Cacique Raoni cria televisão indígena

07/11/2003 - 10h41

Brasília, 7/11/2003 (Agência Brasil - ABr) - O cacique Raoni Memtuktire anunciou hoje a ciração da primeira televisão indígena no país. "Eu nunca vou brigar sem precisão mas também não vou deixar nunca de brigar pelo direito que o povo tem, e por isso estou criando esta primeira televisão em aldeia", afirmou o cacique, em entrevista ao programa Revista Amazônia, na Rádio Nacional da Amazônia. O canal Aldeia Virtual está sendo instalado na Aldeia Cachoeira, na Terra Indígena Kapoto-Jarina, município de São Felix do Xingu, no Mato Grosso.

Na mesma entrevista, que foi traduzida para o português pelo cacique Pitiujaro Memtuktire, Raoni lembrou, emocionado, que o primeiro branco que ele conheceu, há 50 anos, foi Orlando Villas Boas, a quem chama de "o grande pai". Ele citou entre os "brancos inimigos", os madeireiros, pecuaristas, pescadores e caçadores, a quem lembrou que conta com "os guerreiros para defender a área", mas lembrou que prefere antes "ter conversa direta com as autoridades em Brasília".

"Eu não quero briga com ninguém mas também não quero invadir terra de fazendeiro, porque eu só vou na cada dele com permissão. Então, não posso deixar que ele continue invadindo nossa terra, e tenho até medo que um dia ele acabe com os peixes dos nossos rios e com os bichos no mato, e é por isso também que eu estou trabalhando para a criação deste primeiro canal de televisão de índio, disse.

Raoni Memtuktire, cacique da Nação Membemgocrê, que significa Povo do Olho d’Água, não gosta de lembrar que já foi recebido pelos Presidentes da França, Jacques Chirac e François Mitterand, pelo Rei da Bélgica, entre outros, e que o documentário "Raoni-Fight in the Amazon" ganhou o Oscar, em Hollywood, com narração de Marlon Brando, a quem conheceu pessoalmente, a exemplo de diversos Presidentes do Brasil, desde Juscelino Kubitscheck. Falta agora a audiência com Luis Inácio Lula da Silva, a quem deu um conselho "de cacique para cacique".

" Eu não sou contra, sou a favor de Lula, e o primeiro passo é que ele tem que trabalhar direito. Como Presidente, como chefe, ele tem que pensar direito duas, três vezes, para poder falar depois. Eu penso, como cacique do meu povo, sempre penso muito grande, nunca penso pequeno, só penso em defender e resolver as coisas do meu povo. Por isso eu brigo, se for preciso. É este o conselho, e estou esperando que ele me convide para nós dois trocarmos umas idéias sobre os índios", disse Raoni.

Sobre os encontros que teve com personalidades estrangeiras, o cacique Raoni disse que sempre conversou sobre o trabalho que está realizando junto ao povo indígena de todo o Brasil, sobre a preservação da natureza e contra a invasão dos brancos em terras de índio. Ele disse que, rei ou presidente, sempre se apresenta "respeitando a autoridade e mostrando que meu trabalho sempre é aberto e muito bem esclarecido, sem esconder nada e nem mentir, e dizendo que só uso coisa que é minha, nunca vou usar coisa que é do outro".

Na parte da saúde dos indígenas no Brasil, o cacique Raoni lembra com amargura que, enquanto os índios deram de presente para os brancos alguns remédios importantes, como o curare e o quinino, que cura a malária, os brancos deram de presente para os índios doenças, sem contar as manias de bebida, de briga e de roubo. "O que acontece hoje de ruim nas aldeias de índios – completou Raoni – é tudo coisa de branco". O cacique lembra que índio só curava doença antiga com remédio achado no mato e que hoje precisa de injeção e comprimido.

Nem todo branco é ruim, segundo o cacique Raoni, e disso ele lembrou com emoção na entrevista que deu ao programa Revista Amazônia, quando fez questão de falar na língua dele . Ele só se traiu, e falou em português, quando na hora de citar os "inimigos" dos índios, o entrevistador se esqueceu de colocar os pescadores e os caçadores.

"O grande pai Villas Boas dava conselhos que continuam ainda na minha cabeça, porque ele não mentiu, ele deixou história, e foi ele que pensou nesta história de demarcar terra para índio viver nela e cuidar da preservação da natureza, e foi ele, junto com o irmão, os dois, Orlando e Cláudio, que me ensinaram a ser um cacique lutador. Ele sempre lembrava para a gente os perigos do homem branco, e nisto nunca se cansava de avisar dos perigos da bebida para a saúde da gente, completou".

Para o homem branco que pretende ser "cacique, chefe ou autoridade", Raoni lembrou como é feito o processo lá na aldeia, que ele gostaria que fosse seguido na cidade: "É preciso se preparar desde criança. Tem que estudar, fazer treinamento. Isso é demorado, leva anos, e não é fácil. A pessoa tem que aprender com quem já foi cacique, tem que ter muita paciência, e só assim ele vai chegar um dia e decidir que está em condição de assumir. Quem não tem capacidade para tudo isso, não passa, não deve ser cacique, ou chefe no mundo do branco".

(Eduardo Mamcasz)