Nos bastidores da Ciência e do Jornalismo Científico
Cidoval Morais de Sousa (*)
Quando se fala em Jornalismo Científico geralmente não se dá muita importância a algumas sutilezas. A primeira delas é a dimensão que engloba a prática profissional: a divulgação não só da Ciência pronta, avaliada por peritos, publicada em revistas especializadas, mas também a da Ciência em construção, nos bastidores, em processo permanente de negociação de significados, procurando consensos numa tempestade de interesses. É certo que os jornalistas, influenciados por um certo positivismo lógico, se interessam muito mais pelos resultados, privilegiando o que alguns autores chamam de Ciência acabada. Nesse caso perdem os leitores.
E por que perdem os leitores se vivemos numa sociedade pragmática, utilitarista, que antes de conhecer o como pergunta para que serve? Tomo aqui, como ponto de partida, a construção da notícia política. Os jornalistas políticos se especializaram em cobertura de bastidores. As decisões não são tomadas por acaso. Resultam de intensas e tensas negociações: telefonemas, reuniões, almoços, jantares, conversa de pé-de-ouvido, blefes, tramas, redes de pressão, lobbies, concessões, acordos, ameaças veladas, balões de ensaio, fofocas... Tudo isso junto, quando bem apurado, testemunhado ou confrontado com várias fontes, oferece ao leitor uma representação mais próxima da realidade.
A Ciência é uma atividade social como tantas outras em nosso meio. Sua especificidade é construir conhecimentos sobre o mundo, mas não é a única via capaz de fazê-lo. Para alguns, é a mais confiável, mas isso não a transforma em força superior. Longe de produzir verdades, constrói consensos temporários, sujeitos a controvérsias e, conseqüentemente, a negações. Como atividade social (a Ciência) não está desprovida de influências da ação pessoal, dos contextos sócio-econômicos, políticos, culturais. Os laboratórios reproduzem, com raríssimas exceções, as relações de poder dominantes. Os líderes das redes de pesquisa nem sempre são escolhidos por méritos científicos, mas por suas habilidades políticas.
Como bem frisa Medawar, em seus conselhos a um jovem cientista, a empresa científica é tocada por homens e mulheres que podem ser nossos vizinhos, que chegam todos os dias aos seus lugares de trabalho alimentados por esperanças e propósitos que são comuns a todos, e são recompensados, como a grande maioria, por triunfos esporádicos e entristecidos por revezes ocasionais. O homem ou a mulher de Ciência cumpre uma série de exigências: capacitação permanente, pesquisa, produção, publicação, busca de reconhecimento, sustentabilidade. Aparece, quase sempre, como se tivesse uma dupla existência: uma social e outra cognitiva, quando na verdade a vida acadêmica e a social são indissociáveis.
Não sendo a Ciência algo que se constrói fora do mundo dos mortais, é rica em vida, comunicação, interação, tramas, disputas, conflitos, trincheiras de lutas políticas, ideológicas... Mas isso pouco aparece na mídia. O Jornalismo Científico praticado hoje no Brasil e no mundo, longe de aproximar os conteúdos científicos do público leigo, colabora para que o gap existente entre um e outro permaneça sem perspectiva de solução. Falta vida, sobra resultado. As características humanas da Ciência desaparecem. Em contra-partida explora-se, com ênfase, os fragmentos que podem produzir sensação, espetáculo, dar idéia de ritual, confirmação de estereótipos. Ás vezes fica a impressão de que a mídia não leva muito a Ciência a sério.
Há, também, uma outra dimensão do Jornalismo Científico (JC), que praticamente está fora dos debates públicos – aquela que funciona como porta de entrada para pesquisas interdisciplinares na comunidade acadêmica, geralmente quando se quer verificar o que a mídia tem feito com os produtos da Ciência. Embora carregue como marca a diversidade de olhares, que se debruçam sobre a sua condição de objeto de pesquisa, o JC, como tal, recebe tratamento parecido com o que dispensa à Ciência: não é investigado no seu lugar de produção. Para uma determinada corrente, interessa a freqüência; outra está preocupada com o discurso; outra ainda com os efeitos de agenda... Mas todas elas partem da mesma realidade: a matéria jornalística pronta, publicada.
A intenção deste artigo não foi dar uma receita de como produzir matéria jornalística sobre Ciência, nem tão pouco dizer, para a academia, como esta deve estudar o Jornalismo Científico. Na realidade nosso interesse maior foi pontuar a necessidade de se enxergar o entorno quando se produz conhecimento a partir do JC ou quando este produz notícias sobre Ciência. É interessante penetrar no interior das comunidades científicas para poder fazer uma leitura adequada de seus códigos; o mesmo vale para os que tomam o JC como objeto de investigação.
(*) Jornalista, professor das universidade de Taubaté (Unitau) e do Vale do Paraíba (Univap), ambas em São Paulo, doutorando em Geociências (Unicamp) e diretor acadêmico da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC).