Brasil fortalece acordos bilaterais com Angola e cria condições para incrementar comércio

03/11/2003 - 13h24

Spensy Pimentel
Enviado especial a Luanda (Angola)

"Políticas afirmativas concretas" foi o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu esta amanhã na abertura de reunião entre presidentes e ministros de Angola e Brasil, em Luanda. O encontro marcou o início oficial da visita de Estado da comitiva comandada por Lula àquele que é historicamente o mais importante parceiro brasileiro no continente africano. Entre as principais ações estão os acordos de cooperação bilateral. O intuito é auxiliar a "reconstrução nacional" do país que encerrou no ano passado uma seqüência de conflitos que durava 41 anos.

A educação é o mote principal dos acordos diplomáticos. Inclui a reconfiguração do sistema escolar do país, arrasado pelos conflitos, bem como a qualificação de professores, por meio do aprofundamento do apoio ao projeto angolano "Escola para Todos", que o Brasil auxilia desde 2002.

Também haverá ampliação da colaboração no campo da formação profissional, com participação de entidades como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), que atua em projetos em Angola. A administração pública é outra área a ser beneficiada. O objetivo é formar quadros para o Estado angolano, que, após a consolidação do regime democrático no País (até hoje só houve eleições multipartidárias em 1992), tem carência de profissionais especializados.

O estreitamento de relações entre Brasil e Angola é encarado pelo presidente Lula como
"justiça" e não "favor" com um país com o qual o Brasil tem "laços de sangue" . "Uma Angola forte e próspera poderá ser o motor do avanço de toda uma região", disse na abertura da reunião bilateral, em referência ao papel que o país tem desempenhado.

Os novos acertos alcançam ainda a agricultura e a pecuária, por meio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de programas de apoio à extensão rural e desenvolvimento sustentável. Esportes, cultura, meio ambiente e pesquisa em ciência e tecnologia estão no rol dos setores a receberem colaboração brasileira – esta última, com a previsão de participação da Petrobrás e da Agência Nacional do Petróleo.

Na área de saúde, Lula anunciou intenção em seu discurso novos acordos no campo da imunização, combate à malária e à Aids – principais flagelos que assolam o país – embora esses temas não constem, ainda, da lista final de acordos assinados.

Negócios

Mas foi na Assembléia Nacional e no encerramento das atividades da Missão Empresarial em Angola que Lula anunciou as medidas mais esperadas pelos cerca de cem empresários brasileiros em sua companhia no périplo por cinco países africanos esta semana. A mais importante delas é o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao estabelecimento de empresas brasileiras em Angola. Segundo informações do banco, a linha não tem limite definido ainda e vai depender da demanda dos projetos. Em seu discurso, o presidente brasileiro mencionou especificamente a importância das obras de infra-estrutura nesse âmbito.

"O Atlântico nos une", disse Lula na Assembléia, onde recordou que, nos tempos coloniais, o fluxo de embarcações entre Brasil e África era intenso. "Durante três séculos, houve mais naus viajando de Luanda ou Benguela ao Rio de Janeiro, Salvador ou Recife do que em qualquer outra rota", afirmou, com a ressalva de que "essas naus, no entanto, carregavam tristeza, violência e medo", em referência ao comércio de escravos.

Apesar de reconhecer que, no período posterior ao fim do tráfico negreiro, o Brasil "virou as costas para a África", Lula não apresentou uma solução para o problema do transporte marítimo e aéreo, necessário à ampliação do comércio bilateral, hoje em torno de US$ 200 milhões. "Têm toda a razão os empresários que se queixam de que é, muitas vezes, mais rápido e barato, viajar para a Europa ou para os Estados Unidos do que para a África, que está bem mais próxima do Brasil", disse Lula. Em seguida, ele provocou a platéia: "Se quisermos que nossos ideais de cooperação e integração sejam mais do que um exercício de retórica, temos que trabalhar para unir as duas margens do Atlântico".

A reivindicação dos empresários brasileiros em Angola da implantação de agências de bancos públicos como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil recebeu sinalização do presidente. Ele reconheceu a carência: "têm razão os que reclamam da inexistência de canais bancários diretos, que facilitem as transferências financeiras entre nossos países".

No âmbito do comércio, Lula comprometeu-se: "Estamos também dispostos a ampliar o acesso dos países africanos a nosso mercado. Vamos estudar fórmulas compatíveis com as regras da OMC, que permitam aos produtos dos países mais pobres a entrada desimpedida no mercado brasileiro". Ele revelou que o governo já estuda a medida no nível legal: "Creio que já dispomos de um arcabouço jurídico para tanto, no Sistema Geral de Preferências entre Países em Desenvolvimento. Temos que nos valer dele". Mais tarde, foi incisivo: "Estamos preparados para ampliar o acesso de produtos angolanos ao mercado brasileiro".

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ressaltou, no entanto, que é preciso antes ter noção de todas as regras no âmbito comercial para que seja possível favorecer a compra dos produtos africanos. " Não estou dizendo que vai acontecer do dia para a noite, mas já é um olhar diferente para esses países". Disse, também, que na reunião da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Comércio (Unctad) a ser realizada no Brasil em 2004, será possível trabalhar o assunto com maior profundidade. " Até gostaríamos que países nos tratassem da mesma forma".

Política industrial na África

Na saída da sessão solene na Assembléia, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, demonstrou cautela quanto à medida. Para ele, ainda é preciso primeiro construir o setor industrial no país. "A exportação mesmo de produtos angolanos está muito limitada hoje. Nós teremos que diversificar a produção", disse. Nesse âmbito, o Brasil, na opinião dele, poderia auxiliar no desenvolvimento de setores como a agroindústria e a transformação de produtos como petróleo e mármores e granitos, o que possibilitaria "agregação de valor".