Governo acompanhará depoimentos de testemunhas a relator da ONU para evitar represálias

03/11/2003 - 16h46

Brasília, 3/11/2003 (Agência Brasil - ABr) - O governo federal adotou uma postura preventiva, para que durante a visita ao Brasil do relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Venda de Crianças, Pornografia e Prostituição Infantil, Juan Miguel Petit, vítimas e parentes de vítimas que prestarem depoimentos sobre esses crimes não sofram represálias.

O objetivo é evitar a repetição de assassinatos como o de duas testemunhas da ação de grupos de extermínio, mortas a tiros depois de prestaram depoimento à relatora da ONU para Execuções Sumárias, Asma Janhagir, que esteve no Brasil entre 16 de setembro e 8 de outubro. O ministro Nilmário Miranda, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, informou que durante a viagem de 13 dias de Petit, iniciada hoje, equipes do Itamaraty e da Secretaria farão acompanhamento permanente dos trabalhos nas cinco unidades da Federação a serem visitadas: Distrito Federal, Pará, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.

Segundo Nilmário Miranda, o assassinato das testemunhas de grupos de extermínio deixou os governos federal e estaduais mais atentos quanto à necessidade de se proteger as pessoas ouvidas pelos relatores da ONU. "Com certeza, aquelas duas mortes tornaram as pessoas mais sensíveis", avaliou. Nilmário frisou, no entanto, que os focos dos dois relatores são distintos, apesar de terem a violência em comum. "Asma Jahangir trabalhou com vítimas e parentes de esquadrões da morte".

Hoje de manhã, Nilmário se reuniu com Juan Miguel Petit durante cerca de duas horas. No encontro, entregou ao relator da ONU uma pesquisa mostrando que no Brasil existem 241 rotas nacionais e internacionais de tráfico de crianças, adolescentes e mulheres com fins de exploração sexual. O ministro mostrou como o governo, em parceria com estados e municípios e a sociedade civil, tem trabalhado para resolver o problema, enfatizando a integração de políticas preventivas e repressivas. "Se fizer uma repressão num lugar e não tratar das causas da prostituição e nem do tratamento e nem de políticas sociais como alternativas à prostituição, quando ela tem natureza econômica, não adianta nada".

Miranda ressaltou experiências postas em prática em sete municípios brasileiros para desmantelar essas redes. Segundo ele, a integração entre as ações tem sido a grande arma para combater à exploração sexual infanto-juvenil em São Paulo, Manaus, Pacaraima, Rio Branco, Feira de Santana (BA), Campina Grande (PB) e Corumbá (MS). De acordo com o ministro, o fator de êxito dessas iniciativas é que a repressão é apenas um dos lados da solução do problema. "Nesses sete municípios, estão sendo feitas prisões, redes estão sendo desmanteladas, mas isso associado a políticas também de prevenção, como escola e saúde", disse.

Para o ministro, o engajamento de parcela significativa da sociedade, que não adota postura omissa diante dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, também tem sido decisivo. "Em todo canto do país estão surgindo denúncias contra políticos, membros da magistratura, empresários envolvidos com a prostituição e sobretudo com a exploração sexual de crianças e adolescentes. Então, o país está reagindo. O primeiro passo era esse: a sociedade se indignar, desbanalizar, não deixar que isso se torne rotina, não ver isso como natural", destacou.

O envolvimento de organizações não-governamentais nas ações de enfrentamento chamou a atenção do relator da ONU. No entendimento de Petit, o momento atual é uma ótima oportunidade para os países da América Latina consolidarem a democracia a partir do desenvolvimento dos direitos humanos.

Petit disse que a violência sexual contra crianças e adolescentes é um problema fruto de patologia que aflige o mundo todo. Afirmou também que as violações dos direitos humanos não são restritas aos países em desenvolvimento. Jornalista, Petit trabalha para a ONU desde 2001. O Brasil é o terceiro país visitado pelo relator, que já esteve na França e na África do Sul.

Petit pretende dar prioridade à prostituição infanto-juvenil e à construção de redes sociais de prevenção para os jovens e adolescentes que se encontram em todas as situações de risco. "Jovens não são um problema. São também a parte da solução do problema", disse o relator, ao defender o engajamento dos próprios adolescentes nessas ações.

O representante da ONU disse que ainda é cedo para ter uma dimensão do problema no Brasil. Ele adiantou que em seu relatório, a ser apresentado em março na comissão de Direitos Humanos da ONU, não enfocará apenas denúncias, mas também apresentará sugestões. Petit informou que será modesto nas sugestões que incluirá em seu relatório, porque não há como resolver questões dessa complexidade com "varinha mágica".