para a resolução desse impasse será a Organização Mundial do Comércio.

Em entrevista à "Agência Brasil", o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, fez uma avaliação do processo de negociação da Alca e falou das principais preocupações do Brasil em relacão ao acesso a mercados:

Agência Brasil - As estimativas são de que o fluxo de comércio vai crescer e entre duas e quatro vezes, caso a Alca venha a se consolidar. Mas como será a distribuição dessa riqueza? Em que o Brasil será beneficiado?

Furlan - O crescimento será claramente assimétrico, dependendo das concessões e também do prazo que será negociado em termos de desgravação e acesso a mercados. Nossos pleitos são bastante claros. Temos pleitos em bens agrícolas e em bens industriais, como é o caso do aço. A nossa expectativa é de que a melhora de acesso ao mercado principalmente norte-americano, e da Nafta como um todo, tenha concessões de desgravacão ao longo do tempo. Há uma estimativa de que poderão haver desgravacões de produtos sensíveis em até 15 anos e a nossa luta vai ser de colocar os produtos de nosso interesse para que o acesso ao mercado aconteça o quanto antes.

Agência Brasil O texto apresentado ontem é bastante genérico e até subjetivo. Mas o representante do comércio dos Estados Unidos, Robert Zoellick, disse que prentende chegar a uma Alca mais "hard", ao contrário da Alca "ligth" brasileira. O senhor não teme que em algum momento - como a proxima reunião ministererial, no Brasil – as discussões sejam travadas novamente?

Acho que o tom colocado na reunião de Miami, cordial e construtivo, deverá ser a tônica das próximas reuniões. Além disso, Estados Unidos e Brasil assumiram concretamente o seu papel de co-presidentes da Alca, tendo a responsabilidade pelo sucesso da empreitada em relação aos 34 países. O fato de ter-se marcado uma agenda para os próximos 12 meses é um fato positivo porque estabelecemos como meta ter a negociaçao ou até mesmo completada em setembro do ano que vem. Além disso, a próxima reunião plenária será posivelmente no nordeste brasileiro, na Bahia ou Pernambuco, e isso vai proporcionar um clima positivo de demonstração de confiança.

Agencia Brasil O ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, tem utlizado a figura da poligamia para falar dos beneficios do multilateralismo, que está previsto na Declaração de Miami, em que quanto mais relacionamentos existir, melhor para o Brasil. O senhor não teme que essa brecha possibilitando tantos acordos esvazie a Alca, ou isole o Brasil, com os Estados Unidos fazendo acordos multilaterais?

Furlan - A figura que Amorim usou é o princípio que o Brasil tem adotado. Nós estamos com várias frentes de negociações no hemisfério, com Peru, Colombia, Venezuela, Equador, e também com países de outros continentes, como África do Sul e Índia. Com a Uniáo Européia também estamos em avançado estado de negociações com previsão para ser concluída em outrubro do ano que vem. O contrário disso é como se você tivesse uma casa de comércio e dissesse que só vende para pessoas de tal raça ou de tal altura, só para homem ou para mulher. Na verdade o comércio exterior é um grande bazar e nós temos que aproveitar todas as oportunidades e todos os clientes que possam ser alavancadores do comércio exterior brasileiro.

Agência Brasil Os paises menos desenvolvidos conseguiram incluir na Declaração de Miami uma cláusula tratando das diferenças econômicas e sociais dos países da região. Como conseguir fazer cumprir essa cláusula?

Furlan - Essa é a preocupação de um grande número de países porque há uma assimetria em termos de desenvolvimento econômico e também em termos de comércio exterior entre os 34 países. Só para se ter uma idéia, os Estados Unidos representam 79% do Produto Interno Bruto da (PIB) da região, e os 23 países menores, juntos, representam 1,3% do PIB. Esses países têm uma grande preocupação de que a Alca leve em conta a sua fragilidade econômica, o seu tamanho e que hajam concessões específicas. Esse ponto foi reconheido na declaração de Miami e certamente vai continuar sendo um dos pontos importantes para termos uma equação que no final leve todos os países a perceberem uma situação de ganho a ganho.