Temporal, pé rachado e desmaio de mulher não retêm marcha pela reforma agrária

13/11/2003 - 18h08

Spensy Pimentel
Enviado especial a Anápolis

Anápolis (GO), 13/11/2003 (Agência Brasil - ABr) - Os trabalhadores rurais que marcham desde Goiânia para pressionar o governo por um Plano Nacional de Reforma Agrária retomaram hoje a caminhada, depois de um dia de descanso. Eles deixaram pela manhã Anápolis, a 56 quilômetros da capital goiana e a 130 de Brasília, destino dos manifestantes.

São cerca de 1,7 mil pessoas, vindas de pelo menos 12 estados e ligadas a diversos movimentos sociais de luta pela terra. O grupo saiu de Goiânia na terça-feira e deve chegar à capital federal até o dia 21. Os manifestantes têm esperança de serem recebidos em audiência pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A meta principal do movimento é o assentamento de 1 milhão de famílias durante a vigência do próximo Plano Plurianual (PPA), entre 2004 e 2007. "No ritmo que a coisa vai, não vão assentar nem 100 mil até o fim do governo Lula", reclama Joselito Ferreira da Silva, um dos coordenadores da marcha, ligado ao Movimento Terra, Trabalho e Liberdade, o MTL.

Além dessa meta, os trabalhadores têm uma lista extensa de reivindicações, como a recuperação de assentamentos, a desburocratização do acesso ao crédito e a revisão de normas para aquisição de terras para a reforma agrária, entre outras.

"Vamos lá, meu povo, que o Lula está esperando nós, quer saber que dia que nós chega!", grita um dos que segue à frente das duas fileiras organizadas de trabalhadores, para animar o grupo. O dia transcorreu na marcha entre gritos de ordem, canções e brincadeiras. "Sabe como o mineiro faz aquela propaganda da cerveja, do ‘Experimenta’? Ele diz ‘Porva, porva!", conta o goiano ao mineiro.

O militante de Tocantins avisa: "Grava aí que eu quero ser recebido com honra ao mérito pelo governador quando voltar pra lá". Outro, meio envergonhado com o repórter, não quer repetir o que falava do presidente Lula: "Ele é comedor de cuscuz, que nem a gente!".

Automóveis que passam na pista oposta da BR-060 buzinam e acenam em apoio. Recebem aplausos. Músicas de Sérgio Reis no carro de som são respondidas com gritos típicos dos bailes rurais. O grupo de Mato Grosso do Sul leva, a tiracolo, a guampa de tereré (bebida de erva-mate verde com água gelada, popular na região da fronteira com o Paraguai).

A caminhada iniciou-se por volta de 6h, a partir de um ginásio de esportes onde o grupo dormiu. Depois de andar por toda a manhã, os trabalhadores voltaram a montar acampamento nas dependências de uma escola pública no distrito de Bramópolis no início da tarde.

Ali, reencontraram as crianças, filhas de alguns trabalhadores, que seguem em paralelo à caminhada, num ônibus fretado logo à frente do grupo. Três caminhões carregam as bagagens dos caminhantes. O apoio também inclui uma ambulância, da prefeitura de Goiânia, um caminhão-pipa da Companhia de Água de Goiás (Saneago) e outros três automóveis cedidos por movimentos sociais e políticos de esquerda. Carros da Polícia Rodoviária Federal orientam os motoristas a desviar da manifestação na estrada.

No almoço foram servidas marmitas trazidas pela organização do evento, com arroz, feijão, frango e repolho refogado. Em seguida, os caminhantes mal tiveram tempo de montar suas barracas de lona preta: Um temporal assolou a região. As bagagens de grande parte do grupo ficaram ensopadas.

Afora duas moças que sofreram desmaios após o trecho de hoje, vários pés enfaixados com bolhas e alguns tornozelos torcidos, a chuva foi o maior contratempo que a marcha enfrentou até o momento. A mobilização foi organizada pelo Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo, que reúne 42 entidades de todo o país.

Participam da caminhada, além do MTL, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Além de um ato que deve marcar a chegada do grupo a Brasília, a organização do movimento tenta realizar, entre os dias 21 e 22, uma conferência para a discussão do Plano Nacional de Reforma Agrário que os movimentos sociais propõem.

O documento foi elaborado por uma equipe coordenada pelo economista Plínio de Arruda Sampaio, especialista na questão fundiária e ex-deputado federal (PT-SP). Segundo o MST, o plano foi apresentado no mês passado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e os movimentos sociais aguardam resposta do governo.