Memorial de Zumbi transformará serra que abrigou Palmares em "museu vivo"

20/11/2003 - 13h41

Lourival Macedo e Ana Luiza Gomes
Repórteres da Agência Brasil

União dos Palmares (AL) e Brasília - A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva hoje em Alagoas aconteceu num dos maiores símbolos da resistência negra no país: o sítio histórico onde fica o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, no município de União dos Palmares. A visita marcou o Dia Nacional da Consciência Negra e lança a Política Nacional de Igualdade Racial.

Esta é a segunda viagem de um presidente da República ao local para rememorar o herói Zumbi. Em l995, o então presidente Fernando Henrique Cardoso também visitou a Serra da barriga. Na ocasião, ele anunciou a criação de um grupo de trabalho interministerial para discutir o resgate da memória de Zumbi.

A Serra da Barriga foi tombada pelo Patrimônio Histórico Nacional em l985. Das antigas construções de pau-a-pique das casas dos escravos, não restou nada. Para a visita presidencial em l995, foram construídos alguns mocambos - casas de palha e uma cerca de paus rebocadas apenas com barro. Com as chuvas e a falta de manutenção, tudo acabou. Restaram apenas três mirantes para observar o vale da Serra da Barriga. Situada a 535 metros de altitude, a serra foi o local escolhido pelos escravos pela visão privilegiada de quem vinha ao longe e pela dificuldade dos inimigos em subir até ao topo. Para os moradores, a visita serviu para o governo reconhecer Zumbi como herói nacional.

O secretário-executivo de Defesa e Proteção das Minorias de Alagoas, Zezito de Araújo, disse que, com a visita de Lula, não só os mocambos foram reconstruídos, mas mais um avanço será dado para a preservação do local. A assinatura de um termo de compromisso entre os governos federal e estadual permitirá a construção no local do Memorial Zumbi.

Zezito, que é também professor de história da América Latina e da África, disse que, numa área de cerca de 500 hectares, será criado um grande espaço para o estudo da trajetória do negro, tanto no continente africano como na diáspora. A idéia é tornar a Serra da Barriga um grande museu vivo. "As 73 famílias que vivem na Serra da barriga não são descendentes dos quilombolas. São negros e brancos miscigenados que vivem da cultura de subsistência", explica o professor Zezito.

O Quilombo de Palmares resistiu por 90 anos às investidas de jagunços e soldados do Império português. Zumbi foi morto em l695. Subir até o alto da Serra da Barriga é como voltar ao passado. O local é dominado pelas réplicas de mocambos e de cercas de pau-a-pique que serviam de proteção nas batalhas. Imagens de orixás, feitas em barro, serviam para dar proteção espiritual às plantações e a população que ali vivia.

Um dos moradores mais antigos da região onde se localizava o Quilombo de Palmares é Antônio Feitosa da Silva, que prefere ser chamado pelo apelido, Sanhasu de Alagoas. Ele ressalta que a construção do Memorial Zumbi vai preservar o local e melhorar a vida das famílias que ali vivem.

Sanhasu nasceu na Serra da Barriga e está com 71 anos. Ali, ele cultiva uma área de terra demarcada pelo Incra. Produz batata, macaxeira (mandioca), inhame e laranja. "Um pouco de cada coisa, vendo de porta em porta lá embaixo da serra, em União dos Palmares, e tiro um dinheirinho que junto com a aposentadoria rural para comprar as coisas de casa", conta Sanhasú. Ele gosta de cantar embolada e fazer trovas e acha que o resgate do herói da consciência Negra, Zumbi, vai aumentar o turismo na região e a renda dos quilombolas.

História

Zumbi dos Palmares é o maior ícone da resistência negra ao escravismo colonial. Estima-se que tenha vivido de 1655 a 1695. A data oficial de seu assassinato, 20 de novembro, foi transformada no Dia Nacional da Consciência Negra pelo Movimento Negro Unificado, em 1978. Um dos objetivos declarados era opor o 20 de novembro ao 13 de maio, que marca a abolição da escravatura pela princesa Isabel.

Localizado na Serra da Barriga, antiga capitania de Pernambuco, Palmares foi o maior e mais duradouro quilombo do Brasil. Seu provável início aconteceu em 1597, após a fuga de quarenta escravos de um engenho de Porto Calvo, sul da capitania. Longe das fazendas e da ira de seus senhores, os escravos foragidos fundaram o quilombo em um local de terras férteis e água em abundância. Dali também se tinha uma visão privilegiada de toda a área próxima. De acordo com alguns historiadores, o nome Palmares seria uma referência às palmeiras da região. Em seu apogeu, o Quilombo dos Palmares abrigou mais de 20 mil habitantes, em uma área de quase 27 mil quilômetros quadrados.

Zumbi

Batizado como Francisco pelos católicos, estima-se que Zumbi descenda de guerreiros imbangalas ou jagas, da região onde hoje fica o país africano de Angola. Com poucos dias de vida, Francisco/Zumbi foi aprisionado pela expedição de Brás da Rocha Cardoso e dado como presente ao padre Antônio Melo, em Porto Calvo. Zumbi cresceu favorecido pela admiração do padre. Aos 10 anos já sabia português e latim. Aos 12, era coroinha. Aos 15 anos fugiu da casa do padre para voltar a Palmares, onde adotou o nome de Zumbi e passou a trabalhar na liderança dos quilombolas.

Participou da batalha em que a expedição de Jácome Bezerra foi derrotada, em 1673. Três anos depois, em um combate contra as tropas de Manuel Lopes Galvão, foi ferido com um tiro na perna. Revoltado com um acordo de paz, assinado em 1678, Zumbi rompeu com o líder Ganga Zumba e foi aclamado o grande chefe pelos revoltosos, que, como ele, não aceitaram o acordo. Atacado pelas tropas lideradas por Domingos Jorge Velho, em 1694, foi baleado, mas conseguiu fugir e sobreviver.

Um ano depois, reapareceu e voltou a atacar povoados em Pernambuco, para conseguir principalmente armas e munições. Porém, um de seus grupos acabou derrotado, e o seu comandante, Antônio Soares, foi preso. O bandeirante e mercenário paulista André Furtado de Mendonça torturou Soares e ofereceu-lhe a liberdade em troca da revelação do esconderijo de Zumbi. Em 20 de novembro de 1695, Soares levou Mendonça até a Serra Dois Irmãos, local onde Zumbi dos Palmares estava.

Muitos historiadores contam que, ao ver Soares, o grande chefe dos revoltosos levantou-se para abraçá-lo, mas foi recebido com uma punhalada no estômago. Seu corpo, perfurado por balas e punhaladas, foi levado a Porto Calvo, onde se decepou sua cabeça, que foi enviada para Recife. Por ordem do governador, ela permaneceu espetada em um poste para exposição pública até sua total decomposição.