Mesa completa um mês como presidente da Bolívia e chega ao Brasil para encontro de trabalho

17/11/2003 - 14h03

Milena Galdino
Repórter da Agência Brasil
Enviada a Bolívia

Santa Cruz de Lá Sierra - Há exatos um mês, em 17 de outubro, o presidente boliviano Sanchez de Lozada era forçado a renunciar. O motivo era a forte crise política provocada por sua decisão de exportar a maior riqueza nacional, o gás, aos Estados Unidos a um preços baixos e ainda usando um porto do Peru – saída para o mar que os bolivianos ainda reivindicam para si.

O vice-presidente, Carlos Mesa Gisbert, jornalista que se distanciou de Lozada e atualmente está sem partido, assumiu o cargo e conseguiu conter a convulsão social que deixou 59 mortos e centenas de feridos em duas semanas de intensos combates entre exército e manifestantes cocaleiros e indígenas, especialmente na região de La Paz. Mesa chega hoje ao Brasil para uma visita oficial ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A calma aparente e o apoio internacional – expresso pelo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, e por todos os presidentes latino-americanos presentes à 13ª Cúpula Ibero-americana, ocorrida neste fim de semana em Santa Cruz de la Sierra – contudo, são elementos insuficientes para dar o sustento necessário ao novato Carlos Mesa no cargo de presidente da República. A população ainda está receosa, mas espera com paciência para ver que direcionamento Mesa dará ao seu governo. "O maior problema dele é a falta de alianças e de base de governo sólida no Parlamento", opina Severo Vidal Peña, um comerciante de pratarias de La Paz.

Protestos

Vidal Peña não sabe explicar como todos os protestos começaram. "Na verdade, aquele grupo não era coeso. Tinha gente de todo tipo, com as mais diferentes reivindicações: uns queriam terras, outros queriam a redução das taxas públicas de luz e água e ainda havia os cocaleiros, liderados pelo deputado Evo Morales (dirigente do Movimento ao Socialismo – MAS)", comenta o comerciante.

Gloria Judith Sejas, ao ouvir o companheiro, acrescenta: "os índios vieram de todos os cantos para protestar. Eu nem sabia que tinha tanto índio assim na Bolívia e eles fizeram uma baderna em La Paz", lembra a vendedora. "Agora, é esperar que Deus ajude o futuro da Bolívia", suspira.

Herlán Paz, estudante brasileiro que vive há quatro anos em Santa Cruz de la Sierra, hoje a maior potência industrial do país, disse que por pouco cocaleiros e índios não tomaram a cidade. "A polícia cercou tudo antes de eles chegarem até aqui. Santa Cruz não parou, como aconteceu em La Paz", conta.

Os três concordam que Carlos Mesa ainda precisa fazer muito para ganhar a confiança do povo se quiser ser eleito no próximo pleito. "Se ele convocasse eleições hoje, perderia para Morales", aposta o joalheiro, destacando que, constitucionalmente, os bolivianos só voltam às urnas em 2007. "Ao assumir, Mesa não descartou a possibilidade de antecipar as eleições ressaltando que seu mandato pertence ao povo e que as convocaria antecipadamente, se necessário", comenta.

Conciliação

Na avaliação do embaixador do Brasil na Bolívia, Antonino Mena Gonçalves, embora ainda sem partido, Mesa conseguiu superar a crise e conta com o respeito de lideranças políticas e do povo. "Estamos vivendo um momento de conciliação. O presidente Mesa deu apoio ao Encontro Social Alternativo (que reuniu estudantes e trabalhadores sem-terra em Santa Cruz, na mesma data da Cúpula Ibero-americana) e trouxe um representante deles para falar na Cúpula", exemplificou o diplomata brasileiro.
Em seu discurso no plenário do encontro que reuniu 21 países, o representante do Encontro Social Alternativo, Carlos Eduardo Medina, expressou apoio a Carlos Mesa, mas foi duro ao pedir justiça aos mortos nos confrontos ocorridos há um mês em La Paz. "Insistir na luta pela dignidade pode resultar em dor e derramamento de sangue. Agora exigimos do presidente Carlos Mesa justiça sobre os mortos que este Estado fez", disse.

Evo Morales, mentor do Encontro Alternativo e reconhecidamente o maior líder de oposição do país, adotou um tom bem menos radical ao conversar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na tarde de sábado, durante uma pausa na Cúpula. "Temos em comum a luta sindical e política. Sou como um irmão menor do Lula e do PT brasileiro", disse o deputado do MAS antes de entrar no Salão Dourado do hotel Los Tajibos, local do encontro.

A humildade do líder dos plantadores de coca abriu espaço para que presidente brasileiro lhe desse conselhos. "Lula pediu-lhe que mantenha o diálogo aberto com Mesa e mencionou que o Brasil está sempre pronto para ajudar", disse o embaixador Mena Gonçalvez, que presenciou a conversa. "Ele ofereceu ao movimento social que viaje ao Brasil e veja de perto como o PT amadureceu politicamente", completou.

Morales, deixou claro a Lula e, minutos antes ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, que busca a conciliação, razão pela qual não teria estabelecido prazos a Mesa. "Ele disse que não está fazendo pressão e que, se o presidente cumprir tudo o que prometeu fazer, vai apoiá-lo", enfatizou o diplomata do Itamaraty.

Gás, coca e reforma agrária

Juntos, a Confederação Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia, a Central Operária Boliviana, o Movimento Sem Terra e o Movimento ao Socialismo apresentaram a Mesa uma extensa lista de exigências. Entre elas, estão a revisão da lei de Hidrocarbonetos, um referendo para a venda de gás natural e sua industrialização, uma pausa na erradicação do plantio ilegal de coca, reforma agrária de terras ociosas, reativação da agricultura e a recuperação de recursos naturais.
A poderosa Central de Trabalhadores Camponeses, liderada por Felipe Quispe, já apresenta queixas sobre a composição política do atual governo. "Colocaram qualquer um para ser ministro", reclama o dirigente.