Spensy Pimentel
Enviado especial a Luanda
Luanda - À uma assembléia formada, há 11 anos, por 220 deputados eleitos na única eleição multipartidária da história de Angola e que permanece até hoje sem renovação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou tom grave para mandar uma mensagem pacifista em seu discurso, na manhã de hoje, em Luanda. "Durante décadas, vocês ensinaram ao mundo a guerra. Eu queria pedir para vocês que ensinem o mundo agora a paz", disse Lula.
Ele relembrou sua trajetória de derrotas nas disputas eleitorais brasileiras, antes de ser eleito presidente em 2002, para afirmar que, em sua carreira, sempre apostou "na democracia como o único método que realmente nos permitiria transformar o Brasil". Na platéia, parte dos 70 deputados da Unita (União pela Libertação Total de Angola), hoje apenas um partido entre os 126 do país. Até 2002, a organização era braço legal da guerrilha que lutou contra o governo do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) durante 27 anos. O conflito matou cerca de 1 milhão de pessoas e mutilou quase 150 mil.
"Esta Casa é a melhor metáfora para a paz. Um parlamento multipartidário e pluralista simboliza a sociedade em busca da conciliação de interesses por meio do diálogo", afirmou o presidente brasileiro. Ele sublinhou a relação entre paz e desenvolvimento e ressaltou que, para alcançar o objetivo da reconstrução nacional, o povo angolano deverá consolidar o respeito à diferença e igualdade nas relações humanas.
Pouco antes, uma saudação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva como "porta-voz do povo humilde do Brasil" e "das pessoas desfavorecidas no resto do planeta" marcou o início oficial da visita de Estado brasileira a Angola, o segundo país de cinco a serem visitados até o próximo sábado. O autor foi o presidente anfitrião José Eduardo dos Santos, na abertura da reunião entre presidentes e ministros dos respectivos países que decidiu os acertos finais nos acordos bilaterais assinados em seguida, no Palácio Presidencial.
Santos foi correspondido por Lula, que o felicitou "pelo fato de nos encontrarmos hoje em um país em paz". O brasileiro estendeu os elogios à ação diplomática angolana na região da África Ocidental, nomeadamente "o bom encaminhamento da questão da República Democrática do Congo, bem como no que concerne às crises em Guiné-Bissau e em São Tomé e Príncipe".
Conselho de Segurança
O apoio de Angola ao ingresso do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas foi reiterado por Santos. Segundo Lula, a coincidência que, a partir do próximo ano, vai levar Angola a presidir o conselho, ao mesmo tempo em que o Brasil ocupa assento rotativo na instituição, possibilitará "aumentarmos nossa sintonia em temas relacionados com
a paz e segurança internacionais, com vistas a uma participação coordenada e afirmativa em favor da solução pacífica de conflitos e do multilateralismo".
O presidente Lula realizou ainda um retrospecto completo das relações entre Brasil e Angola. Além de, em nome do País, se desculpar quanto ao seqüestro de "angolanos livres" para trabalhar como escravos, Lula disse que o apoio ao regime salazarista "e sua política nas então colônias ultramarinas" foi uma mancha para o País.
Em contrapartida, o presidente brasileiro frisou pontos positivos das relações entre os dois países. Ele chamou a atenção para aquilo que considerou "a mais feliz das ironias de nossa história comum: ligados inicialmente pela opressão, distantes um do outro durante um século, reencontramo-nos naquele heróico 11 de novembro de 1975", em referência ao fato de o Brasil ter sido o primeiro país do mundo a reconhecer a independência angolana, ocorrida nessa data. Em lembrança a essa efeméride, Lula anunciou a criação do Centro de Estudos Ovídio de Andrade Melo, em homenagem ao representante brasileiro em Luanda na época.
No campo do comércio internacional, voltou a condenar o protecionismo agrícola. "A verdadeira incorporação dos países em desenvolvimento à economia global passa necessariamente pelo acesso sem discriminação aos mercados dos países ricos", disse Lula.